PICICA: "A negação da diversidade e a onda de perseguições são influenciadas pela presença frequente, em Uganda, de pastores norte-americanos ligados ao cristianismo fundamentalista."
Uganda enfrenta o fundamentalismo cristão
Campanha moralista, alimentada também por pastores norte-americanos, pede pena de morte para homossexuais. Gays resistem, com apoio internacional
Por Luís F. C. Nagao, colaborador de Outras Palavras
Até o dia 12/5, o Parlamento de Uganda votará um projeto bizarro de Lei contra a Homossexualidade. Apresentado em 2009 pelo deputado David Bahati (do partido Movimento de Resistência Nacional, no poder), ele tem como pretexto proteger crianças e jovens da ameaça à tradicional família heterossexual. Em sua exposição de motivos, o parlamentar define o homossexualismo como um transtorno mental que foge as características inatas e imutáveis do ser humano e que apresentaria consequências negativas, como aumento da violência, disseminação das doenças sexualmente transmissíveis e uso de drogas. Seria preciso combater a sodomia.
Para fazê-lo, o projeto estabelece diferentes níveis de punição. Começam com prisão por determinado tempo, passando pela pena perpétua (no caso de sexo com menores de 18 anos) e avançam até morte (em casos de relações com menores de 14 anos, transmissão de AIDS, incesto ou “ofensas em série”. O projeto resguarda-se em detalhes. Declara nula a adesão de Uganda a qualquer tratado internacional contrário ao espírito da lei e obriga até os ministros religiosos a denunciar suspeitos de homossexualismo. Se falharem, poderão pegar até três anos de prisão.
Que estaria por trás da opção por ir à guerra contra homossexualismo, e de fazê-lo de forma tão radical? Engana-se quem apostar no extremismo islâmico, que de fato cresce em alguns países africanos. De acordo com o Censo de 2002, 84% dos ugandeses são cristãs – divididos mais ou menos meio a meio entre católicos (41,9%) e anglicanos (35,9%). Apenas 12% são islâmicos. Apenas 1% segue as religiões tradicionais.
Grupos pentecostais e neopentescotais, que têm influência majoritária nas zonas rurais, explicam parte do conservadorismo. Há um extenso histórico de moralidade e combate à homossexualidade em Uganda. A primeira dama Janet Museveni Kataha, que é evangélica, sugeriu um censo acerca da virgindade, como suposta forma de combate a AIDS. Há concessões de bolsas de estudo a alunos que declaram não ter vivido experiência sexual. O ministro da Ética e Integridade ameaçou proibir o uso de minissaia e recomendou aos homossexuais que esqueçam os direitos humanos.
Um dos membros mais atuantes da cruzada moralista é o pastor Martin Ssempa, membro da Igreja da Comunidade Makerere e consultor do governo. Ele já protagonizou a queima de camisinhas, organizou manifestações em 2007 contra o homossexualismo, chegou a projetar uma marcha de um milhão de pessoas em Kampala (a capital) – ao fim frustrada, devido a medidas de segurança da polícia. Líder carismático, sempre a justificando sua prática dizendo que a mídia ocidental não deve fazer juízo de valor do que chama de “visão tradicional africana”. Critica bispos homossexuais presentes nas igrejas ocidentais e diz que o homossexualismo atenta contra as leis da natureza, constituição e culturas tribais africanas.
A onda tem se espalhado. No ano passado, um tablóide intitulado The Rolling Stone publicou nomes e fotos de cem pessoas apontadas como gays. Ao lado do título, propôs: “Enforque-os”. Após a publicação da manchete, uma mulher teve que ser deslocada para um local seguro. De acordo com Stosh Mugisha, que auxilia gays portadores de AIDS, ela estava num café quando as pessoas começaram a apontar para ela. Foi até sua casa e garotos, que antes eram seus amigos, começaram a atirar pedras no portão. A princípio, pensou se tratar de uma brincadeira, mas ao perceber a gravidade da situação resolveu mudar-se, hostilizada pela própria família. Outras pessoas também sofreram agressão verbal.
A negação da diversidade e a onda de perseguições são influenciadas pela presença frequente, em Uganda, de pastores norte-americanos ligados ao cristianismo fundamentalista. Em 2008 o reverendo Rick Warren esteve no país e comparou homossexualidade com pedofilia. Seu colega Lee Caleb Brundidge presta serviço por telefone e oferece treinamento on-line e palestras a todos que querem abandonar o homosexualismo. Em 2009, – ano da apresentação do projeto que prevê pena de morte, os evangélicos estadunidenses Scott Lively, Lee Caleb Brundidge e Don Schmierer realizaram uma série de conferências durante três dias no país com o tema “A ameaça que homens e mulheres homossexuais representa contra os valores da família africana tradicional”. Questionados recentemente, nos Estados Unidos, sobre sua responsabilidade no episódio, estes pregadores criticaram a proposta do deputado Bahati e afirmam não ter vínculos com ela.
Este ambiente hostil não tem impedido que se desenvolva, em Uganda, um forte e corajoso movimento gay. Mais de 500 mil pessoas aderiram a abaixo-assinado em que condenam a proposta de lei. A ativista Kasha Jacqueline Nabagesera, diretora da OnG Freedon and Roam Uganda, destacou-se por desafiar as hostilidades e percorrer inúmeras emissoras de rádio e TV difundindo a liberdade de orientação sexual. Frank Mugisha, diretor das minorias sexuais de Uganda — um grupo em favor dos direitos gays – lamenta que as perseguições contra homossexuais tenham se ampliado, após a proposição da pena de morte. No último ano, vinte pessoas foram agredidas e mais dezessete presas, por sua orientação sexual. O ativista David Cato foi assassinado em frente a sua casa, depois da publicação da matéria no Rolling Stone. Anteriormente, já havia sido espancado quatro vezes, preso duas e demitido do emprego de professor pela sua opção sexual.
A mobilização dos ugandeses que defendem a liberdade de orientação sexual começou entre as sociedades civis e governos no exterior. A Fundação Lésbica Astrea pela Justiça, baseada em Nova York, doou 75 mil dólares para os grupos gays no país africano. Mai Kiang, diretora da Astrea, ressaltou que, entre os motivos para o apoio estava o fato de se tratar de “uma luta pela própria vida”. O governo alemão ameaçou cancelar projetos de cooperação internacional executados em Uganda e o governo dos Estados Unidos pronunciou-se contra a lei proposta.
Vale ressaltar que, embora mais branda, já há legislação condenando o homossexualismo em Uganda (a pena estabelecida é prisão por até sete anos). Além disso, a pena de morte contra gays ainda é prevista em cinco países (Arábia Saudita, Iêmen, Irã, Mauritânia e Sudão) e em partes da Nigéria e Somália.
Fonte: Outras Palavras
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