PICICA: "O
capitalismo de cassino – também chamado neoliberalismo super turbinado – está
destruindo sem piedade os últimos vestígios do estado de bem-estar e o consenso
igualitarista no ocidente industrializado, com a única exceção, talvez, ímpar,
da Escandinávia. Estabeleceu um consenso “Neo-Normal”, metendo-se nas vidas
privadas, dominando o debate político e institucionalizando, porque-sim, a marquetização da própria vida – ato
final dessa feroz exploração de recursos naturais, terra e trabalho barato, pela
empresa privada."
Pepe Escobar em: “Strip tease” pós-história
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
You used to be
so amused
At Napoleon in rags
Bob Dylan, “Like a Rolling
Stone”
[1]
Interessante seria convocar o
espírito retrô de Burt Bacharach para definir nosso futuro geopolítico e começar
a cantar “What the world needs now / is
love, sweet love” [O mundo agora precisa de amor, doce amor] a
seguir:
Pepe Escobar |
Perdoem
castigar o vinil. Interrompemos o show amável-ingênuo, para trazer até
vocês as últimas notícias. Vocês acabam de ser catapultados para a era no novo
“herói” hobbesiano – digital e
virtual, além de físico.
O
capitalismo de cassino – também chamado neoliberalismo super turbinado – está
destruindo sem piedade os últimos vestígios do estado de bem-estar e o consenso
igualitarista no ocidente industrializado, com a única exceção, talvez, ímpar,
da Escandinávia. Estabeleceu um consenso “Neo-Normal”, metendo-se nas vidas
privadas, dominando o debate político e institucionalizando, porque-sim, a marquetização da própria vida – ato
final dessa feroz exploração de recursos naturais, terra e trabalho barato, pela
empresa privada.
David Harvey |
Integração,
socialização e multiculturalismo estão sendo corroídos por desintegração,
segregação e disseminada dessocialização – consequência direta da noção, cunhada
por David Harvey, da “desacumulação” (a sociedade se autodevora).
Esse
estado de coisas é o que Lieven De Cauter, flamengo, filósofo e historiador da
arte, em seu livro Entropic
Empire, chama
de “a fase Mad Max
da globalização”.
É
mundo hobbesiano, de guerra civil
global latente, guerra de todos contra todos; os que-têm econômicos contra os
que-nada-têm; wahhabitas intolerantes contra xiitas “apóstatas”; os filhos do
Iluminismo contra todas as modalidades de fundamentalistas; a militarização da
África pelo Pentágono, contra o mercantilismo chinês.
A
balcanização e a desintegração do Iraque, detonadas pela operação “Choque e
Pavor”, do Pentágono, há dez anos, foi uma espécie de prelúdio para essa Brava
Nova Desordem. A visão de mundo neoconservadora, de 2001 a 2008, fez avançar o
projeto, com sua ideologia de “Dar Cabo do Estado”, por toda parte; mais uma
vez, o Iraque foi o melhor exemplo. Mas, da etapa de bombardear nação soberana
até fazê-la reverter à Idade da Pedra, o projeto passou à engenharia de guerras
civis – o que já fizeram na Líbia, e os engenheiros esperam fazer também na
Síria.
Analistas-de-poltrona
influentes ou pelo menos pagos por fundações endinheiradas – quase sempre nos
EUA, mas também na Europa Ocidental – que vivem a pontificar sobre “caos e
anarquia”, só fazem reforçar uma profecia que se autorrealiza. Se os tais “caos
e anarquia” viram-se contra eles, é porque refletem a economia libidinal
predominante, da TV-reality a todas as variantes do que De Cauter
descreve como “jogos psicóticos” – numa sala, num octógono, numa ilha ou,
virtualmente, numa caixa digital.
Portanto,
bem-vindos à geopolítica do jovem século 21: idade de guerra ininterrupta
(virtualizada ou não), aguda politização e catástrofes e mais catástrofes, às
pilhas.
Karl Marx |
Depois
de Hegel, Marx e aquele medíocre subalterno do Império, Fukuyama; mas também,
depois de brilhantes desconstruções desconstruídas por Gianni Vattimo,
Baudrillard ou Giorgio Agamben, eis o que conseguimos.
Para
Marx, o fim da história seria uma sociedade sem classes. Muito romântico. Em vez
disso, na segunda metade do século 20, o capitalismo casou-se com a democracia
liberal ocidental até que a morte os separe (e a morte já paira sobre a dupla).
O Dragão Vermelho, o chinês, uniu-se à festança e trouxe um novo brinquedinho: o
neoliberalismo de partido único.
Um
consumidor individualista – autoindulgente, passivo, facilmente controlável,
afogado numa forma pervertida de democracia que favorece os apaniguados – e
jogadores muito ricos; como poderia tal arranjo, algum dia, ser ideal humanista?
Mesmo assim, o trabalho de Relações Públicas foi tão bem feito, que a isso já
aspiram legiões de pessoas, na Ásia, África, Oriente Médio e América do Sul. Mas
os Donos (geoeconômicos) do Universo querem mais, muito mais.
Temos
pois a pós-história, como última moda em matéria de reality show. E sua
arma favorita é o neoliberalismo de guerra.
Giorgio Agamben |
Escolha
seu lado
Estamos
já familiarizados com o paradigma de Giorgio Agamben, do estado de emergência –
ou estado de exceção. O exemplo radical, até meados do século 20, foi o campo de
concentração. Mas a pós-história é mais criativa.
Temos
hoje um campo de concentração só para muçulmanos – em Guantánamo. Temos um
simulacro de campo de concentração – na Palestina, virtualmente murada e sob
vigilância 24 horas por dia, sete dias por semana, e onde “a lei” é o que diga
uma potência ocupante. E vimos já o que aconteceu – como um ensaio geral –
semana passada em Boston; a eufemística “interdição” [orig. “lockdown”]
de todas as ruas e vias da cidade, com suspensão da lei normal, substituída pela
lei marcial: nenhuma liberdade de ir e vir; nenhuma rede de telefonia celular
operante; e, se você for até o bar da esquina para comprar um refrigerante, pode
ser legalmente abatido a tiros no quintal de sua casa. Toda uma grande cidade do
norte industrializado dos EUA foi convertida em campo de concentração
high-tech.
Agamben
falou do estado de exceção como um excesso, de cima para baixo, da soberania; e
do estado de natureza – como em Hobbes – como uma ausência, de baixo para cima,
de soberania. Depois da Guerra Global ao Terror [orig. Global War on Terror
(GWOT)], a qual, diga o Pentágono o que disser, é, sim, perpétua (também
chamada “A Longa Guerra”, como definida em 2002, e parte da doutrina da
Dominação de Pleno Espectro [orig. Full Spectrum Dominance] do
Pentágono), já se pode falar de uma fusão.
A
guerra ao terror, normalizada sedutoramente pelo governo Obama, foi e continua a
ser um estado de exceção global, mesmo que as arapucas vão e venham: o
Patriot Act; Ordens Executivas clandestinas; tortura – recentemente, um
grupo bipartidário de investigação acusou todos os funcionários do governo
George W Bush por prática do crime de tortura; entrega “extraordinária” de
prisioneiros para serem torturados fora do território dos EUA, com colaboração
de estados seculares então aliados do ocidente, como Líbia e Síria, para nem
falar de nações da Europa Oriental e dos fantoches árabes de sempre, inclusive o
Egito-de-Mubarak; e o sempre crescente aparelho de segurança nacional dos EUA.
Guantánamo - Centro de torturas mantido pelos EUA em território cubano |
Em
matéria de campo de concentração, mais uma vez, Guantánamo é exemplo perfeito, o
qual, ao contrário do que Obama-candidato prometeu, permanecerá aberto
indefinidamente, como algumas das muitas, muitíssimas prisões “secretas” da CIA
da era-Bush.
Em
todos esses casos, aconteça o que acontecer na vida social – suspensão,
dissolução, balcanização, implosão, um estado de emergência – o que acontece aos
cidadãos é que a cidadania (bios) evapora. Mas as elites governantes –
políticas, econômicas, financeiras – pouco ligam para a cidadania. Só se
interessam por consumidores passivos.
Leia mais em redecastrophoto
Nenhum comentário:
Postar um comentário