abril 29, 2013

"Pepe Escobar em: “Strip tease” pós-história" (redecastorphoto)

PICICA: "O capitalismo de cassino – também chamado neoliberalismo super turbinado – está destruindo sem piedade os últimos vestígios do estado de bem-estar e o consenso igualitarista no ocidente industrializado, com a única exceção, talvez, ímpar, da Escandinávia. Estabeleceu um consenso “Neo-Normal”, metendo-se nas vidas privadas, dominando o debate político e institucionalizando, porque-sim, a marquetização da própria vida – ato final dessa feroz exploração de recursos naturais, terra e trabalho barato, pela empresa privada."

Pepe Escobar em: “Strip tease” pós-história


26/4/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu 
You used to be so amused
At Napoleon in rags
Bob Dylan, “Like a Rolling Stone [1]

Interessante seria convocar o espírito retrô de Burt Bacharach para definir nosso futuro geopolítico e começar a cantar “What the world needs now / is love, sweet love” [O mundo agora precisa de amor, doce amor] a seguir:



Pepe Escobar
Perdoem castigar o vinil. Interrompemos o show amável-ingênuo, para trazer até vocês as últimas notícias. Vocês acabam de ser catapultados para a era no novo “herói” hobbesiano – digital e virtual, além de físico. 
O capitalismo de cassino – também chamado neoliberalismo super turbinado – está destruindo sem piedade os últimos vestígios do estado de bem-estar e o consenso igualitarista no ocidente industrializado, com a única exceção, talvez, ímpar, da Escandinávia. Estabeleceu um consenso “Neo-Normal”, metendo-se nas vidas privadas, dominando o debate político e institucionalizando, porque-sim, a marquetização da própria vida – ato final dessa feroz exploração de recursos naturais, terra e trabalho barato, pela empresa privada. 
David Harvey
Integração, socialização e multiculturalismo estão sendo corroídos por desintegração, segregação e disseminada dessocialização – consequência direta da noção, cunhada por David Harvey, da “desacumulação” (a sociedade se autodevora). 
Esse estado de coisas é o que Lieven De Cauter, flamengo, filósofo e historiador da arte, em seu livro Entropic Empire,  chama de “a fase Mad Max da globalização”. 
É mundo hobbesiano, de guerra civil global latente, guerra de todos contra todos; os que-têm econômicos contra os que-nada-têm; wahhabitas intolerantes contra xiitas “apóstatas”; os filhos do Iluminismo contra todas as modalidades de fundamentalistas; a militarização da África pelo Pentágono, contra o mercantilismo chinês. 
A balcanização e a desintegração do Iraque, detonadas pela operação “Choque e Pavor”, do Pentágono, há dez anos, foi uma espécie de prelúdio para essa Brava Nova Desordem. A visão de mundo neoconservadora, de 2001 a 2008, fez avançar o projeto, com sua ideologia de “Dar Cabo do Estado”, por toda parte; mais uma vez, o Iraque foi o melhor exemplo. Mas, da etapa de bombardear nação soberana até fazê-la reverter à Idade da Pedra, o projeto passou à engenharia de guerras civis – o que já fizeram na Líbia, e os engenheiros esperam fazer também na Síria. 
Analistas-de-poltrona influentes ou pelo menos pagos por fundações endinheiradas – quase sempre nos EUA, mas também na Europa Ocidental – que vivem a pontificar sobre “caos e anarquia”, só fazem reforçar uma profecia que se autorrealiza. Se os tais “caos e anarquia” viram-se contra eles, é porque refletem a economia libidinal predominante, da TV-reality a todas as variantes do que De Cauter descreve como “jogos psicóticos” – numa sala, num octógono, numa ilha ou, virtualmente, numa caixa digital. 
Portanto, bem-vindos à geopolítica do jovem século 21: idade de guerra ininterrupta (virtualizada ou não), aguda politização e catástrofes e mais catástrofes, às pilhas. 
Karl Marx
Depois de Hegel, Marx e aquele medíocre subalterno do Império, Fukuyama; mas também, depois de brilhantes desconstruções desconstruídas por Gianni Vattimo, Baudrillard ou Giorgio Agamben, eis o que conseguimos. 
Para Marx, o fim da história seria uma sociedade sem classes. Muito romântico. Em vez disso, na segunda metade do século 20, o capitalismo casou-se com a democracia liberal ocidental até que a morte os separe (e a morte já paira sobre a dupla). O Dragão Vermelho, o chinês, uniu-se à festança e trouxe um novo brinquedinho: o neoliberalismo de partido único. 
Um consumidor individualista – autoindulgente, passivo, facilmente controlável, afogado numa forma pervertida de democracia que favorece os apaniguados – e jogadores muito ricos; como poderia tal arranjo, algum dia, ser ideal humanista? Mesmo assim, o trabalho de Relações Públicas foi tão bem feito, que a isso já aspiram legiões de pessoas, na Ásia, África, Oriente Médio e América do Sul. Mas os Donos (geoeconômicos) do Universo querem mais, muito mais. 
Temos pois a pós-história, como última moda em matéria de reality show. E sua arma favorita é o neoliberalismo de guerra. 
Giorgio Agamben
Escolha seu lado 
Estamos já familiarizados com o paradigma de Giorgio Agamben, do estado de emergência – ou estado de exceção. O exemplo radical, até meados do século 20, foi o campo de concentração. Mas a pós-história é mais criativa. 
Temos hoje um campo de concentração só para muçulmanos – em Guantánamo. Temos um simulacro de campo de concentração – na Palestina, virtualmente murada e sob vigilância 24 horas por dia, sete dias por semana, e onde “a lei” é o que diga uma potência ocupante. E vimos já o que aconteceu – como um ensaio geral – semana passada em Boston; a eufemística “interdição” [orig. “lockdown”] de todas as ruas e vias da cidade, com suspensão da lei normal, substituída pela lei marcial: nenhuma liberdade de ir e vir; nenhuma rede de telefonia celular operante; e, se você for até o bar da esquina para comprar um refrigerante, pode ser legalmente abatido a tiros no quintal de sua casa. Toda uma grande cidade do norte industrializado dos EUA foi convertida em campo de concentração high-tech
Agamben falou do estado de exceção como um excesso, de cima para baixo, da soberania; e do estado de natureza – como em Hobbes – como uma ausência, de baixo para cima, de soberania. Depois da Guerra Global ao Terror [orig. Global War on Terror (GWOT)], a qual, diga o Pentágono o que disser, é, sim, perpétua (também chamada “A Longa Guerra”, como definida em 2002, e parte da doutrina da Dominação de Pleno Espectro [orig. Full Spectrum Dominance] do Pentágono), já se pode falar de uma fusão. 
A guerra ao terror, normalizada sedutoramente pelo governo Obama, foi e continua a ser um estado de exceção global, mesmo que as arapucas vão e venham: o Patriot Act; Ordens Executivas clandestinas; tortura – recentemente, um grupo bipartidário de investigação acusou todos os funcionários do governo George W Bush por prática do crime de tortura; entrega “extraordinária” de prisioneiros para serem torturados fora do território dos EUA, com colaboração de estados seculares então aliados do ocidente, como Líbia e Síria, para nem falar de nações da Europa Oriental e dos fantoches árabes de sempre, inclusive o Egito-de-Mubarak; e o sempre crescente aparelho de segurança nacional dos EUA. 
Guantánamo - Centro de torturas mantido pelos EUA em território cubano
Em matéria de campo de concentração, mais uma vez, Guantánamo é exemplo perfeito, o qual, ao contrário do que Obama-candidato prometeu, permanecerá aberto indefinidamente, como algumas das muitas, muitíssimas prisões “secretas” da CIA da era-Bush. 
Em todos esses casos, aconteça o que acontecer na vida social – suspensão, dissolução, balcanização, implosão, um estado de emergência – o que acontece aos cidadãos é que a cidadania (bios) evapora. Mas as elites governantes – políticas, econômicas, financeiras – pouco ligam para a cidadania. Só se interessam por consumidores passivos.

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