abril 14, 2013

"Imagina na Copa...", por Marco Aurélio Weissheimer

PICICA: "Há outras perguntas ainda que poderiam ser feitas: por que os urbanistas, arquitetos e ambientalistas da cidade, e suas respectivas preocupações, têm muito menos espaço na mídia e no debate público em geral que engenheiros e empresários do setor imobiliário? Uma olhada na relação entre os anúncios publicitários veiculados em nossos meios de comunicação e suas respectivas pautas talvez ajude a entender esse fenômeno." 

 


DEBATE ABERTO

Imagina na Copa...

As cidades que receberão jogos da Copa são vistas como grandes salões de eventos que receberão a grande feira que é o Mundial de Futebol e, principalmente, os negócios que ela pode propiciar. Nesta lógica, corte de árvores, remoção de populações para a periferia e flexibilização de legislações ambientais para viabilizar obras são procedimentos padrão.

Marco Aurélio Weissheimer

É preciso ter coragem hoje para viver em uma grande cidade. Em algumas médias também, mas vamos tomar aqui o conceito de “grande cidade” de forma abrangente para designar aglomerados urbanos que vão crescendo sem planejamento, obedecendo unicamente aos anseios do chamado mercado (que não são poucos). Segurança e mobilidade são dois dos problemas que afetam diretamente a vida de milhares/milhões de pessoas. Talvez sejam dois dos mais visíveis, mas, obviamente, não são os únicos. Há outro tipo de problema que atravessa e conversa com todos os demais e que é, equivocadamente, tomado muitas vezes de forma isolada: o ambiental. Esse problema não está associado só ao que costumeiramente se chama de poluição, em todas as suas formas, estando relacionado também aos dramas vividos na segurança, na mobilidade urbana, na saúde e na educação.

Graças a uma frase insólita do prefeito José Fortunati a respeito das árvores do Gasômetro, a população de Porto Alegre tem a oportunidade de pensar um pouco sobre a natureza da conexão entre essas diferentes ordens de problemas. O episódio já é bem conhecido. No dia 6 de fevereiro, Fortunati, ao defender o corte de árvores em uma praça situada ao lado da Usina do Gasômetro, ponto tradicional da capital gaúcha, disse: “As pessoas não utilizam estas árvores no Gasômetro”. As árvores em questão estavam sendo cortadas por conta de uma obra de ampliação de uma avenida, uma das operações que fazem parte das chamadas “obras da Copa”.

O corte promovido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente provocou um protesto quase imediato. Na tarde do próprio dia 6, algumas das árvores ainda não cortadas foram “ocupadas” por jovens que subiram em seus galhos para evitar a destruição. Conseguiram temporariamente. Diante dos protestos e da repercussão provocada pela frase de Fortunati sobre a “utilização das árvores”, a Prefeitura foi obrigada a recuar e suspender a operação. O próprio prefeito admitiu no dia seguinte que houve um “problema de comunicação”.

Os “problemas de comunicação” parecem ser uma constante quando se fala dos problemas ambientais cotidianos enfrentados pelos moradores e moradoras de uma cidade como Porto Alegre. Esses diferentes temas, na verdade, são pensados (quando o são) de uma forma totalmente fragmentada e subordinada aos interesses do mundo dos negócios, especialmente o mundo dos negócios imobiliários. A prefeitura da capital, para citar um exemplo, acena com a ideia da “compensação ambiental” no caso do Gasômetro. Em troca do corte de 40 árvores no Gasômetro, serão plantadas 798 mudas em outras áreas da cidade. Trata-se de uma prática comum entre governos que expõe a visão ambiental tacanha que, infelizmente, ainda marca a administração pública em praticamente todas as suas esferas.

A ideia de compensação ambiental é encarada como uma espécie de pena alternativa para pagar um crime cometido. O espírito (se é que pode ser assim chamado) pouco inteligente que a anima é evidente. Segundo ele, a prefeitura poderia cortar outras 40 árvores, no Parque da Redenção, por exemplo, e compensar essa medida com o plantio de 798 mudas em outros cantos da cidade. Em que sentido isso é uma “compensação ambiental”?

“Imagina na Copa…”: essa é uma expressão que já se tornou corriqueira nas cidades brasileiras que sediarão jogos e eventos da Copa do Mundo de 2014. Em geral, seu uso é associado a problemas de infraestrutura: trânsito, telefonia, hotéis, restaurantes, etc. Todos são problemas reais, é certo, mas o seu tratamento até aqui trata a cidade como se fosse exclusivamente um grande salão de eventos. Na visão logística dos empreendedores da Copa, Porto Alegre e as demais subsedes são isso: um grande salão de eventos que deve estar preparado para receber a grande feira que é o Mundial de Futebol e, principalmente, os lucros que ela pode propiciar. Nesta lógica, corte de árvores, remoção de populações pobres para a periferia e flexibilização de legislações ambientais para viabilizar obras de infraestrutura são procedimentos padrão.

Mas o “imagina na Copa…” pode ter outro emprego também. Pode ser uma oportunidade para pensar o atual estado das cidades e a qualidade de vida que oferecem para seus moradores e visitantes. Qual é a marca de Porto Alegre hoje? Qual o conceito que orienta o desenvolvimento da cidade? É a necessidade de aprontar obras para a Copa e suas exigências, como abrir avenidas, cortar árvores, instalar mais antenas de celular, mais estacionamentos? Por que razão, não aparecem, por exemplo, entre as chamadas obras da Copa, a ampliação das áreas verdes e parques esportivos da cidade, projetos de inclusão social, geração de emprego e renda para a população mais pobre?

Há outras perguntas ainda que poderiam ser feitas: por que os urbanistas, arquitetos e ambientalistas da cidade, e suas respectivas preocupações, têm muito menos espaço na mídia e no debate público em geral que engenheiros e empresários do setor imobiliário? Uma olhada na relação entre os anúncios publicitários veiculados em nossos meios de comunicação e suas respectivas pautas talvez ajude a entender esse fenômeno.

Esses temas não aparecem como “atrações” a serem oferecidas aos turistas da Copa porque, no fundo (e aparentemente na superfície também), são considerados como de menor importância. Seguindo essa lógica, considerando as urgências de uma cidade como Porto Alegre, mais avenidas e estacionamentos são mais importantes do que mais parques e áreas verdes. Afinal de contas, tomando emprestado o raciocínio do prefeito Fortunati, as pessoas estão usando muito mais as avenidas e estacionamentos do que os parques e áreas verdes da cidade. Imagina na Copa…


Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)
Fonte: Carta Maior

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