PICICA: "Fortalecer esta rede de
solidariedade e cidadania certamente seria uma das prioridades de um
governo democrático e popular. Não só por reconhecer o enorme trabalho
realizado por décadas por estas organizações mas, principalmente, para
consolidar a democracia brasileira através do fortalecimento de suas
organizações sociais de forma autônomas aos partidos e aos governos.
Infelizmente passados
dez anos dos Governos Lula e Dilma quase nada se avançou neste tema.
Pelo contrário, acuados pelo denuncismo dos meios de comunicação globais
sempre ávidos a criar CPIs contra as ongs e os movimentos sociais, o
Governo Federal vem criando mais e mais mecanismos para controlar as
organizações sociais ao invés de fortalecê-las."
Presidenta Dilma, olhai por nós: a prática de convênios e a democracia no Brasil
Recente pesquisa
denominada FASFIL (Fundações e Associações Sem Fins Lucrativos)
realizada pelo IBGE em parceria com a ABONG identificou cerca de 297 mil
organizações sociais sem fins lucrativos no Brasil. Deste total, se
somadas somente as organizações com atuação prioritária nos temas
ligados as políticas sociais como educação, saúde, assistência social,
segurança e defesa de direitos, chega-se a um universo de 131 mil
organizações ou 33% do total. O inusitado é que 72% destas organizações
em 2010 não possuíam sequer um empregado formalizado apoiando-se em
trabalho voluntário ou prestadores de serviços autônomos. Nas demais
organizações, ainda em 2010, a pesquisa identificou cerca de 2,2 milhões
de pessoas empregadas com salario médio de R$ 1.667,05 mensais por
trabalhador e com um índice de empregados de nível superior acima da
média nacional.
Esta realidade é a prova
de que as políticas sociais não são exclusividade do estado brasileiro.
E, além de ser um fato, também é lei estabelecida pela Constituição
Brasileira que define em vários de seus dispositivos a necessidade da
participação ativa da cidadania na gestão das políticas públicas. Da
mesma forma, a Constituição incentiva a livre associação dos brasileiros
e veda o controle estatal sobre este tipo de organização entendendo que
o controle público sobre o direito associativo é prejudicial a
democracia.
Estas duas realidades ao
serem praticadas por séculos em nosso país acabaram por tecer uma
complexa e enorme rede de organizações sociais voltadas para a
solidariedade e execução de políticas sociais em todas as áreas que
abarquem o desenvolvimento humano. Na maioria das vezes agindo em prol
da sua comunidade sem apoio do poder público local, estadual ou
nacional.
Fortalecer esta rede de
solidariedade e cidadania certamente seria uma das prioridades de um
governo democrático e popular. Não só por reconhecer o enorme trabalho
realizado por décadas por estas organizações mas, principalmente, para
consolidar a democracia brasileira através do fortalecimento de suas
organizações sociais de forma autônomas aos partidos e aos governos.
Infelizmente passados
dez anos dos Governos Lula e Dilma quase nada se avançou neste tema.
Pelo contrário, acuados pelo denuncismo dos meios de comunicação globais
sempre ávidos a criar CPIs contra as ongs e os movimentos sociais, o
Governo Federal vem criando mais e mais mecanismos para controlar as
organizações sociais ao invés de fortalecê-las.
A legislação atual é
inapropriada para se dizer o mínimo. Praticamente toda a aplicação legal
decorre de analogias que os gestores públicos e o próprio judiciário
fazem ao seu bel prazer. O instrumento dos convênios, por exemplo,
existe para regular a transferência voluntária de recursos de um ente
federado para outro e não do público para o particular. Desta
inadequação de instrumento jurídico é que decorre a maioria dos
problemas na execução de políticas sociais que, não raro, vão parar no
judiciário e nas páginas de jornais com a denominação de fraude ou de
corrupção.
Tentando superar esta
situação a ABONG em parceria com outras representações nacionais das OSC
provocou a Secretaria Geral da Presidência da República visando a
constituição de uma legislação própria para permitir o acesso a recursos
públicos por organizações sociais sem as amarras dos convênios. Esta
proposta foi construída e já passou pelos setores técnicos de todos os
ministérios, em especial, do Ministério de Planejamento e Orçamento,
Ministério da Saúde, Ministério da Educação e Casa Civil, estando agora
literalmente no colo da Presidenta Dilma para ser assinado e enviado ao
Congresso.
Neste PL as principais
propostas são a criação de um instrumento próprio denominado de Termo de
Cooperação Técnica, o acesso via edital público, o requisito de que os
dirigentes das organizações sejam “ficha limpa”, a autonomia na
definição e execução da política social e, finalmente, a avaliação com
base principalmente nos resultados efetivos alcançados e não na análise
burocrática sobre os meios utilizados.
É preciso se perguntar porque, após
conquistar tantos avanços no país, os Governos Lula/Dilma não
fortaleceram a sociedade civil organizada? Porque se enredam no dilema
entre apoiar ou criminalizar as organizações e movimentos sociais? É
inexplicável que líderes comprometidos com as causas populares e que,
durante seus anos de luta contra a ditadura, contaram com o apoio direto
destas organizações, hoje, vacilem em garantir a estes atores sociais o
que lhes é de direito.
Quiçá antes de findar o
ano de 2014 possamos comemorar um novo tempo neste segmento que é tão
essencial para consolidar a democracia em nosso país. Pior será lamentar
um eventual retrocesso sem ter aproveitado o tempo para consolidar
mecanismos de fortalecimento da sociedade civil organizada.
Companheira Presidenta, ainda há tempo. Olhai por nós.
Mauri Cruz é advogado
socioambiental com especialização em direitos humanos. É dirigente
nacional da ABONG – Associação Brasileira de ONGs e membro do Comitê
Local de Apoio ao FSM.
Fonte: Sul 21
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