PICICA: "O
filme de Andrea Palladino, que será lançado com a presença do diretor,
mistura documentário e ficção para contar, em 50 minutos, a história de
Stradelli, o filho da Cobra Grande, que ainda hoje, mais de cem
anos depois, continua sendo lembrado pelos xamãs do Alto Rio Negro.
Descreve como a única empresa de navegação que fazia a ligação com a
Europa, em 1923, recusa a levar o Conde leproso para a Itália, o que o
obriga a se internar no leprosário do Umirizal, onde conhece Nininha,
filha de ex-escravos. É ela que, no documentário, narra as histórias de
Stradelli que lhe ensina noções básicas de Nheengatu, a primeira língua
dos amazonenses. Para isso, o documentário se baseia nos textos dos
diários de Stradelli."
STRADELLI: AS VOZES DA FLORESTA
José Ribamar Bessa Freire
07/04/2013 - Diário do Amazonas
O
rio fala, a floresta fala e os índios falam através das fotos que o
conde italiano Ermanno Stradelli (1852-1926) fez na Amazônia, no século
XIX. Essas vozes serão ouvidas em São Paulo, a partir desta
quarta-feira, 10 de abril, quando depois da abertura da exposição
organizada pelo Instituto Italiano de Cultura no Memorial da América
Latina, estreará o filme "O filho da cobra" do cineasta italiano
Andreas Palladino, seguido de mesa-redonda com pesquisadores italianos e
brasileiros. A exposição fica no Pavilhão da Criatividade, até o dia 20
de maio e bem que merecia ser levada depois a Manaus, junto com o
filme, para ser apreciada pelos amazonenses.
Foi
justamente lá, na periferia de Manaus, que Stradelli morreu, solitário e
pobre, num casebre improvisado em leprosário. Foi enterrado no
cemitério de Paricatuba, em 24 de março de 1926. Ele nasceu rico, num
castelo na Itália, viajou para o Amazonas onde viveu mais de 43 anos.
Com recursos próprios, percorreu florestas, rios e igarapés, aprendeu a
falar o Nheengatu e se apaixonou pelas histórias que os índios contavam.
Coletou e registrou mitos. No final, contraiu lepra. Com o corpo
deformado pelas chagas, foi enxotado de hotéis, de pensões e até mesmo
de hospitais, segundo seu biógrafo, Câmara Cascudo, que destaca o legado
de imagens e narrativas registradas.
As fotos
Tive
a sorte, em 2008, de visitar o Colégio Romano onde Stradelli deu
palestras sobre o Amazonas. Guiado pelo documentarista Andrea Palladino,
naquela ocasião consultamos nos arquivos da Sociedade Geográfica
Italiana, em Roma, mais de 80 fotos das expedições do Conde pela
Amazônia entre 1887 e 1889, algumas amareladas pelo tempo, mostrando
rios, paisagens, índios, barcos, malocas, Manaus e suas ruas, avenidas,
praças, a catedral, o porto. Numa delas, com uma legenda bem humorada
feita pelo Conde - Como se acende um fósforo - aparece o botânico Barbosa Rodrigues, vestido de paletó e gravata, no meio do mato, entre os índios Waimiri.
Para
essa exposição "A Amazônia de Stradelli - rios, povos e lendas sob o
olhar de um explorador italiano" foram selecionadas 64 fotografias,
mapas e cartas originais do Conde, que viveu com os índios e registrou o
que viu. Ele entrava nas aldeias com sua farmácia portátil,
equipamentos topográficos, caixas para recolher material ornitológico e
entomológico, máquina fotográfica, microscópio e outros aparelhos que,
inicialmente, assustavam os índios. Ele, então, levava cada índio para
ver os instrumentos, tocar neles e verificar como funcionavam. Dessa
forma, o tuxaua Mandu descobriu que “a máquina fotográfica servia também para matar formigas”, quando viu os ácidos fixadores caídos em cima de um formigueiro agirem como um poderoso formicida.
- "Sou fotógrafo e minha primeira obrigação é para com o público pagante. Assim é o mundo"
- escreveu ele para a Sociedade Geográfica Italiana no dia 4 de março
de 1889, explicando que gostaria de ter escrito um relatório sobre o
Purus, mas não havia sido possível. Acrescentou: "Como, por enquanto, sou fotógrafo, ao invés de relatórios, envio-lhes fotografias" - conforme carta publicada por Teresa Isenburg, em seu livro "Naturalistas italianos no Brasil".
Mas
quem começou a se interessar pela vida do conde Stradelli foi Câmara
Cascudo, em 1930, quando viu três cadernos volumosos com milhares de
verbetes escritos à mão. Era o dicionário Nheengatu-Português,
Português-Nheengatu. Impressionado com a obra e com a vida trágica do
autor, Cascudo decidiu correr atrás de mais dados. Numa carta ao então
governador do Amazonas, Álvaro Maia, Câmara Cascudo se queixa da cortina
de silêncio e da inexistência de documentos. Sobre o seu biografado,
ele encontrou apenas dois artigos publicados, um no Diário Oficial do Amazonas, e outro em O Jornal de Manaus, além de breves notas em quatro livros.
- “Quase
nada se sabia dele. Morrera em 1926 e seu nome se diluíra na sombra,
como uma inutilidade. Raras citações. Raríssimos informadores.
Percentagem altíssima em erros, enganos, omissões” - escreve
Cascudo, que não encontrando documentos fidedignos, resolveu criá-los.
Escreveu oitenta cartas a familiares e amigos de Stradelli: professores,
jornalistas, viajantes, padres, bispos, embaixadores.
Muita
gente respondeu com depoimentos, entre os quais o padre jesuíta Alfonso
Stradelli, o caçula, que lembra as cartas mensais enviadas pelo irmão
mais velho à sua mãe, com notícias detalhadas das viagens pela Amazônia e
histórias contadas pelos índios. Embora o arquivo particular da família
não tivesse sido consultado, o material coletado permitiu traçar um
perfil do personagem. A infância de Stradelli no castelo de Borgotaro –
residência senhorial da família, os estudos na Universidade de Pisa, os
primeiros versos, o encantamento com os índios, as rotas e a cronologia
das viagens pelos rios da Amazônia – tudo isso ganha contorno mais
nítido no livro de Cascudo.
Memória do Conde
Concluída a biografia, seu autor convenceu o Governo do Estado do Amazonas a editá-la em 1936, com o sugestivo título – Em Memória de Stradelli. Esse
livro teve o cuidado de revelar como é que o Conde fazia quando queria
conhecer algum aspecto da vida da Amazônia: o trabalho de campo. Ele
mergulhava na realidade e ia ver de perto, conversar com as pessoas,
anotando e fotografando tudo.
Stradelli
intuiu que o pesquisador decidido a conhecer uma sociedade que lhe é
estranha devia partir do interior dela, impregnando-se da mentalidade de
seus integrantes e esforçando-se para pensar na língua deles. Para
entender um ritual onde rolava o caxiri, Stradelli deixou que os índios
pintassem o seu corpo e dançou convictamente com eles na maloca de
Miriti-Cachoeira, “bebendo repetidas cuias de capy entontecedor”. Aprendeu as línguas indígenas e viveu com os Tukano e Tariana, observando e registrando suas tradições. Com eles, comeu paca moqueada, beiju, quinhapira e “molhou os lábios no molho estonteante das pimentas”.
O
resultado foi a publicação de textos dispersos por jornais e revistas
especializadas da Itália e do Brasil, um poema sobre Ajuricaba, um
vocabulário em língua Tukano, o dicionário clássico de Nheengatu, mapas
geográficos do Amazonas, e versões variadas de mitos indígenas.
Stradelli revelou que Jurupari era um herói civilizador, criador dos
usos, leis e preceitos transmitidos pela tradição oral, retirando dele a
imagem do diabo criada por missionários.
O
filme de Andrea Palladino, que será lançado com a presença do diretor,
mistura documentário e ficção para contar, em 50 minutos, a história de
Stradelli, o filho da Cobra Grande, que ainda hoje, mais de cem
anos depois, continua sendo lembrado pelos xamãs do Alto Rio Negro.
Descreve como a única empresa de navegação que fazia a ligação com a
Europa, em 1923, recusa a levar o Conde leproso para a Itália, o que o
obriga a se internar no leprosário do Umirizal, onde conhece Nininha,
filha de ex-escravos. É ela que, no documentário, narra as histórias de
Stradelli que lhe ensina noções básicas de Nheengatu, a primeira língua
dos amazonenses. Para isso, o documentário se baseia nos textos dos
diários de Stradelli.
Muitas dessas questões serão discutidas nesta quinta-feira, 11 de abril, no Memorial da América Latina, em São Paulo, durante a Jornada de Estudos: Ermano Stradelli na Amazônia que acontecerá no Auditório do Anexo dos Congressistas, com a presença do Cônsul Geral da Itália, Mauro Marsili, do diretor do Istituto Italiano di Cultura Attilio De Gasperis e do presidente da Società Geografica Italiana, Franco Salvatori.
Os
organizadores convidaram especialistas de peso como Sérgio Medeiros, da
Universidade Federal de Santa Catarina, que tem várias publicações
sobre o tema e vai falar sobre "O mundo das imagens na Lenda de Jurupari
de Stradelli". Entre os pesquisadores da Itália estão Nadia Fusco,
diretora do Acervo Fotográfico da Sociedade Geográfica Italiana, Ettore
Finazzi Agró, da Universidade La Sapienza de Roma e Aniello Angelo
Avella que estarão conversando com pesquisadores do Amazonas, entre os
quais Antônio Loureiro, presidente do Instituto Geográfico Histórico do
Amazonas, Selda Vale da Costa e este locutor que vos fala.Fonte: TAQUIPRATI
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