PICICA: "Uma
bibliografia psicanalítica acerca do autismo pode ser encontrada no site www.autismos.es.
Este site, a cargo da Fundação Internacional do Campo Freudiano, foi concebido
por nossa comunidade para esclarecer e difundir, para a sociedade em geral,
questões fundamentais acerca do autismo e os fundamentos de um tratamento
clínico ampliado e orientado pela psicanálise. A Escola Brasileira de
Psicanálise publicou o livro Autismo(s) e atualidade: uma leitura lacaniana
(Belo Horizonte: Scriptum, 2012) no qual recolhe textos que tratam de nossa
orientação sobre a questão."
Contribuições da Escola Brasileira de Psicanálise ao documento do Ministério da Saude que estabelece a linha de cuidado para atenção integral às pessoas com transtorno do espectro do autismo.
Comentários sobre o documento Linha
de cuidado para a atenção integral às pessoas com transtorno do espectro do
autismo.
Nós,
da Escola Brasileira de Psicanálise do Campo Freudiano, dedicamos muito
interesse ao documento LINHA DE CUIDADO PARA A ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS
COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO E SUAS FAMÍLIAS NO SISTEMA ÚNICO DE
SAÚDE. Buscamos, em nossa leitura, apreender os pontos destacados neste
texto e pensar uma maneira de contribuir com esse trabalho. Nosso interesse se
justifica pelo grande número de membros de nossa Escola que se dedicam há
vários anos ao estudo e ao tratamento clínico de sujeitos incluídos nesse
espectro ou de seus familiares.
Consideramos
esse documento um avanço na busca da boa política de tratamento dos sujeitos
autistas, especialmente porque os autores tomam a conclusão, a partir de um
panorama histórico, de que “a noção do que é o Transtorno do Espectro do
Autismo ainda está em aberto”.
Essa
abertura, muito favorável à investigação clínica, implica também que “a ética
do campo público seja ao mesmo tempo rigorosa e flexível para dar acolhida a
diferentes concepções sobre esse quadro”. De fato, consideramos este trabalho
fundamental para que a sociedade acolha as particularidades desses sujeitos
“fora das normas” e para que eles possam se incluir dentro de uma relativa
normalidade em seu ambiente a partir da maneira particular de estar no mundo
que eles possam encontrar.
Como
princípio geral de um tratamento psicanalítico aos sujeitos autistas,
formalizado ao longo de décadas de experiência clínica por nossa comunidade
internacional de trabalho, especialmente nas instituições que a integram e que
se dedicam a este atendimento, deve-se "entender, em primeiro lugar, que o
isolamento da criança autista não é um handicap que é preciso vencer,
senão que é a própria defesa que o sujeito construiu para se proteger de um
entorno que ele percebe como ameaçador. Ele não dispõe de aparelhos simbólicos
que lhe permitam ordenar o mundo da mesma maneira que os outros, e por isso o
tratamento deve ser feito por profissionais que saibam situar-se de um modo não
ameaçador e que sejam respeitosos com os recursos que o sujeito autista dispõe.
É ele que sabe como tratar seu mal-estar, ainda que às vezes não seja
suficientemente exitoso. Por isso, é necessário que aqueles responsáveis pelo
atendimento estejam atentos ao que o sujeito constrói, ou tenta construir, para
oferecer-lhe propostas que ele possa aceitar" (conforme exposto no site www.autismos.es,
que retrata a experiência da comunidade reunida na Associação Mundial de
Psicanálise, da qual a Escola Brasileira de Psicanálise faz parte).
Há
aspectos muito importantes destacados no documento cuja orientação nos parece
bastante positiva.
1
– “Quanto mais precoce for o início de um transtorno mental, maior será o risco
de ele se estabilizar e se cronificar”.
Concordamos
em pensar que desde muito cedo esses sujeitos apresentam sua forma particular
de recusar o Outro, seja o toque, a presença, o olhar, a voz. Assim, buscar
modos de tratar essa recusa o mais cedo possível nos parece muito importante,
já que com a idade fica mais difícil romper a recusa de fazer uso da palavra e
quando mais jovem a plasticidade, inclusive neuronal, é maior. Neste sentido, a
“atenção” aos sinais e sintomas que a criança pode apresentar desde bebê
viabiliza um melhor “prognóstico”.
A
experiência de psicanalistas em troca interdisciplinar verificou que uma
intervenção sobre uma cuidadora na creche, por exemplo, permite que o balbucio
de uma pequenina menina não seja escutado através de uma “cartilha”. Este
trabalho orientado das cuidadoras pode trazer muito benefício na escuta e
acompanhamento do que se passa com essas crianças.
2
– A busca de um diagnóstico que oriente o tratamento.
“No
caso dos indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo, a ampla variação da
expressão sintomática requer a obtenção de informações que ultrapassam em muito
o diagnóstico categorial, tais como o nível de comunicação verbal e não verbal,
o grau de habilidades intelectuais, a extensão do campo de interesses, o
contexto familiar e educacional, e a capacidade para uma vida autônoma”.
“O
processo de diagnóstico é o momento inicial da construção do projeto
terapêutico singular que será alinhavado a partir das características
específicas da família e não apenas das dificuldades ou sinais psicopatológicos
da pessoa em questão. É necessário pensar em estratégias para incluir a
família, os irmãos, avós e a comunidade no projeto terapêutico”.
A
busca diagnóstica é a busca não de um índice de deficiência irremediável, ou de
algo ameaçador para o próprio sujeito. Queremos encontrar os índices de sofrimento
do sujeito e de sua tentativa constante para solucionar o que sem cessar o
ameaça e invade. Deste diagnóstico dependem as maneiras de dar chances para que
o sujeito encontre melhores soluções para se incluir no mundo. Isso é uma
aposta em que estas crianças não estão programadas para permanecerem da mesma
maneira durante toda a sua vida e de que devemos dar-lhes possibilidades de
inventarem outras soluções.
Muitas
vezes profissionais e pais têm buscado a avaliação diagnóstica para amenizar
suas angústias frente ao singular do sintoma da criança ou do adolescente.
Pareceu-nos importante cuidar para que o diagnóstico vise à orientação a ser
dada ao tratamento e que sua comunicação à família seja feita, quando
necessário, da maneira mais cuidadosa possível, já que os efeitos mortíferos
desta comunicação são frequentemente observados. Há também um importante
trabalho no sentido de acolher o sujeito e sua família nesse processo.
A
experiência de trabalho de psicanalistas em troca interdisciplinar recolheu o
testemunho de pediatras, educadores e assistentes sociais sobre como a escola
hoje busca responder à angústia dos pais fazendo ela mesma o diagnóstico,
através de testes que respondem SIM ou NÃO para a presença de sintomas e, ao
final, “contam os pontos” e classificam o sujeito. O diagnóstico que pode
orientar o trabalho com essas crianças não pode se reduzir a um sim ou não
classificatório, que certamente não ajuda a reduzir a angustia dos pais O
cuidado em orientar as escolas a tratar desta questão com toda delicadeza
necessária é fundamental. Assim, abre-se a possibilidade de um tratamento que
inclua a criança e não faça dela um elemento de um conjunto universal no qual
ela perderia toda a sua singularidade.
3
– A inclusão da família e dos diversos profissionais que se ocupam desse
sujeito
“De
fato, é preciso admitir que o enfrentamento de todos esses problemas e riscos
só poderá ser realizado de forma efetiva através de um processo contínuo de
discussão e negociação entre os diversos atores envolvidos, a saber: pessoas
com Transtorno do Espectro do Autismo, seus responsáveis e familiares,
profissionais da saúde, da educação, da assistência social e da seguridade
social, pesquisadores, planejadores e gestores”.
Não
há uma solução standardizada para o sujeito e é nessa troca ampla que o
interesse e o apoio que essas crianças necessitam poderá ser dado. O fundamental
é encontrar uma maneira de ser parceiro do trabalho que a criança faz em torno
do que a aflige e de suas dificuldades. Encontrar a maneira de ser outro para
esses sujeitos é uma tarefa difícil para os familiares e os profissionais e são
as observações e a leitura dos detalhes de cada caso que poderão nos orientar.
Na
nossa experiência, notamos que as conversações interdisciplinares para discutir
sobre os impasses na prática dos profissionais e familiares podem vir a ser uma
via de produção de um saber-fazer inédito a respeito de cada impasse,
dificuldade, podendo transmitir uma orientação, sem se transformar em um método
de trabalho rígido, um padrão, uma etiqueta.
4
– O acompanhamento das famílias, já que a lógica que orienta cada um desses sujeitos
tem uma particularidade que precisa ser constantemente repensada. O saber dos
pais e o direito ao saber fazem com que um laço de trabalho seja possível, onde
todos estão implicados e os profissionais podem acolher as soluções que já
foram encontradas e buscar outras. O objetivo, além disso, é possibilitar que
as pessoas da família possam ser parceiros dessas crianças, que muitas vezes
fazem uso do outro como um duplo para se relacionarem com o mundo. Acompanhar
essa maneira de se fazer disponível para os autistas nos parece fundamental.
“A
história de vida da família que procura ajuda com uma pessoa com Transtorno do
Espectro do Autismo, assim como as circunstâncias vividas por ela e pelos seus
familiares são fundamentais para o processo diagnóstico e para a construção do
seu projeto terapêutico singular. Esse processo precisa ser construído por uma
equipe multidisciplinar e discutido passo a passo com a família. A implicação
dos familiares durante todo processo diagnóstico e nas diversas intervenções será
fundamental para evitar minimizar o choque que acomete uma família com uma
simples comunicação do diagnóstico”.
5
– O cuidado de incluir os distintos campos de saber e práticas clínicas no
sentido de que o tratamento dos autistas concerne a todos.
Bem
extenso e detalhado, o documento não privilegia nenhuma técnica ou teoria para
tratamento do Espectro do Autismo, em consonância com o que ressaltamos: a
importância de um trabalho interdisciplinar em que cada campo contribua com seu
saber construído e se abra tanto para os outros saberes, quanto para o que de
inédito possa surgir.
“A
pluralidade de hipóteses etiológicas sem consensos conclusivos, a variedade de
formas clínicas e/ou co-morbidades que podem acometer a pessoa com Transtorno
do Espectro do Autismo, exigem o encontro de uma diversidade de disciplinas.
Sendo preciso avaliar a real necessidade de exames neurológicos, metabólicos e
genéticos que podem ou não complementar o processo diagnóstico”.
“Atos
que se apresentam muitas vezes sem lógica, de forma repetitiva, estereotipada,
podem ser formas possíveis de estabelecer contato com o outro, não devendo ser
necessariamente suprimidos”.
“Se,
como profissionais, conseguirmos acompanhar o que faz cada sujeito, (seja virar
a cabeça, tapar o ouvido, se sujar, etc), podemos nos servir desses atos como
parceiros para podermos nos aproximar desses sujeitos e mesmo estabelecer laços
com eles. Para tanto, é necessário superar o entendimento de comportamentos
apenas pelo seu valor aparente, e estar ciente que nem sempre o que se
apresenta pode ser o mais óbvio, o mais usual”.
Achamos
fundamental levar em consideração as particularidades do sujeito e não querer
educá-lo num modelo universal.
Não
partir da lógica do para todos, mas querer aprender com as soluções
particulares desses sujeitos. Como essas crianças têm que ser constantemente
estimuladas, como pensar em tratamento/educação pedagógica em tempo integral,
ou num tempo que seguramente vai ser maior do que os das escolas comuns?
É
muito importante buscar os espaços nos quais o diálogo com o autista seja
possível, pois construir a chance de um diálogo é distinto de estimulá-lo. Nós
consideramos que temos algo a dizer-lhes. Neste sentido, os trabalhos em ateliês
e oficinas têm se mostrado muito importantes nas construções que essas crianças
fazem. Oficinas que não são profissionalizantes, mas que são voltadas para um
espaço de encontro com o sujeito autista onde uma construção singular é
possível, um por um.
O sentido é que o sujeito possa encontrar uma maneira de dirigir-se ao Outro. Como ajudar a esses sujeitos, para os quais a palavra é devastadora, a encontrar um bom uso da palavra e da escuta? Como construir um laço suportável? Como cuidar para que sua forma particular de tomar os objetos permita sua inclusão na vida e uma boa relação com seu corpo próprio?
Estar
atento a estes pontos onde os sujeitos autistas encontram impasses, nos parece
essencial para a construção de um projeto de vida para esses sujeitos. Com seu
outro familiar, social e escolar.
Uma
bibliografia psicanalítica acerca do autismo pode ser encontrada no site www.autismos.es.
Este site, a cargo da Fundação Internacional do Campo Freudiano, foi concebido
por nossa comunidade para esclarecer e difundir, para a sociedade em geral,
questões fundamentais acerca do autismo e os fundamentos de um tratamento
clínico ampliado e orientado pela psicanálise. A Escola Brasileira de
Psicanálise publicou o livro Autismo(s) e atualidade: uma leitura lacaniana
(Belo Horizonte: Scriptum, 2012) no qual recolhe textos que tratam de nossa
orientação sobre a questão.
Participaram
da elaboração desse texto:
Cristina
Drummond (diretora da EBP), Marcus André Vieira (presidente da EBP), Heloísa
Prado R. da Silva Telles, Fernanda Otoni de Barros-Brisset, Paula Borsoi, Ana
Martha Maia, Angela Duarte de Carvalho, Giselle Fleury, Vanessa Carrilho dos
Anjos, Rômulo Ferreira da Silva, Tânia Abreu, Alice Monteiro, Patrick Almeida,
Luiz Mena, Luciana Castilho de Souza, Silvia Sato, Cristiana Gallo, Maria do
Rosário do Rego Barros, Fátima Sarmento, Simone Souto.
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Link de acesso ao documento "LINHA DE CUIDADO PARA A ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO E SUAS FAMÍLIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE", do Ministério da Saude:
http://200.214.130.94/consultapublica/index.php?modulo=display&sub=dsp_consulta
http://200.214.130.94/consultapublica/index.php?modulo=display&sub=dsp_consulta
Fonte: Autismo e Psicanálise
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