abril 02, 2013

"ESQUIZOPOÉTICA", por Pedro Laureano Sobrino

PICICA: "A esquizopoética é uma política dos signos. Ela ama o feio, mas não tem qualquer fetiche por ele: atingir nosso próprio ponto de subdesenvolvimento, como diria o outro (Deleuze). A esquizopoética conecta-se à política nos lugares mais insuspeitos: no ato falho de um governante (poesia das avessas), no delírio de um esquizofrênico liberto do hospício, nos dizeres pichados em muros pelas cidades. Trata-se de fabricar uma língua nova que fuja dos clichês que nos aprisionam em respostas prontas. Nossa língua não se reparte mais em uma obra, ou um autor: trata-se de dessacralizar o lugar da arte para surpreendê-la no heterogêneo. A esquizopoética existe aonde existem redes produtivas que fazem poesia a partir da Multidão (Negri e Hardt): uma épica urbana, indígena e ambiental sem autoralidade. Se Homero é o poeta anônimo do mundo mítico pré-filosófico, nós somos os poetas anônimos do mundo pós-moderno que nunca foi moderno. A esquizopoética não é um nome: podemos chamá-la de qualquer coisa. Não advogamos qualquer anarquia, apenas amamos o que não é nosso. Só me interessa o que não é meu (Oswald): roubamos, não trocamos. E as citações são como assaltantes nas estradas (Benjamim)." 
 

 

ESQUIZOPOÉTICA / Pedro Laureano Sobrino


ESQUIZOPOÉTICA – Pedro Laureano Sobrino

  A esquizopoética não tem método. Ela faz  aquilo que Deleuze pedia a respeito do procedimento da filosofia: se contenta em rosnar, coçar, convulsionar-se como um animal, e não em aprender a bem pensar. A esquizopoética rosna, convulsiona-se, grita, uiva, articula sopros e palavras conforme um estranho alfabeto em que o corpo é tatuado pelos signos. Corpo da cidade, do negro, do mulato, do analfabeto, do “Classe C”, do mauricinho, do trabalhador precário.

Mas a esquizopoética é um pouco míope a essas figuras ainda demasiadamente sociológicas; e da psicologia ela só retém o essencial: nada.  Ela não se interessa por seus sentimentos, por sua compaixão, mas se conjuga com o animal que há dentro de você, e devém animal, ela mesma, no processo. Nenhuma bestialidade, entretanto. A esquizopoética é ciência, e, como tal, precisa. Mas fractal, antes que geométrica; ambulante, antes que sedentária. A esquizopoética não tem orgulho nenhum de ser nômade: ela o é por necessidade, e conforme ao axioma da estética da Fome, de Glauber Rocha, de que tudo de bom que a humanidade (mas a esquizopoética desconhece a humanidade) foi capaz de produzir nasceu do estomago.

A esquizopoética é uma culinária política, como nos ensina um de nossos pais (o que mais amamos devorar no banquete totêmico), Oswald de Andrade. Culinária dos corpos e dos signos disjuntos, da parcialidade intensa de um corpo fabricado, artificial, queer, travesti, gigolô. Somos parciais, nunca relativos. Tatuamos nossos signos sobre os corpos urbanos, indígenas e ambientais. Então, o que é um signo, para a esquizopoética, qual a sua política dos signos?

Sabemos (quem sabemos?) que o que de interessante aconteceu em arte, no século XX, desde Baudelaire a Rimbaud, desde Francis Bacon aos surrealistas, desde o modernismo brasileiro aos pontos de cultura(!), referiu-se a elevação do signo (escritural, colorativo, linguístico, plástico, etc.) para além da representação. Se Baudelaire cantava —ainda com a má-consciência do tormento romântico, é certo— o sublime em uma puta, um mendigo, ou num menino diabolicamente travesso, Oswald cantará o Brasil menor dos mulatos, dos acrobatas do asfalto, dos Índios sem nenhuma indianidade. O selvagem assiste indiferente às líricas que tentam qualificá-lo de bom, e sereno janta Olavo Bilac em sua taba.


A esquizopoética conjuga o sublime ao grotesco, portanto, e seu signo porta a violência de um encontro, não de uma representação. De fato, perdemos qualquer capacidade de representar o que quer que seja. Nossos itinerários são ambulantes (daqueles ambulantes que atravessam a cidade e compõe sua poesia móvel) e encontramos nossas palavras nas bocas dos mendigos, dos vagabundos, mas também dos doutores, das peruas, dos políticos. Nossos signos são capazes de vestir os reis de sua nudez, e como diz um artista que já militou na esquizopoética em algum momento de sua carreira, contentamo-nos em perceber “que o rei é mais bonito nu”.


A esquizopoética é uma política dos signos. Ela ama o feio, mas não tem qualquer fetiche por ele: atingir nosso próprio ponto de subdesenvolvimento, como diria o outro (Deleuze). A esquizopoética conecta-se à política nos lugares mais insuspeitos: no ato falho de um governante (poesia das avessas), no delírio de um esquizofrênico liberto do hospício, nos dizeres pichados em muros pelas cidades. Trata-se de fabricar uma língua nova que fuja dos clichês que nos aprisionam em respostas prontas. Nossa língua não se reparte mais em uma obra, ou um autor: trata-se de dessacralizar o lugar da arte para surpreendê-la no heterogêneo.  A esquizopoética existe aonde existem redes produtivas que fazem poesia a partir da Multidão (Negri e Hardt): uma épica urbana, indígena e ambiental sem autoralidade. Se Homero é o poeta anônimo do mundo mítico pré-filosófico, nós somos os poetas anônimos do mundo pós-moderno que nunca foi moderno. A esquizopoética não é um nome: podemos chamá-la de qualquer coisa. Não advogamos qualquer anarquia, apenas amamos o que não é nosso. Só me interessa o que não é meu (Oswald): roubamos, não trocamos. E as citações são como assaltantes nas estradas (Benjamim).

Reivindicamos uma política dos signos que nasce do estômago e a ele deve retornar.

Fonte: Global Brasil Revista Nômade

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