PICICA: "A esquizopoética é uma política dos signos. Ela ama o feio, mas não tem qualquer fetiche por ele: atingir nosso próprio ponto de subdesenvolvimento, como diria o outro (Deleuze). A esquizopoética conecta-se à política nos lugares mais insuspeitos: no ato falho de um governante (poesia das avessas), no delírio de um esquizofrênico liberto do hospício, nos dizeres pichados em muros pelas cidades. Trata-se de fabricar uma língua nova que fuja dos clichês que nos aprisionam em respostas prontas. Nossa língua não se reparte mais em uma obra, ou um autor: trata-se de dessacralizar o lugar da arte para surpreendê-la no heterogêneo. A esquizopoética existe aonde existem redes produtivas que fazem poesia a partir da Multidão (Negri e Hardt): uma épica urbana, indígena e ambiental sem autoralidade. Se Homero é o poeta anônimo do mundo mítico pré-filosófico, nós somos os poetas anônimos do mundo pós-moderno que nunca foi moderno. A esquizopoética não é um nome: podemos chamá-la de qualquer coisa. Não advogamos qualquer anarquia, apenas amamos o que não é nosso. Só me interessa o que não é meu (Oswald): roubamos, não trocamos. E as citações são como assaltantes nas estradas (Benjamim)."
ESQUIZOPOÉTICA / Pedro Laureano Sobrino
ESQUIZOPOÉTICA – Pedro Laureano Sobrino
A
esquizopoética não tem método. Ela faz aquilo que Deleuze pedia a
respeito do procedimento da filosofia: se contenta em rosnar, coçar,
convulsionar-se como um animal, e não em aprender a bem pensar. A
esquizopoética rosna, convulsiona-se, grita, uiva, articula sopros e
palavras conforme um estranho alfabeto em que o corpo é tatuado pelos
signos. Corpo da cidade, do negro, do mulato, do analfabeto, do “Classe
C”, do mauricinho, do trabalhador precário.
Mas
a esquizopoética é um pouco míope a essas figuras ainda demasiadamente
sociológicas; e da psicologia ela só retém o essencial: nada. Ela não
se interessa por seus sentimentos, por sua compaixão, mas se conjuga com
o animal que há dentro de você, e devém animal, ela mesma, no processo.
Nenhuma bestialidade, entretanto. A esquizopoética é ciência, e, como
tal, precisa. Mas fractal, antes que geométrica; ambulante, antes que
sedentária. A esquizopoética não tem orgulho nenhum de ser nômade: ela o
é por necessidade, e conforme ao axioma da estética da Fome, de Glauber
Rocha, de que tudo de bom que a humanidade (mas a esquizopoética
desconhece a humanidade) foi capaz de produzir nasceu do estomago.
A
esquizopoética é uma culinária política, como nos ensina um de nossos
pais (o que mais amamos devorar no banquete totêmico), Oswald de
Andrade. Culinária dos corpos e dos signos disjuntos, da parcialidade
intensa de um corpo fabricado, artificial, queer, travesti,
gigolô. Somos parciais, nunca relativos. Tatuamos nossos signos sobre os
corpos urbanos, indígenas e ambientais. Então, o que é um signo, para a
esquizopoética, qual a sua política dos signos?
Sabemos
(quem sabemos?) que o que de interessante aconteceu em arte, no século
XX, desde Baudelaire a Rimbaud, desde Francis Bacon aos surrealistas,
desde o modernismo brasileiro aos pontos de cultura(!), referiu-se a
elevação do signo (escritural, colorativo, linguístico, plástico, etc.)
para além da representação. Se Baudelaire cantava —ainda com a
má-consciência do tormento romântico, é certo— o sublime em uma puta, um
mendigo, ou num menino diabolicamente travesso, Oswald cantará o Brasil
menor dos mulatos, dos acrobatas do asfalto, dos Índios sem nenhuma
indianidade. O selvagem assiste indiferente às líricas que tentam
qualificá-lo de bom, e sereno janta Olavo Bilac em sua taba.
A
esquizopoética conjuga o sublime ao grotesco, portanto, e seu signo
porta a violência de um encontro, não de uma representação. De fato,
perdemos qualquer capacidade de representar o que quer que seja. Nossos
itinerários são ambulantes (daqueles ambulantes que atravessam a cidade e
compõe sua poesia móvel) e encontramos nossas palavras nas bocas dos
mendigos, dos vagabundos, mas também dos doutores, das peruas, dos
políticos. Nossos signos são capazes de vestir os reis de sua nudez, e
como diz um artista que já militou na esquizopoética em algum momento de
sua carreira, contentamo-nos em perceber “que o rei é mais bonito nu”.
A
esquizopoética é uma política dos signos. Ela ama o feio, mas não tem
qualquer fetiche por ele: atingir nosso próprio ponto de
subdesenvolvimento, como diria o outro (Deleuze). A esquizopoética
conecta-se à política nos lugares mais insuspeitos: no ato falho de um
governante (poesia das avessas), no delírio de um esquizofrênico liberto
do hospício, nos dizeres pichados em muros pelas cidades. Trata-se de
fabricar uma língua nova que fuja dos clichês que nos aprisionam em
respostas prontas. Nossa língua não se reparte mais em uma obra, ou um
autor: trata-se de dessacralizar o lugar da arte para surpreendê-la no
heterogêneo. A esquizopoética existe aonde existem redes produtivas que
fazem poesia a partir da Multidão (Negri e Hardt): uma épica urbana,
indígena e ambiental sem autoralidade. Se Homero é o poeta anônimo do
mundo mítico pré-filosófico, nós somos os poetas anônimos do mundo
pós-moderno que nunca foi moderno. A esquizopoética não é um nome:
podemos chamá-la de qualquer coisa. Não advogamos qualquer anarquia,
apenas amamos o que não é nosso. Só me interessa o que não é meu
(Oswald): roubamos, não trocamos. E as citações são como assaltantes nas
estradas (Benjamim).
Reivindicamos uma política dos signos que nasce do estômago e a ele deve retornar.
Fonte: Global Brasil Revista Nômade
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