Por uma Política Cidadã sobre Drogas |
A
Frente Mineira sobre Drogas e Direitos Humanos (FMDDH) e a Rede
Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA) divulgam a Carta
produzida durante o seminário “Drogas e cidades: pensamentos para uma
prática cidadã”, que aconteceu entre os dias 14 a 16 de março, no Centro
Universitário Newton Paiva, em Belo Horizonte.
CARTA DE BELO HORIZONTE
POR UMA POLÍTICA CIDADÃ SOBRE DROGAS
Os participantes do SEMINÁRIO DROGAS E CIDADES: PENSAMENTOS PARA UMA PRÁTICA CIDADÔ, realizado em Belo Horizonte, nos dias 14 a 16 de março de 2013 declaram: - como cidadãos, responsáveis e atuantes nas políticas públicas sobre drogas, repudiamos as ações higienistas, violentas e repressivas de tratamento aos usuários de drogas, em especial de crack, levadas a cabo e divulgadas como solução do problema nas grandes cidades, destacadamente no Rio de Janeiro e São Paulo;
-
que as chamadas cracolândias antes de serem a “pátria dos craqueiros” é
um território de esquecidos e abandonados pela cidade e poder público,
devendo as intervenções públicas fortalecerem os direitos de cidadania
dos moradores destes territórios e dos usuários que ali se concentram
para fazer uso de drogas, e não recolhê-los indiscriminadamente. Ao
contrário, deve-se investir no laço e vínculo com os mesmos, trazendo-os
para a rede de tratamento e assistência;
-
não aceitamos nem tampouco defendemos a realização das chamadas
internações compulsórias e involuntárias como recurso primeiro e em
massa dos usuários. Tais ações não cuidam, apontam o fracasso clínico e
social de busca do consentimento ao cuidado e são, na prática, um ato de
seqüestro de direitos;
- na
mesma medida repudiamos a implantação das propostas políticas do
Governo do Estado de Minas Gerais, em particular, o Cartão Aliança pela
Vida e o Território Aliança. Todas são estratégias centradas na lógica
da exclusão e da segregação e favorecem e defendem os interesses
privados em detrimento do bem público. Uma relação histórica,
questionável por parte do Governo do Estado que reduz a saúde a um bem
de mercado e não de cidadania, e o cuidado a um ato de vigilância,
controle e repressão;
-
repudiamos aquelas comunidades terapêuticas que violam os direitos
humanos e propomos que a possível inserção desse setor na rede poderá
ser feita como serviço de atenção em regime residencial ou projetos de
inclusão produtiva, respeitando as exigências da Portaria Ministerial nº
131, de 26 de janeiro de 2012;
-
repudiamos as intervenções do Judiciário, Ministério e Defensorias
Públicos que, ao contrário, da proteção aos direitos do cidadão, tem
repercutido o alarme e desencadeado ações que fragilizam os usuários, os
inscrevem como classe perigosa e perpetuam o preconceito e o estigma em
relação aos mesmos;
-
repudiamos a opção por um modelo de saúde privatizado, com
transferência de responsabilidade estatal na gestão dos serviços, que
além de não permitir a estruturação de uma política da estado sobre
drogas, também precariza as relações de trabalho, impondo a redução de
direitos a usuários e trabalhadores;
- lamentamos
a opção e posição do governo federal em acolher e dialogar apenas com
representantes do discurso repressivo e moral, ignorando as posições e
propostas dos movimentos sociais comprometidos com a construção de
políticas públicas e com a defesa dos direitos sociais e humanos e da IV
Conferência Nacional de Saúde Mental e XIV Conferência Nacional de
Saúde. Tal escolha conduziu à formatação de uma política que incluiu no
SUS espaços de reclusão além de estimular a privatização da assistência
em saúde;
-
que a chamada “guerra às drogas” além de ineficaz é danosa, produz mais
mortes do que o seu uso, intensifica a violência e desperdiça recursos
públicos, além de sustentar a ilusória crença na possibilidade de um
mundo sem drogas;
-
defendemos para Belo Horizonte, em razão e coerência com a história da
Luta Antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica aqui implantada, assim
como para todo município brasileiro, uma política de atenção aos
usuários de álcool e outras drogas ousada, corajosa e inovadora e não a
repetição de velhas fórmulas e respostas apressadas, mágicas, a uma
questão tão delicada e complexa e intrinsecamente associada aos valores
contemporâneos, cujas marcas podemos ler nos novos modos de relação dos
sujeitos com as drogas;
-
defendemos, no caso específico para esta cidade, a criação de mais
CERSAM-ad III conforme decisão da III Conferência Municipal de Saúde
Mental e afirmamos ser inaceitável a existência de apenas uma unidade
deste tipo. Não há como fazer frente ao alarme e busca de soluções
mágicas, sem apresentar respostas públicas de qualidade e potentes;
-
defendemos, para as crianças e adolescentes, em especial as que se
encontram em situação de rua, a implantação de políticas que as conduzam
e insiram na cidadania e rompam com a exclusão e o encarceramento
precoce a que têm sido submetidas;
-
defendemos a implantação de leitos em hospital geral para cuidado às
urgências e necessidades clínicas dos usuários, superando a resposta
inadequada dada pelos hospitais psiquiátricos e comunidades
terapêuticas, ambos, destituídos de condições e estrutura para
realização deste cuidado;
-
defendemos Consultórios de Rua públicos, invenção recente, audaciosa e
criativa, que levou a saúde mental ao encontro de uma realidade até
então desconhecida pelas políticas públicas, fazendo chegar às redes
histórias de vida nas quais a droga é um dos elementos, e o elemento, da
desfiliação e fragilidade, cuja implantação exigiu coragem e decisão de
fazê-lo e orientou-se pelos pressupostos da redução de danos e da
reforma psiquiátrica para desvelar aquilo que a exclusão encobria: a
vida presente nas cenas de uso. Por isto, repudiamos, mais uma vez, o
arremedo de consultório proposto pelo Governo de Minas Gerais, através
do Território Aliança, cuja capacidade de atuar em coerência com tais
princípios está comprometida de saída, na medida em que serão executados
por instituições que operam com a estratégia da abstinência, de
captação de usuários para seu serviço e a lógica do lucro;
-
defendemos que as políticas públicas, de forma ampla, e os serviços de
saúde mental e seus trabalhadores, em particular, adotem e operem com os
pressupostos da redução de danos, fomentando a construção de outra
cultura clínica, mas, sobretudo, cuidando solidariamente dos usuários;
-
defendemos ainda, que a resposta urgente e necessária do poder público
não se restrinja à saúde, mas incorpore todas as áreas públicas:
trabalho, habitação, educação, cultura, arte, esporte, justiça,
segurança pública e assistência social, sendo, portanto e efetivamente,
intersetorial para dar acesso à cidadania e fazer valer o direito à
vida;
-
defendemos a criação de espaços de interlocução entre a saúde e o
judiciário, favorecendo, além da aproximação entre as instituições, a
defesa e o fortalecimento dos direitos de cidadania dos que usam e
abusam de drogas;
-
repudiamos o PL 7663/2010 e seu substitutivo em função do retrocesso a
que os mesmos podem conduzir a política de drogas e das ameaças aos
direitos sociais que tais propostas podem acarretar;
-
repudiamos a escolha e a permanência do deputado federal Marcos
Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da
Câmara e, assim como os milhares de manifestações, afirmamos que o mesmo
não nos representa;
-
denunciamos e repudiamos as ofensas e acusações feitas pelo deputado
federal Givaldo Carimbão (PSB/AL) ao Conselho Federal de Psicologia e,
como cidadãos, exigimos que o parlamentar seja responsabilizado por tais
atos.
Uma
cidade somente será o oposto do deserto que a limita, quando criar em
si, em seu solo as condições para incluir a todos, para fazer valer a
vida e não o lucro ou o capital, o homem e seus sonhos e capacidades,
tristezas e realizações, tecendo, dia a dia, ponto a ponto, os
invisíveis fios que unem uns aos outros na construção da história.
Desejamos a Belo Horizonte a possibilidade de cumprir seu desígnio: ser
um horizonte aberto, convidativo para todos e em especial para seus
cidadãos. Uma referência no atlas ancorado no respeito à dignidade
humana.
Belo Horizonte, 16 de Março de 2013
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PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
abril 09, 2013
CARTA DE BELO HORIZONTE: POR UMA POLÍTICA CIDADÃ SOBRE DROGAS
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