abril 04, 2013

"Dois filmes brasileiros entre o excesso e o vazio", por José Geraldo Couto

PICICA: "Dois filmes brasileiros em cartaz são dignos de nota por motivos bem diferentes: Vai que dá certo, de Mauricio Farias, e Super Nada, de Rossana Foglia e Rubens Rewald (não confundir com o crítico Rubens Ewald Filho)."



Dois filmes brasileiros entre o excesso e o vazio

Marat
“Vai que dá certo” é pobre, mas supera globochanchadas imbecis. “Super Nada”, entranhado em S.Paulo, foca incertezas da arte anônima

Por José Gerado Couto*, do blog IMS

Dois filmes brasileiros em cartaz são dignos de nota por motivos bem diferentes: Vai que dá certo, de Mauricio Farias, e Super Nada, de Rossana Foglia e Rubens Rewald (não confundir com o crítico Rubens Ewald Filho). Comecemos pelo primeiro.

Boa parte da crítica se apressou em lançar sumariamente Vai que dá certo à vala comum das comédias imbecilizantes da Globo Filmes. O sucesso de bilheteria, bem como as gargalhadas no cinema, seriam mero fruto da infantilização do público.



Ouso discordar. Não que seja um grande filme. Com seu acúmulo de clichês, sua direção vacilante e suas piadas óbvias, talvez não seja sequer um bom filme. Mas é digna de interesse sua tentativa de infundir algum sangue novo nas chamadas “globochanchadas” ao buscar o influxo do humor rápido e mordaz surgido nos últimos tempos na internet, em especial o do grupo Porta dos Fundos, de que fazem parte Fábio Porchat e Gregório Duvivier, presentes no elenco. Mais que isso: Porchat é co-roteirista de Vai que dá certo.

O que há de pior são os primeiros quinze ou vinte minutos, em que o diretor parece indeciso entre apresentar os personagens ou massacrar o espectador com um acúmulo de piadinhas verbais. Aqui a passagem da linguagem instantânea da internet para o cinema parece não ter sido bem operada: a ambientação (uma quadra de futebol society e o bar anexo) é frouxa, a câmera parece posicionada sem critério, os atores se limitam a disparar uma sucessão frenética de piadas que acabam por se anular umas às outras. Aquilo que é essencial para o humor cinematográfico – o ritmo preciso das falas, dos silêncios, dos gestos e olhares – está ausente por completo. E tome, em vez disso, o humor fácil de bêbados e de peidos.

Os cinco loucos

As coisas melhoram sensivelmente quando entramos na trama propriamente dita: quebrados e sem perspectivas, os cinco amigos planejam um assalto a um carro-forte. Como são ineptos, a um passo da debilidade mental, tudo dá errado, claro.

O esquema de um bando de desgraçados que, movidos pelo desespero, planejam um grande golpe configura quase um gênero à parte, e rendeu obras memoráveis como o romance Os sete loucos, do argentino Roberto Arlt, e a comédia Os eternos desconhecidos, de Mario Monicelli. No próprio cinema brasileiro recente, há o caso do notável Se nada mais der certo, de José Eduardo Belmonte, cujo título curiosamente ecoa no do filme de Mauricio Farias.

Se houvesse em Vai que dá certo um roteiro mais elaborado e uma direção mais criativa, estaríamos no terreno de filmes dos irmãos Coen como FargoE aí meu irmão, cadê você? Queime depois de ler. A diferença, além do desnível de qualidade, é que os Coen satirizam de modo impiedoso a obtusidade de seus personagens, vistos como encarnações da idiotia da América profunda, e o filme brasileiro hesita entre a crítica e adesão a suas atrapalhadas criaturas. No final à brasileira, prevalece o jeitinho conciliatório e tudo acaba bem. Tenho dúvidas se isso, comparativamente, é um defeito ou uma virtude.

Luzes (apagadas) da ribalta

Em comum com Vai que dá certoSuper Nada só tem a cidade em que foi filmado (São Paulo) e o fato de lidar com personagens de classe média sem dinheiro e sem perspectivas. À estética da saturação do primeiro se contrapõe uma certa poética da rarefação do segundo. O excesso e o vazio.

Com o foco centrado num mímico e ator de teatro quase anônimo, Guto (o excelente Marat Descartes), que vive entre pequenos espetáculos alternativos, shows em semáforos, testes para comerciais e a esperança de um lugar ao sol (leia-se na TV), o filme de Rossana e Rewald aborda o ofício do ator num mundo hostil à fantasia e à arte.



Se em Vai que dá certo a ambientação em São Paulo soa gratuita e artificial, com os atores cariocas forjando um suposto sotaque paulistano, em Super Nada os personagens estão organicamente entranhados na cidade, em suas ruas duras, seus becos sujos, seus subsolos onde florescem inesperadas manifestações poéticas e afetivas.

O grande achado dramático do filme, como muito já se disse, foi a escalação do cantor Jair Rodrigues como um veterano cômico de TV, fazendo o contraponto com o protagonista Guto. Um, iniciante, almeja o sucesso que o outro, decadente, hoje só vê pelo retrovisor.

O que o filme tem de melhor, a meu ver, é a exposição dos atores, em especial do protagonista, como corpos ora em conflito, ora em harmonia com o ambiente à sua volta. A continuidade entre os vários cenários (teatro, bar, estúdio de televisão, festa, rua) e as várias situações (espetáculo, ensaio, relação pai/filha, namoro) se dá, no mais das vezes, pelos movimentos repetidos ou análogos do ator Marat Descartes. É ele que leva o drama consigo, inserido em sua anatomia.

O que me decepcionou um pouco, talvez por conta da expectativa criada pelos primeiros comentários de quem viu o filme, foi justamente a atuação de Jair Rodrigues, ou talvez o modo como ela foi explorada em cena. As sequências de ensaio e gravação de seu esquete televisivo me pareceram pouco trabalhadas nos diálogos e na mise-en-scène. São, quem sabe deliberadamente, momentos sem graça – tanto no sentido da falta de humor como de poesia.

Super Nada dialoga com pelo menos dois outros filmes recentes de jovens realizadores brasileiros: Riscado (2010), de Gustavo Pizzi, que retrata a realidade tragicômica de uma atriz iniciante, e O Palhaço (2011), de Selton Mello, que também reabilita um veterano ator/cantor que andava esquecido (Moacir Franco), além de outras velhas figuras da televisão (Jorge Loredo, Ferrugem etc.). Todos os três são belas declarações de amor ao duro ofício de fazer do corpo e da voz um instrumento para divertir o público.

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*José Gerado Couto é crítico de cinema e tradutor. Publica suas criticas no blog do IMS.

Fonte: OUTRAS PALAVRAS

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