abril 15, 2013

"Verdes versus gentes: entenda o conflito da comunidade do Horto, no Jardim Botânico do RJ", por Raquel Rolnik

PICICA: "Este caso é emblemático de um embate cada vez mais frequente entre a proteção do direito ambiental e do direito à moradia. A verdade é que esta contraposição é falsa. Muitas situações de conflito entre usos da terra podem e devem ser resolvidas com projetos urbanísticos e arquitetônicos que equacionem a plena realização destes direitos, com um olhar específico para cada caso. Entretanto, o que temos observado é uma enorme diferença de tratamento dos conflitos envolvendo o tema da preservação ambiental quando se trata de instituições, empresas ou moradias de alta renda e os moradores mais pobres. Enquanto para os primeiros vale a vista grossa – ou, no limite, as multas e compensações ambientais – os moradores pobres são sistematicamente removidos. Com pouco poder de disputa na esfera política, estas comunidades são definidas como “invasores” e, assim, constrói-se na opinião pública a justificativa para sua eliminação daquele lugar."
 
 

Verdes versus gentes: entenda o conflito da comunidade do Horto, no Jardim Botânico do RJ

O Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, além de bairro chique e sede da Globo, é também palco de um dos conflitos que opõe hoje – indevidamente! – o direito à moradia e a preservação ambiental. No caso, trata-se do conflito entre o direito dos moradores da comunidade do Horto, que vivem ali há décadas, e a necessidade de o Jardim expandir e melhorar suas condições de pesquisa botânica e funcionamento. O núcleo de moradores teve origem na vila que abrigava funcionários de uma fábrica instalada no local no começo do século 19, e posteriormente, de trabalhadores do próprio Jardim Botânico, que foram autorizados pelo parque para residir na área, que é de propriedade da União.

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Este caso é emblemático de um embate cada vez mais frequente entre a proteção do direito ambiental e do direito à moradia. A verdade é que esta contraposição é falsa. Muitas situações de conflito entre usos da terra podem e devem ser resolvidas com projetos urbanísticos e arquitetônicos que equacionem a plena realização destes direitos, com um olhar específico para cada caso. Entretanto, o que temos observado é uma enorme diferença de tratamento dos conflitos envolvendo o tema da preservação ambiental quando se trata de instituições, empresas ou moradias de alta renda e os moradores mais pobres. Enquanto para os primeiros vale a vista grossa – ou, no limite, as multas e compensações ambientais – os moradores pobres são sistematicamente removidos. Com pouco poder de disputa na esfera política, estas comunidades são definidas como “invasores” e, assim, constrói-se na opinião pública a justificativa para sua eliminação daquele lugar.

Neste caso do Jardim Botânico, um projeto desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em conjunto com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) busca superar conflitos entre essas esferas e compatibilizá-las, priorizando a manutenção das famílias no local. Este projeto procura regularizar o território, assegurando a preservação ambiental e, ao mesmo tempo, garantir o direito à moradia das famílias, realocando, na mesma região, as que estão em situação de risco ou cuja permanência de fato impacta nas condições de funcionamento do Jardim.

Considerando que essa é uma das áreas mais valorizadas do Rio de Janeiro, sei que os interesses em jogo são muitos e são poderosos. Mas espera-se que o interesse público prevaleça, reconhecendo suas múltiplas dimensões.

Texto originalmente publicado no Yahoo!Blogs.

4 Respostas

 
Raquel, as terras do Horto e do Jardim Botânico não é de ninguém. É conversa mole pra boi dormir.
As terras do Horto Florestal e do Jardim Botânico, assim, como toda a área que engloba vários bairros como Gávea, Humaitá, Botafogo, Leblon, Ipanema e Copacabana eram um só território habitadas pelos tupinambás. Desde 1565, na época da colonização, os bairros acima citados pertenciam a três engenhos de cana de açúcar. Essas áreas em questão foram concedidas as sesmarias aos primeiros colonizadores portugueses que lutaram contra os franceses na Baía da Guanabara e de Cabo Frio, ou então, em regime de arrendamento enfitêutico para a construção de chácaras e fazendas de onde se plantavam gêneros alimentícios que abasteciam toda a região e pasto de gado. E assim, ficou até a chegada de D. João VI que expropriou toda a área do Horto e do Jardim Botânico, para a construção do Real Horto Botânico, fábrica de pólvora e armamento e de vários outros empreendimentos, mas os quilombos ficaram.
Com a chegada da República, houve uma nova ordem urbana que acontece ainda hoje, o “apartheid social”, isto é, a retirada dos ex-escravos e fechamento de dois quilombos. E a expulsão dos descendentes, isto é, dos herdeiros, dos primeiros portugueses que aqui vieram morar. O Horto e o Jardim Botânico não tiveram as suas linhas de bonde para não haver o chamamento de suburbanos ou de gente sem “pedigree”. Só a elite podia morar no Horto e no Jardim Botânico. Ainda, naquelas lados, existem várias ruínas do século XVI e o resquício da construção de senzalas e das Casas-Grandes e sítios arqueológicos com desenhos rupestres e artefatos dos índios e dos ex-escravos fugitivos, e que nunca o IPHAN, se preocupou de salvaguardar a memória do passado, a memória social, histórico e cultural que é a nossa história. O que mais me revolta, é que a União se dizendo contra a retirada dos remanescentes dos ex-escravos, netos e bisnetos, fecha os olhos para as suas próprias empresas públicas (SERPRO), as mansões e empresas privadas, como é o caso da Globo que entraram na área que se diz preservada ambientalmente, e de que hoje pedem a reintegração de posse da área. Agora, te pergunto, a quem? Quem será beneficiado? As construções civis? A Globo ou a rede de hotelaria. Quem? A quem realmente, pertence essas terras? Cadê o mais avançado Estatuto das Cidades que fala sobre o usucapião e o direito a moradia? Conheço a Maria Emília, presidente da AMAHOR, o quanto sei da sua combatividade e preocupação com a permanência de estranhos, e o seu medo, de que todos podiam ser considerados invasores, pois haviam moradores alojados ma área há mais de 100 anos.. Infelizmente, a constatação visível é de que, nenhum ente governamental preservou os monumentos antigos e o sítio arqueológico que estão abandonados na eminência de desparecer.. Começo a questionar, o governo da Presidente Dilma, e o seu Partido, que se dizia, popular, que sempre levantava a bandeira da igualdade e da justiça social. Desculpe o meu desabafo, mas quem está do outro lado, sabe, o quanto existe a desigualdade social nesse País. E parece que a permanência deste Status Quo, não vai mudar nunca. Ser pobre nesse País é um estigma.

Daruiz Castellani
Impressionante…a recorrente “incapacidade”, contemporânea, dos poderes públicos, brasileiros, em todos os níveis de governo, de encontrarem “soluções técnicas”, possíveis, republicana, democrática e transparentemente – civilizadamente ?..- “negociadas entre partes” nas cada vez mais recorrentes “disputas” sociais…Acerca de – quaisquer – assuntos públicos. Inclusive este. Quase “nunca” se procura, bem mais inteligentemente, o efetivo estabelecimento de – recíprocamente – bem mais necessários e respeitosos “canais de permanente diálogo”, de expressão e legítima representação dos mais diversos sujeitos, interesses (e problemas). Tanto sociais como ambientais. Quase que, inexoravelmente, continuando, tais “problemas”, sendo como que sempre (mal) tratados em quaisquer “legítimos conflitos de interesses”. Que passam á ser, como que, “automaticamente”, o mais assodadamente, simplesmente, “judicializados” (para também, via de regra, “virar caso de polícia”)…Tratados, quase como que somente, “á base” de advogados e por juízes (“genéricos ?”) do Direito em geral (os quais, também, nem sempre são, o mais objetivamente, “especializados” em Direito Urbano e/ou Ambiental). Em geral, também igualmente “pressionados” pelos mais urgentes “pedidos de liminares”….Ostensivamente “acompanhadas” de oficiais de justiça e policiais militares (fortemente armados)…, “Spray’s” de pimenta e/ou, “tratores e/ou caveirões”…Num reincidente “filme de terror”…Talvez, quem sabe, face a mais completa “desestruração” e/ou mesmo temporal “desmobilização” daquelas mais “antigas” (e experientes) “equipes técnico-profissionais”, específicas, multidisciplinares, igualmente compostas por profissionais aquitetos e urbanistas, “servidores públicos de carreira”, bem mais, especializados, em tais “temas”, tais – crescentes – “problemas e/ou conflitos sociais e ambientais”, atuais, rapidamente, “involuem”…Se tornando verdadeiras “batalhas campais” …Profundamente injustas, moralmente condenáveis e socialmente desiguais. Tudo isso, infelizmente, crescentemente acontecendo, mais simplesmente, porque “quase nenhum gestor público atual”, autoridade governamental, formalmente constituida para, ao menos em tese, ser “bem mais” responsável, competente e/ou consequente, “se lembrar”, de que, “bem antes” do poder judiciário (e da truculenta polícia militar estatal) deveria haver, “muito mais” diálogo, política pública e efetivo “respeito”, social e ambiental, para com a melhor elaboração técnica dos tantos “projetos e obras”. Para que, somente após, tais “cuidados preliminares”, tais inciativas governamentais, pudessem “vir á ser”, efetivamente, “implementadas”. Portanto, necessariamente, propostas segundo critérios e/ou valores sociais e ambientais, também, reciprocamente “aceitáveis” pelas mais diversas “partes” (diretamente afetadas) em potencial conflito. Em não havendo, tais tão fundamentais “preocupações” governamentais, tanto políticas quanto técnicas, verdadeiramente, “cidadãs”. só mesmo “lhes resta” o único (péssimo) recurso do mais “estúpido abuso” da “força bruta”…Até quando ?…- MUDA BRASIL ! Que tal vir-mos á ser, algum dia, quem sabe, uma República Democrática “de verdade” ?…

  valeria de melo nunes lopes
 
Esta disputa acontece em todo o território nacional, como já bem dito, por incompetência dos poderes públicos (executivo, legislativo e judiciário), onde o poder político das elites continua a ditar as regras para a coletividade.
Enquanto formos regidos por este capitalismo selvagem e consumista e as campanhas políticas bancadas por recursos privados, o jogo continuará muito injusto.

Fonte: Blog da Raquel Rolnik

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