abril 15, 2013

"Uma resposta compulsória ao (des)cuidado: uma crítica às Internações Compulsórias para o tratamento de dependentes químicos em Campinas.", por Fabrício Donizete da Costa

PICICA: "Para não dizer que meu texto é um grande não, finalizo pontuando o que vejo ser uma postura pública do sistema único de saúde para com os dependentes químicos: a possibilidade de se construir serviços de escuta, acolhimento e de seguimento continuados, com a oferta de períodos breves de internação em hospitais gerais como uma das etapas negociáveis do tratamento, para os casos mais graves e refratários às abordagens ambulatoriais já desenvolvidas. Ou seja, nesta aposta pelo cuidado e pela vida dos outros, não consigo apostar mais nos procedimentos do que nos sujeitos. Cabe à sociedade compreender que a dependência química é um problema complexo, uma doença crônica, em que a internação é só mais uma ferramenta, não a pedra-angular do tratamento.
Ou então, sejamos francos e passemos a acreditar mais uma vez na força das correntes, agora, não mais apenas enferrujadas, frias e metálicas, capazes de sufocar os punhos, mas bem leves, neuroquímicas, a entorpecer nossa visão do cuidado de si e dos outros." 

Uma resposta compulsória ao (des)cuidado: uma crítica às Internações Compulsórias para o tratamento de dependentes químicos em Campinas.

abril 10, 2013 em Destaques por Violeta Campolina
Fabrício Donizete da Costa – Médico-residente em psiquiatria do Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-FCM-UNICMAP)

É com uma sensação de desnorteio que me esforço para expressar de forma organizada e indignada minha resposta frente a notícia veiculada pelo portal G1 na manhã desta terça-feira, dia 9 de abril, intitulada “Combate ao crack em Campinas terá internação compulsória para viciados”.

Não me traz espanto defrontar-me com a tonalidade fúnebre e pandêmica, corriqueira nos meios jornalísticos, quando se trata da abordagem da temática das drogas, sobretudo da dependência química.

Não me espanta também a facilidade das conclusões concretas e fatídicas veiculadas pela notícia, que partem do princípio de que nada se tem feito com relação a esta demanda em saúde da população de Campinas.

Não me assusta também a inexistência de contraposições a esta postura ética e política, reforçadora da visão belicista de combate às drogas, como se a própria fosse consensual aos profissionais da área e mesmo que os referenciais da “redução de danos” não passassem de “letra morta”.

Não me arrebata o habitual ver em letras garrafais uma postura que francamente age de forma limitada perante a capacidade de se pensar a complexa rede de determinantes que levam um ser vivo a utilizar-se de substâncias psicoativas.

Tudo isto já é construído e tende a povoar o discurso do “mal-estar” vigente em nosso país que agora assola a saúde pública na busca das soluções milagrosas, que apelido carinhosamente de soluções-tampão que já lança seus braços à atenção primária e agora devora a saúde mental.

Contudo, o que me encabula, que faz minhas mãos tremerem durante a seleção de palavras para redigir estas críticas, é o fato de se tomar o Programa Estadual de Enfrentamento ao Crack como a principal política voltada para o cuidado dos dependentes químicos já criada na face iluminada dos planetas desta galáxia.

Tal reforço solapa anos de resistências neste campo do cuidado que nunca fora priorizado de forma organizada, haja vista a desproporcional disposição dos CAPSad (Centros de Atendimento Psicossocial – Álcool e outras drogas) no montante dos CAPS instalados. Fica a impressão de que, antes desta política do governo em atuação, os CAPSad não passavam de meros enfeites na Rede municipal de saúde em vigência. Tal fato deixa-nos cegos e esconde as já latentes dificuldades deste serviço, que tradicionalmente tem se digladiado há tempos com as sutilezas do cuidado de dependentes químicos numa perspectiva de políticas de saúde subfinanciadas.

É abominável ver um apostador público jogar todas as suas fichas nas internações. Dirão que sou alarmista, que ignorei, seletivamente, a parte das ditas iniciativas voltadas à geração de renda, reinserção social e trabalhista explicitadas com grande riqueza de detalhes e apontamentos claros de seus desdobramentos na notícia com a qual dialogo, sobretudo no título da reportagem, já que este é o PRINCIPAL OBJETIVO! Compreendo e vejo o quão bem-sucedidas foram tais descrições! Só não posso deixar de realçar diversas anomalias contidas nestas informações.

Se o interesse fosse realmente o cuidado dos dependentes químicos em situação de rua, não seria importante reforçar as iniciativas já vigentes nos diversos CAPSad operantes? Além disso, não seria salutar dar mais impulso às atividades do Consultório na Rua, que se enquadra como uma nova via de acessibilidade a esta população historicamente alijada do acesso à saúde? O que já foi tentado, como estratégia de saúde, aos dependentes químicos e, mais especificamente, aos dependentes químicos em situação de rua? É sabida, além da quantidade destes indivíduos, as rotas que desembocaram na vala comum do uso de substâncias psicoativas? Afinal, conclui-se: muitas perguntas e uma resposta surda: internação “pois não tem mais jeito”.

Se o cuidado fosse o mote destes versos entoados pelos governistas, não se criaria apenas “um cartão recomeço”. Agiria-se do começo, não invertendo-se os níveis de atenção para o atendimento dos dependentes químicos da esfera ambulatorial para a hospitalocêntrica. Não se pensaria em comunidades terapêuticas, notadamente desligadas dos serviços públicos que passarão a receber orçamento público. Desistiria-se dos remendos para dar vida a novas formas de tecer e construir redes a estes usuários. Se a proposta mais clara desta oferta consiste num reforço incondicional ao cuidado, não se saltaria à conclusões tão causativas com os dados que levam a crer que quase 2 de cada 3 moradores de rua teriam problemas com drogas.

Só concordo com uma coisa (só uma) nesta abominável notícia: o cuidado de um dependente químico não se parece em nada com uma retirada cirúrgica de um apêndice sob processo inflamatório.

Mas esta concordância me faz enxergar que embora a dependência química não seja um problema cirúrgico, extirpável com margens livres e de forma asséptica, é esta imagem que vislumbro quando se calçam luvas e se extirpam cidadãos já fragilizados e carentes de todos os serviços públicos (saúde, segurança, educação, emprego, segurança alimentar…) como se estivessem nas ruas a drenar o pus cotidiano do descaso histórico de nossos governantes e de nossa desigualdade social.

Para não dizer que meu texto é um grande não, finalizo pontuando o que vejo ser uma postura pública do sistema único de saúde para com os dependentes químicos: a possibilidade de se construir serviços de escuta, acolhimento e de seguimento continuados, com a oferta de períodos breves de internação em hospitais gerais como uma das etapas negociáveis do tratamento, para os casos mais graves e refratários às abordagens ambulatoriais já desenvolvidas. Ou seja, nesta aposta pelo cuidado e pela vida dos outros, não consigo apostar mais nos procedimentos do que nos sujeitos. Cabe à sociedade compreender que a dependência química é um problema complexo, uma doença crônica, em que a internação é só mais uma ferramenta, não a pedra-angular do tratamento.

Ou então, sejamos francos e passemos a acreditar mais uma vez na força das correntes, agora, não mais apenas enferrujadas, frias e metálicas, capazes de sufocar os punhos, mas bem leves, neuroquímicas, a entorpecer nossa visão do cuidado de si e dos outros.
Notícia do portal G1, do dia 9 de abril :

http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2013/04/combate-ao-crack-em-campinas-tera-internacao-compulsoria-para-viciados.html


Fonte: Blog Sáude Brasil

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