PICICA: "Me emocionei em ver a enorme força que o movimento tem e como essa
força é contagiosa. As pessoas tomaram as ruas e não se intimidaram – e
por que deveriam? as ruas são nossas – mesmo diante das injustiças e
agressões. E para rua voltaram pelos nossos direitos e
elas voltarão novamente e vai ser ainda maior. E quando digo ou ouço
essa frase me encho de orgulho e emoção. Não nos calaremos."
Manifestação e barbárie – A luta é por nossos direitos
Assisti tudo via Facebook. Moro no Canadá. Consternada eu vi os vídeos postados das pessoas que estiveram lá. Vi relatos de conhecidas minhas Blogueiras Feministas que estavam no meio da manifestação encurraladas na emboscada das forças policiais. Fiquei com o coração pequeno desesperada por notícias dessas pessoas que são próximas pelo convívio diário mesmo que nosso seja um convívio exclusivamente virtual, não diminui nosso bem querer e nossa preocupação.
Comecei então a postar toda informação que tinha acesso no meu perfil do facebook e na página das Blogueiras Feministas onde ajudo na administração e moderação. Chorei várias vezes não só diante da barbárie da força policial mostrada em diversos vídeos. Mas também em sentir a vibração positiva dos gritos de guerra da multidão, ao ver o manifestante dançando ao som de Bee gees, vendo as manifestações de apoio que aconteceram em diversas capitais do país ou escutando o sucesso musical da revolta da Salada. Vinagre.
Me emocionei em ver a enorme força que o movimento tem e como essa força é contagiosa. As pessoas tomaram as ruas e não se intimidaram – e por que deveriam? as ruas são nossas – mesmo diante das injustiças e agressões. E para rua voltaram pelos nossos direitos e elas voltarão novamente e vai ser ainda maior. E quando digo ou ouço essa frase me encho de orgulho e emoção. Não nos calaremos.
Domingo tem manifestação de apoio em várias cidades da Europa, dos EUA e do Canadá, inclusive na cidade onde eu moro. Vendo tantos brasileirxs pela ruas do país e do mundo inteiro exigindo e protestando por seus direitos me enche de orgulho e de esperança que a primavera do Brasil vai acontecer nesse inverno.
Relato 01:
Todo mundo já comentou, mas vou falar também. Porque é pra isso que estive lá. Pra testemunhar. As fotos, vídeos, depoimentos que vi antes deram uma ideia, mas não me prepararam para o que eu vi. Uma multidão de gente, cantando pacífica, encurralada pela polícia. Bombas de gás atiradas a torto e a direito. As manifestações em São Paulo (e que começaram a se espalhar por outras cidades do país) começaram por causa do aumento de R$ 0,20 na tarifa de ônibus, mas se tornaram algo mais: um protesto pela liberdade.
Pelo direito, garantido em constituição, de protestar. Uma manifestação pela cidade que a gente quer, sim, mas também pelo direito de lutar por ela.
Em São Paulo, o protesto estava marcado para Às 17h, no Teatro Municipal, na região do centro. Por volta de 17h40, eu e uma amiga chegamos lá e encontramos a multidão. Era muita gente. Demos um tempo, enquanto a passeata saía, para sentir o clima. A multidão não acabava, não dava pra saber onde era o começo, onde era o fim, tanta gente que era. Por fim entramos no meio. As pessoas cantavam e gritavam palavras de ordem (“ei, motorista, ei, cobrador, me diz aí se seu salário aumentou!”). Uma turma tocava bateria e tambores, dava o ritmo da caminhada. Dos prédios, as pessoas manifestavam apoio. Tudo pacífico. De “vandalismo”, vi apenas uma pessoa pichando uma agência do Itaú, e ela foi repreendida por outros participantes. Nada mais. Nenhuma depredação mais séria, nenhuma violência. Assim a coisa foi indo, até que começou a confusão.
Por trás da gente, uma galera começou a correr, enquanto alguns gritavam “não corre que é pior”. Consegui entrar numa rua à direita, que descobri ser a Dr. Cesário Mota Junior. Me afastei um pouco pra tentar entender o porquê de as pessoas estarem correndo. Aí eu vi: oito policiais com capacetes, escudos e cacetetes em cima de um jovem, que tinha uma camiseta enrolada em volta do rosto, como muitos dos manifestantes. Os caras estavam descendo o cacetete no moleque. Antes que eu olhasse muito, porém, estourou a primeira bomba. Alta, muito alta. Eu tinha me preparado para a ardência nos olhos, mas não para o barulho. Nessa hora, o grito mudou: “sem violência! sem violência!”. As pessoas pediam calma. Mas as bombas não pararam.
Então um amigo me reencontrou e me puxou pra longe dali. Tentamos dar a volta no quarteirão para reencontrar nossa amiga, mas não conseguimos: o choque bloqueou a rua. E assim começou nossa caminhada. Andamos e andamos pelo centro, tentando reencontrar a multidão, mas não conseguimos. A cada rua em que tentávamos entrar, dávamos de frente com um paredão de policiais e com a fumaça branca das bombas. Acima da gente, contei cinco helicópteros. Andamos pra lá e pra cá, feito gato e rato, correndo do gás. A cada rua, víamos grupos de manifestantes. Parei numa churrascaria para ir ao banheiro: no sofá, uma menina desmaiada.
Andamos e andamos, passamos pela 9 de julho, pela praça 14 bis. Tentamos chegar à Paulista, mas os relatos eram de que a polícia tinha fechado todos os acessos. Demos várias voltas e conseguimos chegar. Da rua em que chegamos, conseguimos ver o Masp, de longe. Resolvemos ir para o lado da Consolação. Depois de alguns quarteirões, avistamos a fumaça branca, agora nossa velha conhecida. Os olhos começaram a arder e corremos para uma rua transversal. Duas garotas nos ofereceram um pano embebido em vinagre, a perigosa substância apreendida pela polícia mais cedo. Demos mais umas voltas, vimos um tanque de guerra do Choque passando pela Paulista, fechada pela polícia dos dois lados. Vimos – e ouvimos – mais bombas, mais gente dispersa. Nossa amiga nos liga e diz que está no apartamento de um colega; rumamos pra lá. Da janela continuamos a ouvir os gritos das pessoas, os helicópteros, as bombas.
Eu confesso: fiquei com medo em vários momentos. A cada policial que eu via, de moto, nas viaturas da Rota ou nos gigantescos tanques do Choque, sentia um frio gelado na espinha. Nada do que eu li tinha me preparado pra isso. Apesar disso – ou por isso mesmo – devo ir na próxima: é preciso ver, com os próprios olhos, o que está acontecendo.
Relato 02:
Sobre o último ato, sobre flores e a violência
Ontem, quando ainda estava na concentração do ato, ganhei um raminho de flores amarelas. O clima estava tenso, mas quando vi jovens, homens, mulheres, velhos e crianças ali, pensei: “Hoje partiremos para um tudo ou nada”. O ato seguiu pacífico o trajeto todo até chegarmos à Consolação. Na Praça Roosevelt, ao subir a escadaria, tive a noção da quantidade de gente que estava ali, éramos muitos. Foi ali também que a polícia, sem motivo algum, nos reprimiu com violência. Ela cercou a praça e os manifestantes se prensavam contra a parede para tentar fugir do efeito do gás lacrimogêneo. Neste exato momento, espremida entre pessoas tão assustadas quanto eu, o ramo de flor foi massacrado. Percebi ali que, conduzidos pela polícia, os rumos seriam extremamente violentos dali pra frente. Um grupo grande foi subindo a Augusta, logo fomos cercados e atacado novamente pelo Choque, recuamos pela Bela Cintra, fomos encurralados várias vezes até que chegamos à Consolação. Lá, a cavalaria já esperava os manifestantes. Eles deixaram todo o grupo entrar na Consolação sem mover um dedo, ou atirar uma bomba. Logo, outro grupo surgiu na Consolação. O encontro desses dois grupos foi um dos momentos mais bonitos que vivi. Tivemos uns três minutos de alegria e euforia. Quem estava ali já era sobrevivente das repressões anteriores, então quando nos encontramos nos sentimos fortes de novo. Estávamos juntos e unidos. Infelizmente, tudo fazia parte de uma tática da força policial para encurralar todos os grupos juntos. Tínhamos a cavalaria atrás, que agora avançava em nossa direção, o Choque vinha pela frente e pelas duas ruas de saída. Eles nos encurralaram. Em coro, começamos a pedir “Sem violência” e mesmo assim eles começaram a atirar com balas de borracha e jogar bombas. Minha amiga quase desmaiou. Eu quase desmaiei. Tentamos ficar todos juntos, mas teve um momento que abri os olhos e só vi fumaça. Senti muito medo por mim e pela galera que estava ali. Não tínhamos para onde fugir. Eles sabiam disso. Eles não buscavam mais a nossa dispersão, mas sim apenas demostrar força. Para passar por eles, os manifestantes tinham que erguer às mãos, em ato de rendição, caso contrário, mandavam bala. Corri com o meu grupo com as mãos para o alto, estávamos rendidos perante uma tropa de choque que atirava à queima roupa. Me senti covardemente agredida e humilhada. Horas depois, já em local seguro, me senti um pouco idiota por carregar a flor. Parece que essas sutilezas não cabem mais diante de tanta agressividade. Sempre soube que estava lidando com uma polícia que impõe à política de segurança pública, uma lógica militar, truculenta e extremamente violenta. Sei também que simbolicamente as flores carregadas por mim e por outros manifestantes, demonstram que estamos do lado oposto ao da PM: nossa força vem da união do povo e queremos mudanças por vias democráticas e pacíficas. Mas não podemos mais ser massacrados como ocorreu ontem. Não vamos recuar! Segunda-feira vai ser maior…”
Vamos para rua!
Dicas pra todos os gostos avinagrados
vou pra manifestação!
[1] vista teu melhor sorriso e roupas confortáveis. traga flores no coração e, se quiser, até nas mãos. distribua olhares cúmplices, acene. uma maçã na bolsa vai bem na hora da fome – isso se a polícia não entender como projétil de alta periculosidade, claro.
[2] combine com os amigos antes um ponto de encontro. tb aproveite pra fazer amigos, converse, troque ideia, manifestar-se é um ato de sociabilidade.
[3] manter a calma é fundamental. tenta gritar o “seguuura” na hora em que precisar, deixe o “sem violência! sem violência” engatilhado na garganta. procure não se dispersar, ofereça ajuda, vamos cuidar uns dos outros.
[4] e assim que o perrengue passar, gaste o bom humor. não é isso a cara do brasileiro? então, vamos usar a nosso favor!
[5] pense nas imagens, vídeos e mensagens no twitter que irá produzir. fotos de pessoas correndo ou tremidas podem colaborar com a “narrativa do medo”. prefira um conteúdo que confirme as tuas certezas e teus direitos.
[6] lembra: estar na rua é uma das coisas mais bonitas que vc pode fazer neste dia.
tenho medo, mas queria ajudar
[1] normal. ou vc acha que ninguém tem medo?
[2] vc pode participar “um pouquinho” – recebendo os manifestantes com flores, com panfletos e depois sair fora, ué. vc tb pode auxiliar nos postos de apoio médico e outros. fuce o facebook que encontrará quem os organiza. e leia as dicas abaixo.
não irei à manifestação
[1] se conhece quem resida na área da manifestação, auxilie! peça pra deixarem vinagre na porta de casa, por exemplo. os tempos são esses: uma garrafa de vinagre, uma declaração de amor.
[2] explore teus talentos! sabe alguma língua estrangeira? ajude nas
coberturas independentes. sabe química? puxa, tem muito o que fazer. engenharia? e assim vamos.
[3] ajude a construir uma narrativa em que fique claro que são pessoas nas ruas. exercendo um direito. uma narrativa que lembre os motivos originários.
[4] todxs são fundamentais. vem.
Mais dicas para quem vai amanhã
Fonte: Blogueiras Feministas
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