PICICA: "No início desta tarde de junho, Dirceu Greco enviou esta mensagem a todos os seus colaboradores:
“Esta é para comunicar
que fui destituído e rapidamente exonerado pelo secretário de Vigilância
em Saúde por ordem do ministro da Saúde, por discordâncias do
ministério com a condução da política de direitos humanos e valorização
de populações em situação de maior vulnerabilidade, que não coadunava
com a política conservadora do atual governo. Agradeço o apoio durante
minha gestão e a solidariedade neste momento de transição. Volto para
Belo Horizonte, para minhas atividades como Professor Titular de Clínica
Médica e na Bioética. Espero continuarmos todos juntos nesta luta, não
só para o controle da epidemia, para a qual já existe instrumental
técnico, mas principalmente enfrentando as disparidades, combatendo o
estigma, a discriminação e a violência, e com defesa inequívoca dos
direitos humanos. Relembro que a política brasileira de enfrentamento
das DST, Aids e Hepatites Virais, reconhecida nacional e
internacionalmente, é maior que o Departamento e deve ser mantida como
política de Estado e não só de governo”."
“Padilha colocou o moralismo acima da ciência; mortes virão”
por Conceição Lemes*
Fonte: Viomundo
*Conceição Lemes é jornalista e escreve no blog Viomundo
Fonte: RETS
O preconceito, o
oportunismo, o conservadorismo e a ignorância venceram mais uma vez a
saúde pública e violaram direitos. O Departamento de DST, Aids e
Hepatites Virais do Ministério da Saúde lançou no final de semana nas
redes sociais uma campanha destinada às profissionais do sexo. Com o
tema “Sem vergonha de usar camisinha”, o objetivo é reduzir o estigma da
prostituição da associada à infecção pelo HIV e aids.
O material da ação –
banners e vídeos – foi feito a partir de uma Oficina de Comunicação em
Saúde para Profissionais do Sexo, realizada em João Pessoa (PB), de 11 a
14 de março. As peças da campanha trazem mensagens contra o
preconceito, sobre a necessidade de prevenção da infecção pelo HIV e
demais doenças sexualmente transmissíveis e a vontade de as prostitutas
serem respeitadas. Médicos e especialistas na prevenção de DST-Aids
elogiaram o material. Porém, nessa terça-feira 4, o ministro da Saúde,
Alexandre Padilha, cometeu dois desatinos, após protestos e pressões da
bancada evangélica.
Primeiro, mandou tirar do
ar, inclusive da página do Departamento de DST/Aids, uma das peças da
campanha que tinha os seguintes dizeres: “sou feliz sendo prostituta”. A
peça trazia o logotipo do ministério e havia sido divulgada no twitter.
As chamadas com destaque na página do Departamento também sumiram.
Segundo, no final da tarde, demitiu sumariamente o diretor do
Departamento de DST/Aids do Ministério, o dr. Dirceu Greco,
infectologista de renome mundial e professor titular da Faculdade de
Medicina da UFMG. É um dos nomes históricos da luta contra a aids e um
dos maiores especialistas em bioética e ética em pesquisas no Brasil.
Em nota, a Assessoria de
Comunicação Social do Ministério da Saúde justificou: “As peças expostas
no site do Departamento de DST/Aids não passaram por análise e
aprovação da Assessoria de Comunicação Social, como ocorre com todas as
campanhas do Ministério da Saúde, de todos os departamentos. Logo, o
descumprimento das normas previamente estabelecidas pelo Ministério da
Saúde justificou a retirada das peças do site do departamento e de seus
perfis nas redes sociais e a apuração das responsabilidades.”
Em entrevistas à mídia,
Padilha disse: “Enquanto eu for ministro, não acho que essa tem que ser
uma mensagem passada pelo ministério. Nós teremos mensagens restritas à
orientação sobre a prevenção contra as doenças sexualmente
transmissíveis. O papel do Ministério da Saúde é estimular a prevenção
das DSTs. Não existirá nenhum material assinado pelo Ministério da Saúde
que não seja material restrito às orientações de como se prevenir das
DSTs.”
“DESDE O ALCENI GUERRA, NÃO ASSISTIMOS ALGO SEMELHANTE”
“Quando soube da
campanha, fiquei animado. Pensei: “Tomara que o ministro Padilha tenha
voltado atrás nas ações de prevenção, pensando nas pessoas vulneráveis
às infecções por DSTs e aids”, afirma o pesquisador, ativista e
professor Mario Scheffer, presidente do Grupo Pela Vidda de São Paulo.
“Não demorou 24 horas para ver que o Padilha continua o mesmo.” “É
retrocesso histórico”, denuncia Scheffer. “Desde a época do Alceni
Guerra, ministro da Saúde do então presidente Collor, não assistimos
algo semelhante.”
Alceni foi ministro de 15
de março de 1990 a 23 de janeiro de 1992. Na época, fez uma campanha
baseada no terrorismo e no preconceito, tipo “a aids vai te pegar”, “a
aids vai te matar”, que afastava as pessoas. Consequentemente, elas não
se sentiam vulneráveis, não se protegiam e a doença disseminou. A ação
desastrada de Alceni foi há mais de 20 anos, quando existia apenas o
AZT. Portanto, na fase pré-coquetel antirretroviral.
“O Brasil conseguiu uma
boa resposta à aids graças à combinação de ações afirmativas – como
defesa de direitos civis, combate ao preconceito, aumento da autoestima
das populações afetadas — com ações de saúde pública — distribuição de
preservativos, acesso ao teste de HIV e tratamento com remédios
antirretrovirais”, alerta Scheffer. “É o que chamamos de prevenção
combinada. Na prevenção em aids, não podemos separar direitos humanos
de saúde pública. Agora, uma dessas pernas foi quebrada. A epidemia se
concentra em algumas populações e o Padilha ficará para a história como o
ministro que jogou isso para baixo do tapete, que colocou o falso
moralismo acima das evidências científicas. A saúde pública está
pagando um preço muito alto pela ambição pessoal do Ministro em ser
candidato a governador.”
“VIOLAÇÃO DE DIREITOS GERAM MAIS DOENÇAS;MORTES E INFECÇÕES DESNECESSÁRIAS VIRÃO”
Em pouco mais de um ano, é
a terceira vez que Padilha censura material destinado à prevenção de
DST/Aids. A primeira, por determinação do governo, recolheu um kit
dirigido a adolescentes. O material abordava temas como
homossexualidade, drogas e gravidez. O ministro da Saúde, assim como fez
nessa terça-feira, justificou na época que a distribuição tinha sido
feita à revelia dele. A segunda foi no carnaval de 2012. Proibiu a
exibição de um vídeo com um casal de jovens gays, produzido para a
exibição em TV aberta. Alegou depois que se destinava a circulação
restrita.
“É totalmente inaceitável
a proibição do Padilha”, diz, chocada, a pesquisadora e professora Vera
Paiva, do Núcleo de Pesquisas em Aids da Faculdade de Psicologia da
USP. “Fez isso em nome de quê? Valores pessoais? As prostitutas não têm
direito à saúde e de serem felizes? Criminalizar como bandidos sem
direitos os que não concordam com o seu projeto de felicidade? A decisão
dele é injusta. É censura de ações baseadas em rigorosa evidência
técnico-científica. É violação de direitos pelo Estado, inclusive do
direito à saúde”, avisa a pesquisadora da USP. “É negligência na
promoção e proteção do direito à não discriminação.”
“Padilha não quer
prostitutas felizes? Quer o quê? Prostitutas tristes?”, questionou
ontem, em Brasília, Elizabeth Franco, da USP, numa reunião de
pesquisadores. “Nós queremos putas alegres! Putas tristes só aceitas no
título da obra de Gabriel Garcia Márquez!.”
“O exército de crentes e
carolas que hoje manda nas grandes decisões nacionais se insurgiu contra
a campanha, acionou seus lobistas de plantão e, outra vez, colocou o
governo de joelhos”, atenta o jornalista Leandro Fortes, em sua página no Facebook.
”Agora, calaram as putas, condenadas a serem tristes por decreto. Feliz
mesmo é Feliciano, que logo se apressou a cumprimentar o ministro, no Twitter, por mais essa vitória da moral e dos bons costumes.”
“Só que violação de
direitos gera mais doenças”, adverte Vera Paiva. “Mortes e infecções
desnecessárias virão, como no caso dos jovens homossexuais.”
SOLIDARIEDADE A DIRCEU GRECO E DEFESA INEQUÍVOCA DOS DIREITOS HUMANOS
Logo após a confirmação
da demissão do dr. Dirceu Greco, Toni Reis, secretário de Educação da
ABGLT, divulgou esta nota: “Confirmado: Dirceu Greco, Diretor do
Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais foi exonerado sumariamente
pelo Ministério da Saúde (causa, a felicidade da prostituta acima).
Todos e todas têm direito de ser feliz no Brasil, inclusive as prostitutas
(independente do que elas vendem…).
Nossa mais irrestrita solidariedade ao Dr. Dirceu Greco e equipe –
estamos consternados com a notícia.
Felicidade é um direito
humano. Quem se ama se cuida. Plagiando a obra no Caminho com
Maiakowski: ’Primeiro foram os gays a serem censurados. Eu não era gay,
não reagi.Depois, censuraram as prostitutas. Eu não era prostituta, não
reagi. Cercearam os índios. Eu não era índio, não reagi. Até que
arrancaram o Estado laico, e já não podemos dizer nada”.
No início desta tarde de junho, Dirceu Greco enviou esta mensagem a todos os seus colaboradores:
“Esta é para comunicar
que fui destituído e rapidamente exonerado pelo secretário de Vigilância
em Saúde por ordem do ministro da Saúde, por discordâncias do
ministério com a condução da política de direitos humanos e valorização
de populações em situação de maior vulnerabilidade, que não coadunava
com a política conservadora do atual governo. Agradeço o apoio durante
minha gestão e a solidariedade neste momento de transição. Volto para
Belo Horizonte, para minhas atividades como Professor Titular de Clínica
Médica e na Bioética. Espero continuarmos todos juntos nesta luta, não
só para o controle da epidemia, para a qual já existe instrumental
técnico, mas principalmente enfrentando as disparidades, combatendo o
estigma, a discriminação e a violência, e com defesa inequívoca dos
direitos humanos. Relembro que a política brasileira de enfrentamento
das DST, Aids e Hepatites Virais, reconhecida nacional e
internacionalmente, é maior que o Departamento e deve ser mantida como
política de Estado e não só de governo”.
Com base nos meus 32 anos
como repórter especializada em saúde e que acompanhou toda a evolução
da aids no Brasil, ouso dizer: se, por nossa infelicidade, a epidemia
tivesse surgido neste momento, o Brasil nunca teria se tornado
referência mundial na prevenção de HIV/aids
*Conceição Lemes é jornalista e escreve no blog Viomundo
Fonte: RETS
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