PICICA: Dezenove comunidades de ribeirinhos tradicionais pedem o seu apoio a construção de um Polo Naval em seus territórios. Para assinar, clique abaixo:
Abaixo-assinado Comunidades Tradicionais de Ribeirinhos do Amazonas Contra Projeto de Polo Naval
Medo de retirada forçada e de impactos ambientais leva ribeirinhos a se mobilizarem contra polo naval no Amazonas
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É possível moradores de comunidades tradicionais que vivem há décadas à margem do rio Amazonas ocuparem o mesmo território de estaleiros de médio e grande porte instalados para construção de embarcações civis e militares? Dividirem o mesmo espaço com aproximadamente 35 mil trabalhadores, recrutados especialmente para o empreendimento? Ou mesmo deixarem seu modo de vida tradicional para ser incorporados a uma “cidade operária”?
Para os ribeirinhos de 19 comunidades localizadas na zona rural de Manaus (AM), a resposta é “não”. Surpreendidos em outubro de 2012 com um decreto do governo do Amazonas que determina a desapropriação da área, os ribeirinhos destas comunidades afetadas já manifestaram sua oposição a um possível deslocamento forçado. Uma dessas manifestações aconteceu durante audiência no último dia 2 de maio promovida pelo Ministério Público Federal do Amazonas (leia mais sobre a audiência ao final deste texto).
O discurso oficial do governo do Amazonas é que a área será transformada em uma “cidade operária”, medida que sinaliza a possibilidade dos ribeirinhos serem “integrados” ao empreendimento. Mas como bem disse um ribeirinho com quem conversei: “Cidade operária é diferente de comunidade tradicional. Eu vou deixar de ser pescador e agricultor para ser operário?”.
O governo do Amazonas, pressionado pelos ribeirinhos, já disse que não haverá desapropriação. Mas não é isso que diz o Decreto 32.875 do dia 10 de outubro de 2012.
No documento está escrito que haverá desapropriação “para fins de interesse público”, o que nada mais é do que área liberada para o polo naval, um empreendimento que vem atraindo interesse de empresas estrangeiras e é a grande aposta político-econômico da atual admistração do governo do Amazonas.
Raramente mencionados nos debates públicos sobre o empreendimento e praticamente invisíveis na imprensa local, os ribeirinhos vivem atualmente um contexto de mobilização interna contra a pressão que ronda suas vidas e seu cotidiano e que, certamente, se tornará mais forte daqui por diante.
Milhares de pessoas serão atingidas com o polo naval. Estima-se que existam pelo menos mil famílias nas comunidades afetadas. A maioria vive de agricultura. Muitos praticam a pesca de subsistência. Parte da produção agrícola abastece o mercado de Manaus.
Embora o Decreto 32.875 não cite as comunidades impactadas, os moradores da área localmente chamada de “Puraquequara” realizaram seu próprio levantamento tão logo souberam da notícia (informalmente, pois o governo não os oficializou espontaneamente sobre a realização da obra) e atestaram que a área a ser atingida abrange 19 comunidades.
Entre elas estão Lago do Mainã, Puraquequara, São Francisco do Mainã, Bom Sucesso, Guajará, São Raimundo, São Pedro, São Lázaro, Tabocal, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora das Graças, União e Progresso, Projeto de Assentamento Nazaré, Santa Rosa do Paraná da Eva, Santa Luzia do Tiririca e demais comunidades localizadas até os limites do município de Rio Preto da Eva. Um novo levantamento vem sendo realizado para identificar novas comunidades.
Reunião de ribeirinhos para discutir impactos do polo naval
Mobilização
Moradores que nasceram nestas comunidades ou que vivem nelas há 60 e até 70 anos estão confusas e angustiadas frente à ameaça de terem que deixar suas terras. Ou, caso não seja preciso sair, com a mudança no seu modo de vida.
Para isso, decidiram pela organização de cada comunidade para tentar obter informações com mais clareza do governo do Estado sobre as reais consequências do polo naval em suas vidas e no meio ambiente que lhes dá o seu sustento.
Até o momento, não foi divulgado um cronograma da obra, nem programas de compensação para estas pessoas atingidas. Não se sabe se haverá de fato retirada, reassentamento ou indenização. Também não existem informações sobre os impactos ambientais na área (hoje extremamente preservada) e danos para a biodiversidade.
Nas duas audiências públicas que houve, os ribeirinhos obtiveram respostas insuficientes e genéricas. Essa foi a reclamação geral. A primeira delas, no dia 8 de março de 2013 na Assembleia Legislativa do Amazonas, só ocorreu por recomendação do Ministério Público Federal, que mantém um inquérito instaurado para acompanhar o processo de elaboração do projeto do polo naval.
A segunda foi em abril na Câmara Municipal de Manaus. Com dificuldade de deslocamento de suas comunidades até a capital (o acesso é apenas pelo rio e o custo do combustível para a embarcação é caro, a maioria não pode pagar), os ribeirinhos foram representados por um pequeno grupo. A reclamação dos ribeirinhos é que os representantes do governo repetiram nesta segunda audiência o seu discurso vago.
Típica moradia ribeirinha, à margem esquerda do rio Amazonas.
Visita
Desde o dia 28 de abril, porém, a mobilização começou a ganhar força e a luta tende a crescer. Os moradores das comunidades querem estabelecer um diálogo igualitário com o governo do Estado onde este se manifeste de forma mais transparente e que eles próprios tenham direito a falar e serem consultados.
A perspectiva da saída de suas terras também começou a assustar moradores até então céticos com a possibilidade de serem impactados.
Venho acompanhando este assunto desde janeiro deste ano, quando conversei com alguns moradores e lideranças das comunidades, especialmente as do Jatuarana e Mainã. Fiz uma matéria na época em que estava no jornal A Crítica optando por uma abordagem que a imprensa ainda não havia se preocupado em mostrar: o lado dos moradores.
No último dia 28 de abril fiz uma visita na comunidade Bom Sucesso, junto com membros da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Cáritas Diocesana e com o Valter Calheiros, do Movimento S.O.S Encontro das Águas.
Ficamos entre nove da manhã e uma da tarde participando de uma exaustiva reunião com alguns representantes de comunidades. A duração da viagem até Bom Sucesso é de uma hora e meia em barco “rápido”.
Esta visita me possibilitou “sentir” um pouco como está a reação das pessoas ao polo naval. Percebi que a antiga descrença quanto à obra está diminuindo. O temor com a dimensão do impacto (negativo) cresceu. Ninguém acredita que haverá “benefícios”.
Medo de sair
Durante a visita Bom Sucesso, fui interpelada por uma moradora que, ao saber que eu era jornalista, perguntou por que a imprensa “pouco ou nunca fala deles”. “Parece que não existe ninguém aqui. Que aqui é só água e terra”, me disse ela. “Por que eles não fazem essa obra em outra área do rio? Por que não mexem onde vivem os ricos? Querem vir para cá porque só moram ribeirinhos”, completou.
Também conversei com um senhor de 87 anos, que me disse morar na comunidade Bom Sucesso há 60 anos. Seu receio é “ter que ir para a cidade”. “Vou fazer o que ná cidade? Acho que querem que a gente morra”, me indagou.
Nesta reunião, alguns encaminhamentos foram tirados. Um deles é a criação de um Conselho com representantes de cada comunidade.
Os moradores relataram sua preocupação com os impactos do polo naval e se mostraram encorajados a empreender uma ação social cujos resultados somente o tempo dirá. Esta é uma batalha que está se desenhando ainda. Enfrentamentos certamente virão. E novos textos de minha autoria sobre esse assunto deverão ser publicados neste espaço.
* Com exceção da primeira foto, de minha autoria, todas as fotos deste post são de Valter Calheiros.
Fonte: Elaíze Farias