PICICA: "Importante deixar claro que a versão aprovada ontem é uma substitutiva, sugerida pela relatora da Comissão de Família e Seguridade Social,
que exclui os pontos em que o PL entra em confronto com o Código Penal.
Ou seja, nessa versão, ainda que se estabeleça a possibilidade de
atribuição de paternidade ao estuprador, não há sugestão de
criminalização de condutas, que é o que mais nos preocupa. Mas isso não
significa, em absoluto, que estamos a salvo. Como avalia a OAB:
“A proposta atropela princípios ético-jurídicos e
constitucionais, derroga leis existentes, e destrói conquistas duramente
obtidas, como a admissão de pesquisa com células tronco, além de
ignorar os direitos fundamentais das mulheres e legitimar a violência
contra a mulher, ao se propor que elas sejam “pagas” pelo Estado para
terem um filho gerado por estupro. Por todo o exposto, o Projeto de Lei
478/2007 (Estatuto do Nascituro), seus apensos e o substitutivo revelam
graves inconstitucionalidades e não se mostram adequados juridicamente
como política social, devendo ser integralmente rejeitados.”"
Estatuto do Nascituro: um retrocesso
inaceitável
Na última quarta-feira, 5 de junho, a Comissão de Finanças da Câmara dos deputados considerou viável
o Estatuto do Nascituro (PL 478/07), como também já havia feito a
Comissão de Seguridade Social e Família em 19 de maio de 2010. O texto
prevê que nascituros terão direitos análogos aos das pessoas nascidas.
Como feministas, a perspectiva de aprovação do Estatuto do Nascituro não poderia nos assustar mais. A íntegra do projeto
prevê que o aborto seja proibido em qualquer circunstância. Ou seja,
mesmo adolescentes estupradas seriam obrigadas a seguir com a gravidez
resultante da violência. Em contrapartida, oferece a possibilidade de
reivindicar “paternidade” do estuprador e requerer pensão alimentícia.
Assim, as mesmas forças conservadoras que não reconhecem que um casal
homossexual unido por amor e respeito seja uma família, querem impôr que
estuprador e vítima se tornem pai e mãe. Reduz o drama de uma vítima de
estupro que engravidou a uma mera questão econômica de quem sustentará o
fruto deste abuso. Uma concepção misógina das mulheres, que lhes retira
dignidade ao obrigá-las a parirem mediante a uma bonificação estatal.
Além disso, essa suposta “reparação” representa uma prioridade do
parentesco biológico – o que pode trazer várias consequências quanto ao
entendimento de quais famílias devem ser beneficiadas pelas políticas
públicas brasileiras.
Entre outras consequências graves da aprovação deste
projeto, estaria também a exposição de mulheres à investigação criminal
em casos de aborto espontâneo (o artigo 23 prevê a penalização do aborto
“culposo”, ou seja, não intencional) e a impossibilidade de acesso a
tratamentos médicos que ameacem a viabilidade da gestação (como o caso
de quimioterapias para pacientes de câncer). Por fim, aquelas que, como
nós, são favoráveis a descriminalização do aborto, estariam sujeitas a
processo criminal por “apologia”, de acordo com o artigo 28.
A Comissão de bioética da OAB publicou um parecer sobre o Estatuto do Nascituro, que pode ser lido aqui. Nossas impressões sobre o teor da proposta são compartilhadas pela entidade:
“No caminho inverso ao reconhecimento da liberdade e
autonomia das mulheres, o projeto pretende impor compulsoriamente a
maternidade em caso de risco de vida e à saúde das mulheres, justamente
as nessas circunstâncias, em que a gestação deveria resultar de uma
escolha livre, responsável e informada. Pelo projeto, há uma clara
ponderação pró-feto que novamente reconduz a mulher à condição análoga à
de uma incubadora, sem autonomia, tornando-a objeto e lhe retirando a
dignidade humana que lhe é garantida no art. 1º, III, da Constituição
brasileira, pois nem se fez a ressalva de que o disposto no art. 10 não
se aplica no caso de prejuízos à vida e à saúde da gestante, de forma
imediata ou futura, ou nos casos de incompatibilidade com a vida
extrauterina”
Importante deixar claro que a versão aprovada ontem é uma substitutiva, sugerida pela relatora da Comissão de Família e Seguridade Social,
que exclui os pontos em que o PL entra em confronto com o Código Penal.
Ou seja, nessa versão, ainda que se estabeleça a possibilidade de
atribuição de paternidade ao estuprador, não há sugestão de
criminalização de condutas, que é o que mais nos preocupa. Mas isso não
significa, em absoluto, que estamos a salvo. Como avalia a OAB:
“A proposta atropela princípios ético-jurídicos e
constitucionais, derroga leis existentes, e destrói conquistas duramente
obtidas, como a admissão de pesquisa com células tronco, além de
ignorar os direitos fundamentais das mulheres e legitimar a violência
contra a mulher, ao se propor que elas sejam “pagas” pelo Estado para
terem um filho gerado por estupro. Por todo o exposto, o Projeto de Lei
478/2007 (Estatuto do Nascituro), seus apensos e o substitutivo revelam
graves inconstitucionalidades e não se mostram adequados juridicamente
como política social, devendo ser integralmente rejeitados.”
Outra das “graves consequências” identificadas pelo parecer da OAB recai sobre a fertilização in vitro:
“(…) relativas à atribuição de personalidade ao embrião
congelado, o que geraria efeitos civis e perplexidades, desde problemas
de identificação, reflexos sobre o registro civil, controvérsias
relativas à representação civil e à parentalidade dos embriões gerados
exclusivamente com material fecundante de doadores, assim como
desdobramentos referentes às relações de parentesco e intrincadas
questões de ordem sucessória, além da pretensa possibilidade de
exercício dos direitos da personalidade”
Conforme discutido por Débora Diniz, no artigo O Estatuto do Nascituro e o Terror,
esses efeitos produzirão novas demandas de políticas sociais
focalizadas, e assim, uma nova direção da ação social do Estado. Além de
representar gastos públicos mal investidos, esse projeto contraria as
demandas de reconhecimento de famílias constituídas por casais não
heterossexuais, por priorizar o parentesco biológico e por abrir
prerrogativas de proteção social para embriões congelados.
“Trata-se de focalização das políticas sociais como
nunca antes desenhada pelas reformas da seguridade social — o nascituro
terá “prioridade absoluta”, propõe o Estatuto.”
Para entrar em vigor, o PL 478/07 precisa ser ainda
submetido à Comissão de Justiça e Cidadania, além da votação geral na
câmara dos deputados e a assinatura da presidenta. Enquanto o texto
original, mais perigoso, não for declarado inconstitucional em alguma
dessas etapas, ele pode ser reapresentado e aprovado. Há quem afirme
que, como a inconstitucionalidade é clara, ainda que aprovado no poder
legislativo ele seria derrubado pelo STF e não chegaria a entrar em
vigor. Também queremos acreditar nisso, mas o estrago já está feito em
alguma medida. Enquanto os países vizinhos discutem a ampliação dos
direitos reprodutivos, nós nos vemos obrigadas a lutar para manter os
que ainda temos. Retroceder na discussão é uma vitória da agenda
conservadora que, infelizmente, temos que reconhecer.
Mesmo que o PL 478/07 não seja aprovado, sabemos que parte
significativa das mulheres encontra dificuldades imensas para ter acesso
ao aborto legal. Em março, Jéssica da Mata Silva, 21 anos e com câncer
diagnosticado, teve que entrar na justiça
para interromper sua gestação e se submeter à quimioterapia. Logo, teve
dificuldades em acessar a interrupção da gestação prevista legalmente,
porque como sabemos, não basta redigir uma lei para garantir um direito,
é preciso que haja uma conscientização dos atores sociais envolvidos
(neste caso, os agentes de saúde e o sistema judiciário) para que a lei
seja efetivamente cumprida. Projetos de Lei como o do Estatuto do
Nascituro contribuem para a manutenção de uma mentalidade reacionária de
que as mulheres não são capazes de lidar com as tragédias que lhes
abatem, como uma gravidez de risco ou resultante de violência sexual,
devendo ser tuteladas pelo Estado.
Há entre nós o grande temor que o PL 48/07 seja
desengavetado às vésperas da próxima eleição, para assim como foi feito
em 2010, o aborto virar moeda de troca eleitoral. E sabemos, pela
experiência passada, que não é possível construir um debate de
qualidade, como a questão merece, neste cenário.
Por
isso chamamos a sociedade para se mobilizar contra o Estatuto do
Nascituro. Trata-se de um retrocesso social imenso, um desrespeito à
mulher e à sua dignidade ao tratar um agressor sexual como progenitor.
Além disso, fere a Constituição brasileira, afronta a laicidade do
Estado, renega avanços científicos e tecnológicos que podem beneficiar
milhares de pessoas com a pesquisas embrionárias e põe em risco a vida
de qualquer pessoa que tenha um útero e que possa engravidar, inclusive
jovens, menores de idade, que já estão em período fértil. Reflita sobre a
sociedade em que você quer viver, que você quer deixar para seus
descendentes, e una-se a nós. Assine a petição, diga não ao PL 478/07 e saiba mais sobre os atos que ocorrerão contra o Estatuto do Nascituro nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Blogueiras Feministas
Somos brasileir@s, de várias partes do país, com diferentes experiências de vida. Somos feministas. A gente continua essa história do feminismo, nas ruas e na rede.Fonte: Blogueiras Feministas
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