PICICA: "[...] o tempo não só urge como ruge..."
Barricadas, o transporte público, a polícia
15/06/2013
Por Hugo Albuquerque
Por Hugo Albuquerque, no Descurvo
O fuzilamento de 13 de Junho
Protestos
atravessam o país. O mote central é a crítica ao reajuste das passagens
de ônibus e do transporte público em geral, seu centro de gravidade
está nas metrópoles, mas há mais do que isso: vivenciamos, sem dúvida, a
eclosão revoltosa contra a letargia política dos anos Dilma, na qual o
consenso burocrático no plano federal afirmou-se de vez, e o
esvaziamento de símbolos, bandeiras e antagonismos tornou-se uma
constante — depois dos anos de otimismo e da sensação de estar-fora-do-mundo-em-crise
dos anos Lula. Também soma-se a isto as práticas conhecidas de
políticos tradicionais, na oposição ao governo ou não, como o Governador
paulista e ex-candidato à Presidência da República Geraldo Alckmin —
cujo atual mandato foi marcado por coisas como o massacre do Pinheirinho e a operação “dor e sofrimento” na Cracolândia.
Há um desejo de afirmar a política, mas há, igualmente, um desejo de se fazer perceber — de repetir os feitos dos occupy
pelo mundo — de uma geração que cresceu sob uma relativa
estabilidade. É uma vontade louca de se fazer presente. Por vezes,
errática. Por que querer ocupar se não há, ou havia, razões objetivas
para tanto (uma crise, por exemplo)? Por que deseja-las no fundo?
Porque, em geral, o projeto político Lulista potencializou a sociedade
sem ter constituído, necessariamente, um processo político que servisse
de carne para o processo social em curso –
embora o enquadramento deste nos anos Dilma tenha agravado, ou
apressado, esta satisfação insatisfeita ainda pequena, porém existente.
Mas
é menos na abstração do Estado e mais na concretude da metrópole que
essas variáveis se constituem, e estouram. No caso, estamos falando do
transporte público brasileiro, isto é, o sistema ele mesmo pelo qual
circulam os fluxos da cidade. Eis uma fonte de problemas quase infinita
no Brasil atual — logo, uma usina de fatos políticos: com seu modelo de financiamento tarifário,
empresas concessionárias fazem fortuna e tornam-se uma das principais
forças da política municipal, enquanto opera-se uma fabulosa
concentração de renda, uma vez que o ônus econômico da sustentação do modelo recai sobre seus usuários, isto é, pobres, trabalhadores e estudantes.
Empresas
concessionárias de ônibus são poderosas doadoras eleitorais. Esquemas
fabulosos, legais ou não, de financiamento da política partidária por
meio destas funcionam a todo vapor. Isso influi nas tarifas, não raro
majoradas com gosto e vontade pelo grato administrado eleito ou
reeleito. O transporte público acaba mercantilizado, enquanto o direito de ir e vir
— que no capitalismo vai até onde seu bolso consegue conseguir ir —
acaba mitigado para a maior parte das pessoas. É nesse cenário de
insatisfação que movimentos como o Movimento Passe Livre (MPL) conseguem mobilizar cada vez mais, ainda mais nas datas de reajustes. Tarifa zero, rlr brada, ao passo que conduzem manifestações radicalizadas.
Este ano, os aumentos em muitas capitais, como Goiânia, Porto Alegre ou Natal,
deram o tom dos confrontos. Em São Paulo, onde o reajuste dado foi
menor do que a inflação acumulada, eclodiram nos últimos dias suas mais
especulares e midiáticas ações. Tudo agravado pela resposta da polícia
militar, inesperada pela violência, mesmo pela sua marca. É fato que nas
primeiras capitais, as mobilizações se deram dentro contra o reajuste,
enquanto em São Paulo e no Rio esperou-se dar o aumento para “impulso”
ao movimento — e política é política, o que está por trás dessa manobra
(que não pode ser moralmente julgada) é uma série de outras questões,
insatisfações e inquietações que estão diante de todos.
Esse
é o texto montado a partir do contexto atual da política brasileira,
que tem nesses protestos seu pretexto (novamente, num sentido
extra-moral) para os protestos públicos nas ruas. Sim, alguns
manifestantes cometeram atos desnecessários e até condenáveis — como espancar um policial que fazia a guarda do Tribunal de Justiça –
mas evidentemente a polícia não está para responder na mesma moeda,
sobretudo porque caso as forças policiais incorram num ato de violência,
a quem se poderia recorrer?
E não foi de pouca violência que PM paulista utilizou nos últimos dias, há casos salutares como de uma fotógrafa que quase foi cegada, um jornalista foi espancado, a PM simulou um ato de vandalismo contra uma viatura sua e daí por diante — entenda-se, prisões ilegais aos montes, bordoadas, uso de armas “não-letais” aos borbotões. Isso além do célebre discurso do promotor Zagallo no facebook, no qual ele defende a execução dos manifestantes, motivo pelo qual ele terminou “não tendo o contrato renovado” pela Faculdade de Direito do Mackenzie onde ele lecionava.
Do ponto de vista dos transportes públicos, é preciso enxergar que, de fato, não há almoço grátis, portanto, insistir no inverso disso, é entrar em um medievalismo que só pode levar à derrota para qualquer
modelo de financiamento — inclusive os mais exploradores — de
transporte público. E a experiência da (triunfante) resposta neoliberal
ao Maio de 68 está posto e não perdoa. Nem perdoará desta vez.
É
menos questão de “tarifa zero” e mais de anulação do sistema tarifário:
usar contribuições para financiar o transporte público, uma vez que
todos, diretamente ou indiretamente, fruem do seu bom funcionamento e
que fazendo isso, ainda estaríamos desonerando os vulneráveis que,
preferencialmente, usam do serviço. Não só, estudar como se concede,
para quem se concede e a qualquer custo, sem perder de vista, também, a
necessidade de manter um bom serviço e o estímulo a constantes
investimentos na frota (o que não ocorre agora, nem ocorria na era das
grandes empresas estatais de ônibus, como a extinta e paulistana CMTC).
Um equilíbrio difícil, sem dúvida.
No plano estadual, os reajustes foram os mesmos, embora os ferroviários paulistas tenham feito uma breve paralisação e tenham mais problemas do que os motoristas/cobradores de ônibus. A situação dos metroviários paulistas, conste, vai mal também.
A
questão de premissa é, sim, importante: por uma gestão democrática do
transporte público. O que também torna tática a eventual confrontação
nas ruas, e não imperativo de atuação, muito menos meio de redenção
pessoal. Tampouco insista-se na carolice de que o ônibus, mesmo sua
melhor disposição organizacional, daria conta por si só da problemática
da circulação dos fluxos urbanos, como se políticas de moradia e bicicletas – nessa ordem — não tivessem muita importância nisto tudo.
É
igualmente verdadeiro que o prefeito paulistano cumpriu promessa de
campanha de não reajustar as passagens para além da inflação, aumentou o
salário de motoristas de ônibus e cobradores, assim como tem uma
prefeitura com problemas orçamentários e outros problemas, estes
reproduzidos mesmo na democracia: concentração tributária na União,
pouca grana para os municípios.
Fonte: Rede Universidade Nômade
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