PICICA: "Ser um “casal grávido” é uma experiência libertária,
em que o homem também vive a gravidez acompanhando o desenvolvimento do
bebe se sentido grávido espiritualmente."
“Estamos grávidos!” – a gravidez a dois e o parto natural.
A gravidez foi um momento
muito importante, foi a experiência de ser um “casal grávido”, estar
juntos no pré-natal, nas ultrassonografias, na preparação física,
psicologia e (porque não?) espiritual para o parto. Tínhamos um
objetivo: estarmos igualitariamente juntos no nascimento do BB e ativos
durante o parto. Ser um “casal grávido” é uma experiência libertária,
em que o homem também vive a gravidez acompanhando o desenvolvimento do
bebe se sentido grávido espiritualmente. Além da solidariedade do pai
em, por exemplo, parar de beber junto comigo durante a gravidez e
amamentação. Esta solidariedade e compromisso com a gravidez por parte
do pai também é uma característica fundamental do “casal grávido”. Para
mim, o envolvimento do meu companheiro com a gravidez foi fundamental
para eu ter vivido um belo parto, o parto que eu idealizei.
No artigo “CASAL IGUALITÁRIO: princípios e
impasses” de Tânia Salem [1], a autora descreve o que seria o casal
igualitário no contexto do parto natural:
1) “intensa participação e envolvimento masculinos no decorrer da gestação, do mesmo modo que a presença do pai da criança no instante do nascimento é afirmada como condição sine qua non.Gravidez e parto são, em suma, concebidos como experiências que, mais do que dizendo respeito à parentela mais ampla, concernem ao casal, devendo, nessa medida, ser partilhadas ‘a dois’.
2) A segunda característica distintiva do ‘casal grávido’ reporta para seu intuito de realizar o parto da maneira mais ‘natural’ possível, vale dizer, com um mínimo de interferência médica. Mas alega-se que, para efetuá-lo, a mulher deve ser treinada com base em exercícios físicos especiais e que ambos os parceiros devem ‘preparar-se psicologicamente’ para o evento. Decorre daí que o ‘casal grávido’ se vê atrelado não só a obstetras que, como ele, se declaram críticos do sistema médico dominante, como também a profissionais de corpo e a psicólogos. A participação em grupos de preparação pré-natal, coordenados por esses diferentes especialistas, constitui outro traço marcante do objeto em pauta.”
A experiência do parto natural resultou
de uma escolha minha com apoio do meu companheiro que realmente me
ajudou ativamente a parir. Porém, meu desejo de um parto natural só foi
possível graças a uma das duas casas de parto que temos acesso em SP, a
Casa Ângela [2]. Caso contrário eu seria uma potencial vítima de
violência obstétrica [3] em qualquer hospital público ou privado. O tipo
de violência que atinge mulheres de todas as classes sociais. As
mulheres pobres são principais alvos de violência física, psicológica e
tortura no pré-parto, durante e no pós-parto e as mulheres das classes
média e altas são induzidas à cesáreas convencidas que seus corpos são
defeituosos a ponto de não poderem parir. Daí a importância do movimento
pela humanização do parto e por implantações de casas de parto em todos
os estados do Brasil, pois a cobertura que temos é violenta,
insuficiente e machista. Mas este é um tema que merece ser mais
aprofundado em um próximo post.
Para quem quer saber mais sobre o que o
Movimento do Parto Humanizada tem a ver com feminismo, achei este artigo
de uma antropóloga que pode começar a discussão: “ARMADILHAS DA NOVA
ERA: NATUREZA E MATERNIDADE NO IDEÁRIO DA HUMANIZAÇÃO DO PARTO”, de
CARMEN SUSANA TORNQUIST [4]. Neste artigo é destacado
“alguns dos valores individualistas/libertários ao campo da parturição e do nascimento, particularmente a sexualidade da mulher, a participação do pai no processo, a valorização do feto e do recém-nascido como um sujeito dotado de individualidade, tudo isso fruto da incorporação do ideal do ‘casal igualitário ou grávido’, cujo projeto familiar busca embaralhar os papéis de gênero particularmente no que tange aos cuidados com o filhos, incluindo-se aí a gestação e o parto. Nesse universo moral destacam-se ainda a valorização da natureza, a crítica à medicalização da saúde, a inspiração em métodos e técnicas não-ocidentais de cuidados com o corpo e a saúde, e a incorporação de outros profissionais na equipe de atendimento, já que os médicos serão vistos como símbolos máximos do poder e do saber biomédico que se critica.”
Outro trecho que merece ser destacado:
“A pedagogia do parto se coloca como uma tarefa da mulher moderna, que escolhe dar à luz, que é dona de seu corpo e de sua sexualidade: há um feminismo em todas essas imagens das mulheres cuja singularidade (um corpo capaz de gestar e parir) é valorizada como um espaço de poder e de saber. As mulheres são vistas como capazes de ter seus filhos com a mediação e apoio de outras mulheres, não lapidadas pela formação médica intervencionista.”
Durante a gravidez experimentei a
experiência única de deixar de fazer coisas que eu gostava em prol de
outra pessoa sem me sentir reprimida. Parei de fumar, de beber,
preservei minha saúde só porque ela estava dentro de mim. Porque me amar
sempre foi preservar meu direito de escolha, mas daí prejudicar meu
bebê por causa dos meus vícios… já não fazia mais sentido pra mim.
Sem dúvida entramos neste contexto
naturalista e libertário por querer o melhor para o nosso BB, trabalhar
nossa capacidade de “embaralhar” os papeis de gênero na gravidez e parto
obviamente no campo da cultura, e refletir sobre a estigmatização da
maternidade como algo dogmático ou patológico transferindo esse universo
para uma extensão da sexualidade, sendo um processo fisiológico e
natural. Ser dona do meu corpo, protagonista do meu parto, possuidora
dos meus plenos direitos reprodutivos e na contramão da medicina
ocidental.
“As mulheres parecem ter jovialmente interiorizado a alteridade viril sem abandonarem sua identidade feminina. A ocidental do século XX é uma verdadeira criatura andrógina que recusa recalcar sua bissexualidade psíquica original. Ao mesmo tempo viril e feminina, ela muda de papel e de função segundo os momentos do dia ou o período da vida (…) As mulheres atuais embaralham o jogo das identidades” (.Badinter, 1986a:11) (4).[1] Artigo na integra no link http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_09/rbcs09_03.htm
[2] Site da Casa Ângela http://www.casaangela.org.br/
[3] Leia a matéria da Carta Capital sobre violência obstétrica no link http://www.cartacapital.com.br/sociedade/na-hora-de-fazer-nao-gritou
[4] Artigo na integra no link http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n2/14972
Sobre Cris Roseno
Sou mulher, vadia, mãe, esposa, feminista, professora, socióloga, e anticapitalista.Fonte: Minha família libertária
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