PICICA: "O meu Maracanã, velho Maraca não reformado,
é o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, onde Jeremias e Daniel bailam
no ar como Zizinho e Didi bailaram nas quatro linhas. É o terreiro do
Axé Opô Afonjá, onde Xangô dançou pelo corpo de Mãe Aninha como Ademir,
feito raio, rasgou o campo em direção ao gol. O Maraca é a primeira
ponte do rio Capibaribe e todas as pontes de São Castilho. O meu estádio
é a ciranda de Lia e a areia da praia onde Lia dançou ciranda, pois
ali, na grama verde, um anjo de pernas tortas cirandou um dia."
27/02/2014 - Carnaval e luta com a Assembleia do Largo
Essa quinta-feira, dia 27, na Cinelândia, “Carnaval e Luta com a Assembleia do Largo”.
Exibição de Filmes, a partir das 18h;
- “O Maraca é Nosso”, de Norte Comum.
- “A Partir de Agora – as jornadas de junho no Brasil”, de Carlos Pronzato
Debate com Michael Hardt, autor junto com Antônio Negri de Império, Multidão & Commonwealth, a partir das 20h
E confraternização / encerramento surpresa após o debate.
Todxs estão convidadxs!!
Estamos na Rua e Permaneceremos na Rua!
Organização em parceria: Assembleia do Largo, Das Lutas e Rede Universidade Nômade.
Apoio: Coletivo Projetação e Norte Comum.
Réquiem Para o Maracanã
* por Luiz Antonio Simas
Moro no bairro do Maracanã. Da minha casa
ao estádio levo cinco minutos, se tanto. Já cansei de escutar, em dias
de clássico, o barulho da torcida soando aos meus ouvidos como a mais
bonita das sinfonias. O Maracanã parecia rugir na minha varanda,
farfalhando as cortinas e ventando em gol.
Não moro perto do Maraca por acaso. Quando
procurei apartamento para comprar, a proximidade do estádio foi um fator
decisivo. Realizei um alumbramento de moleque. Nunca cogitei morar
perto da praia, conhecer a Disney ou coisa parecida. Sempre imaginei a
felicidade como a chance de ir a pé, quando bem entendesse, ao estádio
que assombrava meus olhos de menino.
Jorge Luís Borges sonhava um paraíso
que fosse uma infinita biblioteca. O meu paraíso sempre teve traves,
redes, arquibancada e bola.
Mas o meu Maracanã morreu. É paraíso que já não há.
O meu Maracanã foi vítima da mania de
modernizar o eterno, profanizar o sagrado e tornar provisório, marcado
pelas vicissitudes do tempo, o que já transcendeu a esse próprio tempo, o
cronológico, e vive no território do mito.
Certa feita escrevi, em alguma madrugada de febre e bola, uma oração ao Maracanã. Eu rezei assim:
Que os deuses te salvem, Maracanã.
Não há dia em que eu pise no velho cais da
Praça XV sem lembrar que ali vivem, consagrados na memória das pedras,
os marujos que quebraram as chibatas da marinha de guerra do Brasil na
revolta de 1910.
Na materialidade bruta da Pedra do Sal
ressoam batuques de primitivos sambas e berram todos os bodes imolados
aos deuses que chegaram da África nos porões dos negreiros, acompanhando
seu povo. A Pedra do Sal tem um silêncio que grita Laroiê! nas noites.
Cada degrau da escadaria da ermida de Nossa
Senhora da Penha, a mais carioca das santinhas, materializa os milagres
e a dor – redentora – de milhares de joelhos esfolados em sacrifícios
de louvor e graças aos prodígios da Virgem.
Existem lugares de esquecimento,
territórios do efêmero – penso nos shoppings – e lugares de memória,
territórios de permanência. Esses últimos são espaços que, sacralizados
pelos homens em suas geografias de ritos, antecedem a sua própria
criação e parecem estar aí desde a véspera da primeira manhã do mundo.
O meu Maracanã é assim. É feito a Penha, a
Pedra e o Cais. Nasceu estádio de futebol antes do rio que lhe nomeia; é
carioca antes de Estácio de Sá; é de um tempo anterior ao tempo e foi
erguido perto da minha casa antes que a primeira flecha tupinambá
cortasse o céu da Guanabara.
O meu Maracanã, velho Maraca não reformado,
é o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, onde Jeremias e Daniel bailam
no ar como Zizinho e Didi bailaram nas quatro linhas. É o terreiro do
Axé Opô Afonjá, onde Xangô dançou pelo corpo de Mãe Aninha como Ademir,
feito raio, rasgou o campo em direção ao gol. O Maraca é a primeira
ponte do rio Capibaribe e todas as pontes de São Castilho. O meu estádio
é a ciranda de Lia e a areia da praia onde Lia dançou ciranda, pois
ali, na grama verde, um anjo de pernas tortas cirandou um dia.
Coisas de matéria e sonho.
Mas o Maraca é mais, muito mais, do que
tudo isso. É o templo onde oraram e comungaram brasileiros comuns –
feito eu, meu pai e meu avô. Sempre juntos, na alegria e na tristeza, na
vitória e na derrota, porque aqueles a quem os deuses da bola uniram no
cimento das arquibancadas, dinheiro nenhum, meu Maracanã , há de
separar.
Amém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário