PICICA: "creio,
com efeito, que existem pelo menos dois modos de enfrentar este novo real que
nos aflige tanto em escala global como local: ou bem tentamos apagá-lo da
realidade com todas as medidas de controle e segurança; ou bem tentamos decifrá-lo
para desativá-lo e efetuar uma forma de “explosão controlada”.
O
primeiro modo é o que promove o higienismo atual que invade boa parte das políticas
de saúde mental, tanto na Europa como na América. Se trata de reduzir o sintoma
a um transtorno que tem que sumir do mapa antes sequer de se perguntar pelo
sentido que encerra para cada sujeito que o sofre. Em vão, porque o sintoma é como
a cobra de sete cabeças que as reproduz de modo diretamente proporcional à operação
de cortá-las, tão saudável, diga-se de passagem.
Outro
modo,
este que a psicanálise continua a promover, desde sua aparição como um
novo discurso, é interrogar primeiro a bomba do real que há em cada
sujeito,
para fazê-la falar. Tratar a bomba do real por meio da palavra e da
linguagem nos permite decifrar seu
mecanismo simbólico, desativá-la se for
possível, ou bem mitigar seus efeitos com um dispositivo que pode ser
entendido, seguindo a analogia, como uma explosão controlada. Um
artífice de bombas sabe que deslocar a bomba para outro lugar, com a vã
ilusão de que assim
ela desaparece, é o pior dos procedimentos."
“Um momento mais e uma bomba explode.”
PFC Adolph Cello, 2 bombas desarmadas, 2ª Guerra |
“O
sujeito de nosso tempo vive, de fato, sob a ameaça constante de um real
que pode explodir a qualquer momento”, afirmou recentemente Bassols, em
entrevista concedida ao colega Manuel Ramirez, surpreendo-nos ao
apresentar o analista como um artífice do real. Com grande satisfação,
receberemos o colega Miquel Bassols, então Delegado Geral da AMP, em
nosso XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, quando nos brindará com
sua sempre viva participação em nossos debates e conversações. Confira,
a seguir, um pequeno extrato dessa instigante entrevista.
Esse "milagre" chamado linguagem1
O
Senhor destacou que vivemos no marco de um real que implica “que uma
bomba explode em qualquer momento”. Falou de duas maneiras de se
enfrentar “a bomba do real”. Como seria?
Miquel Bassols |
Especialmente
desde
o 11 de Setembro, o sujeito de nosso tempo vive, de fato, sob a ameaça
constante de um real que pode explodir a qualquer momento. “Um momento
mais e a bomba
explode”, é o exemplo que tomei de Lacan para ilustrar essa forma de
presença
de um real pré-traumático. Todas as medidas de segurança para tratar
este novo
real parecem seguir o destino daquela vinheta de um excelente humorista
gráfico
que se chama El roto, no qual se lê
o seguinte sinal de advertência
pendurado em uma cerca: “Por razões de segurança, não há segurança”. É a mesma
lógica que governa o sintoma que o sujeito traz à consulta com psicanalistas, como sua própria e pessoal “bomba
do real”.
E creio,
com efeito, que existem pelo menos dois modos de enfrentar este novo real que
nos aflige tanto em escala global como local: ou bem tentamos apagá-lo da
realidade com todas as medidas de controle e segurança; ou bem tentamos decifrá-lo
para desativá-lo e efetuar uma forma de “explosão controlada”.
O
primeiro modo é o que promove o higienismo atual que invade boa parte das políticas
de saúde mental, tanto na Europa como na América. Se trata de reduzir o sintoma
a um transtorno que tem que sumir do mapa antes sequer de se perguntar pelo
sentido que encerra para cada sujeito que o sofre. Em vão, porque o sintoma é como
a cobra de sete cabeças que as reproduz de modo diretamente proporcional à operação
de cortá-las, tão saudável, diga-se de passagem.
Outro modo, este que a psicanálise continua a promover, desde sua aparição como um novo discurso, é interrogar primeiro a bomba do real que há em cada sujeito, para fazê-la falar. Tratar a bomba do real por meio da palavra e da linguagem nos permite decifrar seu mecanismo simbólico, desativá-la se for possível, ou bem mitigar seus efeitos com um dispositivo que pode ser entendido, seguindo a analogia, como uma explosão controlada. Um artífice de bombas sabe que deslocar a bomba para outro lugar, com a vã ilusão de que assim ela desaparece, é o pior dos procedimentos.
É assim
que o psicanalista é uma espécie de “artifice do real” do sintoma para cada
sujeito. O psicanalista desativa a bomba com seu deciframento ou, não sendo assim,
realiza uma explosão controlada sob certas condições que são as que encontramos
no que chamamos transferência. O sintoma sob transferência é tratável de uma
forma que evita sua reprodução ao modo
de insuflá-lo mais sentido ou deslocá-lo para outro lugar.
Convém colocar à prova este procedimento e
verificar seus efeitos sempre com extremo cuidado, aprendendo sempre caso à caso.
A formação para isso não é rápida e sabe-se já, desde a origem da psicanálise,
que não pode reduzir-se ao melhor dos programas universitários. A Associação
Mundial de Psicanálise, no marco do Campo Freudiano, se dedica a criar e a
desenvolver em diferentes lugares do mundo os dispositivos necessários para
esta formação.
Tradução: Lilany Pacheco
Revisão: Fernanda Otoni Brisset
1 Fragmento da Entrevista de Manuel Ramírez a Miquel Bassols para Psicología Rosario/12: Ese "milagro" llamado linguaje - 16 gener 2014. Clique aqui para saber mais.
Fonte: XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
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