fevereiro 09, 2014

"ISA critica Globo por manipulação", por Lúcio Flávio Pinto

PICICA: "Na sexta-feria (17/1), o Jornal Nacional, da TV Globo, apresentou uma alentada reportagem, a maior que já produziu, sobre a construção da usina de Belo Monte. Para o Instituto Socioambiental (ISA), de São Paulo, foi uma matéria distorcida. O ISA acompanha o cumprimento das condicionantes estabelecidas quando da concessão da licença de instalação do canteiro de obras, no início de 2011, pela Norte Energia. E tem denunciado constantemente o não cumprimento e o atraso nos compromissos assumidos pela empresa."


 

BELO MONTE

ISA critica Globo por manipulação

 

Por Lúcio Flávio Pinto em 04/02/2014 na edição 784
Reproduzido do Jornal Pessoal nº 553, da 2ª quinzena de janeiro/2014; intertítulo do OI

Na sexta-feria (17/1), o Jornal Nacional, da TV Globo, apresentou uma alentada reportagem, a maior que já produziu, sobre a construção da usina de Belo Monte. Para o Instituto Socioambiental (ISA), de São Paulo, foi uma matéria distorcida. O ISA acompanha o cumprimento das condicionantes estabelecidas quando da concessão da licença de instalação do canteiro de obras, no início de 2011, pela Norte Energia. E tem denunciado constantemente o não cumprimento e o atraso nos compromissos assumidos pela empresa.

Marcelo Salazar, representante do instituto em Altamira, denunciou ao repórter Marcos Losekan os impactos sobre a saúde, as populações indígenas e a falta de transparência sobre os investimentos realizados. Para ele, os projetos em curso poderiam trazer políticas públicas para a região, que isso já estava começando a acontecer, mas que tais políticas eram direitos dos cidadãos e deveriam acontecer independentemente de grandes obras. Mas sua declaração foi cortada, distorcendo o sentido do que foi dito. Além disso, relatou o ISA numa nota, a reportagem deixou de mostrar alguns exemplos de condicionantes ainda não cumpridas ou em atraso, que Marcelo mencionou, tais como:

– A construção de um sistema de abastecimento de água potável e de coleta e tratamento de esgoto em Altamira, principal cidade atingida pela usina, que começou com dois anos de atraso. Se a usina estiver pronta antes do aterro e do sistema de esgoto entrarem em pleno funcionamento, a parte do reservatório do rio Xingu corre sério risco de virar um lago contaminado.

– A forma como a floresta está sendo desmatada para a construção da usina, descumpre, todos os planos aprovados pelo Ibama, que qualificou o canteiro de obras como um “sumidouro de madeira”. A empresa responsável pela obra vem comprando imensas quantidades de madeira em vez de aproveitar o que desmatou para aproveitamento no canteiro.

– Os programas de prevenção ou diminuição dos impactos relacionados à saúde indígena e à proteção territorial e dos recursos naturais dos índios não saíram do papel. Os índices de saúde demonstram o descaso. Em 2012, nove em cada dez crianças indígenas das aldeias atingidas por Belo Monte apresentaram diarreia aguda por mais de uma vez. Os técnicos do Ibama e da Fundação Nacional do Índio (Funai) atestaram o descompasso entre a construção da usina e o cumprimento das medidas de mitigação e compensação de impactos.

Orçamento descompassado

“Finalmente – diz ainda a nota – a reportagem do telejornal omitiu que a Justiça paralisou a obra inúmeras vezes pelo não cumprimento de obrigações socioambientais e que o governo derrubou todas as ações com base em um instrumento denominado suspensão de segurança, criado durante a ditadura militar, que se baseia no argumento de que o cronograma da obra é mais relevante que os direitos das populações atingidas”.

O ISA lamentou “que a opção editorial tenha sido a de não mostrar o contraditório, mas apenas exibir a posição da empresa e reitera que continuará a denunciar atrasos e violações de direitos associados à obra. A rigor a Norte Energia só deverá obter a licença de operação de Belo Monte, se tiver cumprido todas as condicionantes estabelecidas para mitigar e compensar todos os impactos causados às populações locais”.

A palavra de ordem final do instituto foi: “Desenvolvimento Sim, de qualquer jeito, Não!”

A empresa pode alegar em sua defesa que algumas dessas obras deviam ser de responsabilidade do governo, o que é fato. Mas quando assinou o contrato para a construção da usina aceitou se encarregar dessas tarefas como condição para a hidrelétrica funcionar. Logo, se o orçamento da usina está em descompasso com o das compensações e mitigações, deve ser acionada para ajustar os dois tempos, sob pena de sanções contratuais e legais. Se isso pode mudar em próximas obras, é coisa que aqui se vem discutindo há tempos, como se falássemos para o deserto.

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA) 
 

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