PICICA: "A complexidade de conjuntura das ruas e dos diversos grupos, coletivos e indivíduos que constroem as manifestações e criam resistências através de discursos e ações supera qualquer breve contextualização. O que apresentamos aqui é um voo sobre a superfície do que é construído através de organismos políticos de deliberação. Num primeiro momento, as mobilizações mantiveram um caráter estudantil, seguindo as tradicionais formas de deliberação que os estudantes organizados utilizam historicamente nesta cidade. Contudo, a centralização das decisões produzida pelos métodos típicos dos partidos políticos e seus braços estudantis logo produziram dissidências nos fóruns. O que se tem hoje é um desejo profundo de horizontalidade na estrutura de deliberação e construção da luta, portanto, nada mais coerente do que se viu no Rio: a sequência entre esvaziamento de fóruns centralizados e proliferação de assembleias horizontais. Esse processo foi notado ainda em 2013 com o aparecimento de assembleias populares como a do Largo de São Francisco (desdobramento imediato do desapontamento com o fórum de lutas contra o aumento das passagens), a assembleia da câmara (inicialmente ligada à ocupação da câmara dos vereadores, mas que mantém suas atividades mesmo após as desocupações da câmara municipal e da praça em frente) e assembleias regionais ou de bairro como a do Méier, Tijuca, da Fronteira e Zona Oeste."
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O que se viu até hoje na história foram vanguardas “iluminadas”
tentando conduzir revoluções e logo se convertendo nas mais
conservadoras elites. O que se vê é a invisibilidade proposital e um
cruel apagamento dos registros históricos das práticas de conselhos de
trabalho, assembleias regionais e de bairros durante tais processos
revolucionários. Precisamos de mais análises críticas para entender o
papel desses organismos espontâneos e populares que se criam em momentos
de efervescência política. Eles surgem da necessidade de ruptura com os
métodos em vias de serem superados e com os espaços que já não mais
correspondem às necessidades organizativas. Organismos quase sempre
destruídos pelo centralismo das velhas instituições partidárias que
almejam controlar as estruturas do Estado, ignorando (ou não) que não
será através dos espaços institucionais capitalistas que se criará uma
ordem social justa e liberta."
As assembleias populares na luta pela liberdade no Rio de Janeiro
Por Fernando Monteiro
Durante o ano de 2013, as lutas populares avançaram na cidade do Rio de Janeiro. Lutas que ganharam corpo no movimento contra o aumento das passagens e que geraram um debate mais amplo sobre o sistema de transportes coletivos do estado e dos municípios. Rapidamente, a tomada das ruas pelas multidões gerou uma variedade muito maior de pautas, incluindo o direito à moradia, o questionamento da estrutura representativa dos movimentos tradicionais - especialmente com a atuação ambígua do SEPE na luta dos profissionais da educação -, a invisibilidade das camadas marginalizadas e periféricas da sociedade, a opressão racial e de gênero, os altos gastos públicos com a Copa do Mundo FIFA etc. As mobilizações massivas abriram a caixa de pandora das mazelas sociais brasileiras. Os cariocas se olharam no espelho e não gostaram do que viram, muitos abandonaram as ruas sob diversos pretextos que iam desde a suposta violência dos Black Blocs ao risco de cooptação pela direita. Uns bradavam a ameaça de golpe fascista, outros se assustavam e retraiam-se diante do o golpe fascista que já foi dado: a extrema violência policial sob os auspícios de governos. As justificativas para o esvaziamento das ruas foram tão heterogêneas quanto a multidão. Contudo, este esvaziamento não significou o fim das mobilizações, pelo contrário, elas se espalharam pelo o espaço geográfico da cidade e mantiveram uma frequência de Junho a Dezembro, sendo renovadas no começo do corrente ano.
A complexidade de conjuntura das ruas e dos diversos grupos, coletivos e indivíduos que constroem as manifestações e criam resistências através de discursos e ações supera qualquer breve contextualização. O que apresentamos aqui é um voo sobre a superfície do que é construído através de organismos políticos de deliberação. Num primeiro momento, as mobilizações mantiveram um caráter estudantil, seguindo as tradicionais formas de deliberação que os estudantes organizados utilizam historicamente nesta cidade. Contudo, a centralização das decisões produzida pelos métodos típicos dos partidos políticos e seus braços estudantis logo produziram dissidências nos fóruns. O que se tem hoje é um desejo profundo de horizontalidade na estrutura de deliberação e construção da luta, portanto, nada mais coerente do que se viu no Rio: a sequência entre esvaziamento de fóruns centralizados e proliferação de assembleias horizontais. Esse processo foi notado ainda em 2013 com o aparecimento de assembleias populares como a do Largo de São Francisco (desdobramento imediato do desapontamento com o fórum de lutas contra o aumento das passagens), a assembleia da câmara (inicialmente ligada à ocupação da câmara dos vereadores, mas que mantém suas atividades mesmo após as desocupações da câmara municipal e da praça em frente) e assembleias regionais ou de bairro como a do Méier, Tijuca, da Fronteira e Zona Oeste.
Além das assembleias nas ruas, foram experimentadas outras formas de organização e discussão através das redes sociais digitais, mas, o acesso desigual à internet ainda restringe o alcance e a eficácia dessas iniciativas. Por isso, as ruas e praças ainda são – e parecem estar longe de deixar de ser – os melhores espaços para construção dos processos de resistência popular, de relações anti e pós-capitalistas e para o debate do direito à cidade ou qualquer outra questão que clame por práticas plenamente democráticas, portanto, libertárias. Em outras palavras, construímos a cidade ao transformamos sua ocupação em prática cotidiana. É nas ruas e praças que alinhamos nossos desejos, construímos consensos e trabalhamos os dissensos, e este é o momento de avançar na expansão e construção de novas assembleias e no fortalecimento das que já foram construídas, promover o LIVRE DIÁLOGO entre elas e criar as pautas da cidade através das contingências urgentes geradas pelas interseções geográficas, afinidades e aproximações metodológicas de cada organismo autônomo.
Através do fortalecimento dessas práticas podemos gerar uma estrutura eficaz para a continuidade e o fortalecimento das lutas vivas na cidade do Rio de Janeiro. É o desejo de multiplicidade de métodos, táticas e espaços de deliberação se somando, mas não se restringindo aos fóruns universitários. Parece bem evidente que, a partir das assembleias regionais e de bairro, o povo pode exercitar a democracia e aliar o âmbito político ao econômico nas práticas que levarão as mudanças que desejamos. Acusarão de utopia a produção de uma estrutura política distribuída, livre e democrática para a gestão de nossa cidade. Desacreditarão que com essas práticas políticas possam surgir estruturas econômicas alternativas às vigentes. Mas a efetivação da emancipação popular e da liberdade é possível!
O que se viu até hoje na história foram vanguardas “iluminadas” tentando conduzir revoluções e logo se convertendo nas mais conservadoras elites. O que se vê é a invisibilidade proposital e um cruel apagamento dos registros históricos das práticas de conselhos de trabalho, assembleias regionais e de bairros durante tais processos revolucionários. Precisamos de mais análises críticas para entender o papel desses organismos espontâneos e populares que se criam em momentos de efervescência política. Eles surgem da necessidade de ruptura com os métodos em vias de serem superados e com os espaços que já não mais correspondem às necessidades organizativas. Organismos quase sempre destruídos pelo centralismo das velhas instituições partidárias que almejam controlar as estruturas do Estado, ignorando (ou não) que não será através dos espaços institucionais capitalistas que se criará uma ordem social justa e liberta.
Este é um apelo para que todos nós, coletivos e indivíduos, organizações e mentes livres, depositemos mais de nossos esforços na construção dessas estruturas horizontais, para que possibilitemos os encontros entre os corpos que lutam. Deles poderão surgir os métodos e estruturas adequadas para as necessidades de qualquer conjuntura. Encontraremos um ou mais caminhos através da prática e do exercício cotidiano da micropolítica pulverizada por todos os espaços possíveis.
Saudações Libertárias
Fonte: Das Lutas
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