Fonte: IBGE
Mulheres de OlhoDemografia, mitos e direitos
23 Jul 2008 11:21 AM
A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), realizada pelo CEBRAP com recursos do Ministério da Saúde e sobre a qual publicamos aqui breve entrevista com uma das pesquisadoras (Laura Wong), mostrou que entre 1996 e 2006 a taxa de fecundidade total no Brasil, caiu de 2,5 para 1,8 filho por mulher. Esta redução, mais acentuada do que as estimativas do IBGE, foi maior entre mulheres com menos escolaridade, nas áreas rurais (de 3.4 para 2.0) e nas regiões Norte (de 3.7 para 2.3 filhos por mulher) e Nordeste (de 3,1 para 1,8 filhos por mulher).
Com estes dados o Brasil se aproxima de países da Europa, Ásia oriental e Pacífico, afastando-se dos países onde as taxas chegam a mais de cinco filhos por mãe: África Subsaariana, Timor Leste, Afeganistão, Djibuti e Iêmen.
Em reportagem de Antônio Gois publicada nesta segunda feira, 21, na Folha de S.Paulo, a demógrafa que coordenou a PNDS, Elza Berquó (CBRAP), apontou alguns dos fatores que contribuíram para essa diminuição:
* maior uso -especialmente por parte da população jovem- de preservativos;* diversificação dos métodos contraceptivos permitindo às mulheres mais opções antes da decisão de caráter definitivo como a esterilização;* melhoria da escolaridade da mulher;* maior participação no mercado de trabalho;* disseminação, principalmente por meio da TV, de um modelo de família menor, com novos padrões de consumo.
“Essas mulheres querem ter mais acesso aos bens anunciados, ao mesmo tempo em que desejam investir melhor na educação e na preparação dos filhos para a vida”. (Elza Berquó)
Enfrentar o desafio e evitar o mito
A teoria mostra que, para que o tamanho de uma população fique estável, a taxa de fecundidade deve ser de dois filhos por mulher, que é o chamado “nível de reposição”. Acima disso, há crescimento demográfico. Abaixo, há declínio. Com uma Taxa de Fecundidade Total de 1,8 filhos por mulher, o Brasil está posicionado abaixo do nível de reposição. E segundo tem dito outra pesquisadora do PNDS, Susana Cavenaghi, a fecundidade desejada da mulher brasileira é ainda menor: 1,6 filhos por mulher.
Demógrafos/as apontam que a queda da fecundidade, além de reduzir o ritmo de crescimento populacional, provoca também grande mudança na estrutura etária. Aí reside um grande temor. Ter uma proporção cada vez maior de idosos/as antes do tempo previsto, traz um impacto no cálculo das aposentadorias e desafios para políticas públicas, que terão que se adaptar à estrutura populacional envelhecida.
José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, cita entre estes desafios o aumento dos investimentos em saúde para atender melhor aos idosos, e a garantia do equilíbrio das contas da Previdência. Carlos Guerra, vice-presidente da Federação Nacional de Previdência Privada, acrescenta:
“O equilíbrio ideal é ter cinco contribuintes para cada inativo, mas já estamos nos aproximando da situação de um para um”.
Entretanto, Diniz Alves relativiza a questão. Para ele, não há motivo de apavoramento com a redução da população, pois ela pode ser boa ou ruim, a depender da resposta que vem da sociedade e que vem das políticas públicas, diante desta situação. Ele alerta que não se deve trocar o mito da ‘explosão populacional’ pelo da ‘implosão populacional’.
Uma taxa de fecundidade menor pode significar oportunidades, aproveitadas pelo país para acelerar o crescimento econômico. Se a população em idade ativa começa a ser maior do que a inativa – trabalhador/a com menos crianças ou menos pessoas idosas para sustentar – ela pode ser mais produtiva. Neste momento, é importante investir mais na infância, já que menos crianças nas escolas, a cada geração, pode significar mais recursos por aluno/a. Mas para haver este aproveitamento é preciso dar oportunidades de trabalho à população em idade de trabalhar. E esta ‘janela de oportunidade’ tem prazo para terminar. A partir de algum momento, a queda no número de crianças será compensada pelo aumento no total da população idosa, fazendo com que a proporção de dependentes passe a crescer novamente. Ele afirma:
“Antes do envelhecimento e da redução da população, o Brasil vai passar por uma janela de oportunidade demográfica que possibilitará uma arrancada do desenvolvimento e um aumento da qualidade de vida, desde que este bônus seja inteligentemente aproveitado”.
No artigo “A baixa fecundidade brasileira e seus impactos nas projeções populacionais”, Diniz Alves, que é Professor titular da ENCE e coordenador da Pós-graduação do IBGE, reconhece que o assunto é polêmico. Seu texto contribui para deslindar esta polêmica e ampliar o debate, introduzindo elementos do campo dos direitos.
Através de gráficos que mostram a situação atual e projetam situações para o futuro, são ressaltados detalhes relevantes: a fecundidade, que apresentou redução em todas as faixas educacionais, permaneceu acima do nível de reposição (mais de 2 filhos por mulher) entre as mulheres menos escolarizadas (com no máximo 4 anos de estudo); há uma a diferença desta taxa entre mulheres brancas (1,5 filhos) e negras (2,0 filhos por mulher); manteve-se o processo de rejuvenescimento no dado sobre fecundidade, ou seja, a fecundidade das mulheres de 15 a 24 anos -que representava 47% da fecundidade total em 1996- passou a representar 53% em 2006.
O resultado da PNAD não permite saber se a queda da fecundidade vai ser manter, se estabilizar ou voltar a subir. Mas a teoria aponta para a continuidade da queda, já que há uma relação inversa entre fertilidade e crescimento econômico e melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e 2007 e 2008 foram os melhores anos em termos de crescimento do PIB brasileiro na década. E um período em que se acentuou a tendência de redução da desigualdade com maior urbanização, industrialização, monetarização, assalariamento, secularização, etc; e com transformações institucionais e das políticas públicas como educação, saúde, previdência, telecomunicações, crédito ao consumo, mudanças nas relações de gênero, etc. Para Diniz Alves:
“Existem dúvidas também sobre as conseqüências sociais e econômicas deste processo. Contudo, antes de atingirmos o envelhecimento pleno, o Brasil vai passar por um período em que a estrutura etária será favorável ao crescimento econômico e à solução de problemas sociais, como na saúde e na educação. Convencionou-se chamar este processo de bônus demográfico ou janela de oportunidade demográfica”.
Direitos reprodutivos em foco
Se a queda da fecundidade continuar, teremos uma transformação demográfica muito grande, cujos efeitos são definidos a depender do tipo de abordagem. Há quem acredite que a eventual queda da população e envelhecimento populacional dificultaria o crescimento econômico. Há quem considere que uma redução da população pode ser benéfica na medida em que diminui a pressão sobre os recursos naturais e o meio ambiente, possibilitando um aumento da qualidade de vida e não um simples aumento do PIB nacional. Para Diniz Alves, o importante é saber aproveitar o momento favorável, antes do envelhecimento e da redução da população. E aproveitar, sobretudo, na educação, melhorando a cobertura e a qualidade do ensino.
O Brasil saiu da etapa da tão falada ‘explosão populacional’, quando políticos e setores neomalthusianos pregavam o controle da natalidade como pré-requisito para o desenvolvimento e o combate à pobreza, em franca ameaça aos direitos sexuais e reprodutivos e à autodeterminação reprodutiva.
Com a fecundidade abaixo do nível de reposição, essas políticas se tornaram anacrônicas, mas surgiram outras políticas que ameaçam os direitos sexuais e reprodutivos, que é o mito da ‘implosão demográfica’. E neste ponto o autor lembra a Igreja Católica, que interpreta este momento como de ‘suicídio populacional’, “com toda a carga negativa que a palavra suicídio possui para a religião”:
“Setores da sociedade identificados com o conservadorismo moral e o fundamentalismo religioso usam o fenômeno da fecundidade abaixo do nível de reposição para atacar a prática do aborto, a pílula do dia seguinte e outros métodos contraceptivos”.
Tanto a ‘explosão’ quanto a ‘implosão’ populacional são mitos. O importante é analisar a dinâmica demográfica com ela se dá na realidade:
“Não há porque ficar apavorado com a redução populacional. Ela pode ser boa ou ruim dependendo de como a sociedade e as políticas públicas respondem a este novo desafio”.
Angela Freitas/ Instituto Patrícia Galvão
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