julho 17, 2008

O ministro, os pobres e as algemas

O ministro, os pobres e as algemas

"A PF não tem critério de classe: se achar que deve fazer a prisão comalgema, que faça. Se for feita uma lei dizendo que pobre pode ser algemado, jogado no camburão e exposto à execração pública e rico não pode, a PF vai ter de cumprir, mas não comigo como ministro da Justiça." Tarso Genro, 09/07/08 (Correio Braziliense, 10/07/08)

De modo inequívoco o ministro Tarso Genro declarou que enquanto ele for ministro a Polícia Federal vai algemar pobre e rico sem distinção porque não há lei que determine o contrário. Foi assim que ele se posicionou quando questionado sobre a hipótese de haver abuso e espetacularização nas prisões de Daniel Dantas, Nagi Nahas e Celso Pitta. O ministro está certo, mas se lembra só de uma parte da lei. Há um equívoco, portanto.

A mesma constituição que proíbe discriminar os pobres (CF, art. 5º., caput) inclui também as regras de que ninguém será submetido a tratamento degradante, que a honra e a imagem das pessoas são invioláveis (art. 5º., incisos iii e x) principalmente a garantia de que todos são presumidamente inocentes até que sua culpa esteja demonstrada de modo irreversível (incisolvii).

As injustiças contra a imagem e a dignidade de uma pessoa - por singulares e incomparáveis que são- nunca são reparadas restituindo a situação anterior, talvez possam ser indenizadas. O crime cometido contra Ibsen Pinheiro naquela vaga moralizadora e moralista que foi a caça aos anões do orçamento bem nos serve de advertência hoje. Os mais novos talvez não lembrem que Presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen foi destituído e cassado como sendo membro da máfia do orçamento em 1993. Só mais de 10 anos depois ele pode provar ter sido vítima de jornalistas inescrupulosos (certamente aliados a políticos de igual calibre). É esse risco de ser injustamente execrados e expulsos da vida pública que correm todos aqueles que forem presos, mesmo aqueles que sejam presos para prestar informações ou testemunhar, esses também. Esses também serão expostos na tv e nos jornais e malditos por serem bandidos. O pequeno e sumário julgamento e a execução que a polícia leva a cabo é irreversível porque nenhum desmentido posterior apaga os dias, semanas, ou meses em que se esteve virtualmente condenado. E isso sem contar que os desmentidos ou esclarecimentos nunca tem um décimo do destaque na mídia do que tem as prisões espetaculares.

O uso de algemas contra quem não demonstra nenhuma intenção, ou pior, não tem sequer condições de resistir à prisão, não tem justificativa prática. Seu objetivo é obviamente simbólico. É o de expor ao vexame o preso, mostrá-lo diminuído e dominado pela polícia. Esse tratamento degradante não só é proibido pela Constituição, é proibido pelas Convenções de Genebra deAgosto de 1949. Em tempo de guerra os civis serão "tratados com humanidade"e protegidos contra atos de "intimidação, contra os insultos e a curiosidade pública." (IV Convenção, art. 27). Os combatentes uma vez feitos prisioneiros tem as mesmas garantias (III Convenção, art. 13). Em resumo, o tratamento que a polícia no Brasil dispensa aos cidadãos brasileiros presos é pior do que aquele recebido por combatentes inimigos aprisionados por um exército.

Descobrir o motivo desse comportamento não exige grandes ou profundas reflexões. Diante da lentidão paquidérmica com que se move o nosso processo penal, as cenas de prisão na tv ou as manchetes nos jornais parecem ser o único momento possível de vingança da população contra seus inimigos, seja ele o corrupto ou o ladrão de galinhas, já que a justiça, se vier, virá muito tarde e será ineficaz.

Essa crença no fetiche das soluções mágicas e rápidas é compreensível numa sociedade dividida por classes ao modo da nossa. A reificação é filha da alienação. É mais fácil se consolar com a foto de um corrupto algemado do que reformar o processo penal e o judiciário para que a sentença e os recursos não se arrastem por décadas. Só não é compreensível é o que o Ministro da Justiça defenda algemas para todos. Tarso Genro tem um currículo, político e intelectual, e uma conduta como ministro de todo irrepreensíveis.

Causa espanto que alguém admita que uma ilegalidade seja justificada pela outra, pois tanto é ilegal algemar para humilhar o pobre quanto para humilhar o rico. E isso tem também um efeito perverso que nos desvia nossas energias do tema mais grave: a necessidade de educar a polícia e impedir seus abusos. Os abusos, afinal, não estão desconexos, se se admite o abuso com o rico se admite com o pobre, se se admite prender e bater, até arrebentar, porque não matar?

Everaldo Fernandez, professor da Universidade Federal do Amazonas, licenciado.

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Leia mais sobre o assunto:

Terça-Feira, 15 de Julho de 2008

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080715/not_imp206057,0.php#comentar>

Lula condena uso de algemas e espetáculo

Presidente admite aos ministros que PF pode ter cometido abusos

Vera Rosa

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenou ontem o uso indiscriminadode algemas e o "sensacionalismo" da Polícia Federal na Operação Satiagraha, que teve como principal alvo o banqueiro Daniel Dantas. Em reunião com os ministros que compõem a coordenação política do governo, Lula cobrou menos espetáculo nas investigações e manifestou preocupação com a legalidade das ações dos agentes federais.

"Para que humilhar uma pessoa se ela se dispõe a prestar esclarecimento e tem endereço fixo?", perguntou Lula, que retornou ontem ao Planalto após oito dias de viagem por Japão, Vietnã, Timor Leste e Indonésia. "Eu sou contra essa exposição desnecessária, antes de comprovada a culpa.

"Além de Dantas, o megainvestidor Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta saíram algemados por agentes da PF quando foram presos. Pitta chegou a ser filmado de pijamas quando recebeu a polícia em casa.

Escalado para falar sobre o tema na reunião, o ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou que o único reparo a fazer dizia respeito à forma como a operação foi divulgada para uma emissora de TV. Ao contrário de Lula, Tarso defendeu o uso das algemas - sob a alegação de que não se sabe quando os suspeitos mostrarão resistência à prisão -, mas concordou que a operação deflagrada para combater crimes financeiros e desvio de recursos públicos poderia ter sido mais discreta.

Aborrecido com a divulgação das conversas grampeadas envolvendo seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, Lula disse ontem que a PF pode ter cometido abuso.

Embora ministros afirmem que "não teve nada demais" a conversa telefônica interceptada entre o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT) - advogado de Dantas - e Carvalho, o clima é de cautela.

Lula avalia que a Operação Satiagraha pode ter desdobramentos imprevisíveis. Além das ameaças do banqueiro de apontar a metralhadora para o Planalto epara o PT, os próprios petistas se engalfinham em disputas.

Greenhalgh e o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu dizem que Tarso usa a PF para tirar dividendos políticos próprios. Ele, por sua vez, avisa que não vai proteger ninguém do PT nas investigações.

Na reunião com o núcleo de governo, Tarso afirmou que somente a aprovação do projeto de lei que estabelece regras para as escutas telefônicas, parado no Congresso, pode impor maior controle aos grampos, impedindo excessos.

A proposta, que prevê mais rigor na seleção de conversas pessoais, foi enviada pelo Ministério da Justiça à Câmara há sete meses e até hoje está embanho-maria. "Se esse projeto tivesse sido votado, possivelmente alguns erros não teriam sido cometidos", disse Tarso ao Estado.

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