julho 11, 2008

A ovelha negra

A OVELHA NEGRA

Ítalo Calvino ©

Tradução: Aníbal Beça

Era uma vez um país onde todos eram ladrões. À noite cada um dos habitantes saía com uma gazua e uma lanterna para ir saquear a casa de um vizinho. Ao regressar de madrugada carregado encontrava sua casa saqueada. E todos viviam em concórdia e sem briga porque um roubava do outro e este a outro e assim sucessivamente, até chegar ao último que roubava o primeiro.

Nesse país o comercio só se praticava de forma suspeita com corrupção, tanto por parte do que vendia como do que comprava. O governo era una associação criada para delinqüir em prejuízo dos súditos. E por seu lado os súditos só pensavam em fraudar o governo. A vida transcorria sem tropeços e não havia nem ricos nem pobres.

Não se sabe como apareceu no país um homem honrado. À noite, em lugar de sair com a bolsa e a lanterna, ficava em casa fumando e lendo romances. Chegavam os ladrões, viam a luz acesa e não subiam. Isto durou um tempo; depois o fizeram entender que se ele queria viver sem fazer nada não era uma boa razão para não deixar fazer aos demais. Cada noite que passava em casa era uma família que não comia no dia seguinte.

Diante destas razões o homem honrado não podia ir contra. Também ele começou a sair pela noite para regressar com a Alba; mas não ia roubar. Era honrado, não havia nada que fazer. Ia até a ponte e ficava olhando a água passar. Voltava par casa e a encontrava roubada.

Em menos de uma semana o homem honrado ficou sem um centavo, sem ter o que comer e com a casa vazia.

Mas até aí não havia nada a dizer por que era culpa sua; o mal era que com esse modo de proceder nascia uma grande desordem.

Porque ele se deixava roubar e, no entanto, não roubava ninguém; de modo que havia alguém que ao regressar encontrava sua casa intacta, a casa que ele deveria ter assaltado.

Certo tempo depois, os que não eram roubados chegaram a ser mais ricos que os outros e não quiseram continuar roubando. Por outro lado os que iam roubar a casa do homem honrado a encontravam sempre vazia; de modo que voltavam sem nada, pobres.

Entretanto, os que ficaram ricos se acostumaram também ir até a ponte à noite para ver a água correr. Isto aumentou a confusão, porque acabou que muitos outros ficaram ricos e muitos outros ficaram pobres. Mas os ricos viram que, indo de noite à ponte, em pouco tempo voltariam a ser pobres e pensaram: “Paguemos os pobres para que eles saiam roubando por nossa conta".

Foram firmados contratos, se estabeleceram os salários, as porcentagens. Naturalmente continuavam ladrões e tratavam de enganarem-se uns aos outros. Mas, como sói suceder, os ricos se faziam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

Havia ricos tão ricos que já não tinham necessidade de roubar ou de fazer roubar para seguir sendo ricos. Mas se deixavam de roubar voltavam a ser pobres porque os pobres lhes roubavam. Então, pagaram aos mais pobres dos pobres para defender dos outros pobres suas próprias casas e assim foi como instituíram a Policia e construíram os cárceres.

Poucos anos depois do advento do homem honrado já não se falava de roubar ou de ser roubados, mas de ricos ou de pobres e, no entanto, todos continuavam sendo ladrões.

Honrado só havia existido aquele Fulano e não demorou a morrer de fome.
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