janeiro 10, 2009

Carta dos Supervisores de CAPS da Rede de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro

Foto: Luis - Penha - Rio de Janeiro - Publicada em www.skyscrapercity.com
CARTA DOS SUPERVISORES DE CAPS DA REDE DE SAÚDE MENTAL DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

dirigida aos
Trabalhadores de saúde mental,
à Comunidade ampla de Trabalhadores de Saúde e
à Gestão Municipal de Saúde e de Saúde Mental


Todos nós conhecemos, por dentro, ainda que em diferentes níveis e modos de exercício profissional, o Campo da Saúde Mental, e portanto experimentamos de perto seus celebráveis êxitos, seus impasses, seus avanços mas também seus eventuais fracassos, com os quais, nos melhores casos, aprendemos a produzir novos avanços.

Conhecemos, assim, a enormidade da tarefa de mudar radicalmente o mapa da assistência praticada no Brasil aos portadores de doença mental, historicamente caracterizada pelas práticas de asilamento e exclusão social, destituídas de toda e qualquer forma de tratamento e assistência ao grave sofrimento psíquico, com freqüente ruptura de laços sociais, falta e suporte familiar e de sustentação de vínculos comunitários, entre outras misérias.

Há mais de 20 anos muitos de nós vêm lutando diuturnamente com essa realidade, que se constitui para nós, sem dúvida alguma, como um campo de exercício profissional e de trabalho – e não de sacerdócio ou sacrifício – mas também como uma causa ética e política.

No Município do Rio de Janeiro, vimos construindo – gestão, trabalhadores e supervisores, uma rede de atenção psicossocial importante, que vem tentando responder de forma territorial e intersetorial às demandas, exigências e desafios que o campo da saúde mental impõe em uma cidade com a complexidade metropolitana do Rio de Janeiro, e dentro das diretrizes da atual política pública de saúde mental brasileira (elaborada de forma democrática e pactuada por diferentes setores sociais envolvidos).

Na construção da rede de atenção psicossocial do município do Rio de Janeiro, uma particularidade se destaca, marcando uma diferença em relação às experiências de construção de rede de outras metrópoles brasileiras: trata-se da prática da supervisão clínico-institucional em todo serviço de alta complexidade, intensividade e base territorial (CAPS II, CAPSi e CAPS-AD): em todos eles, a gestão municipal de saúde mental (que mantém a mesma equipe desde o início da construção da rede, há cerca de 15 anos), sempre sustentou o trabalho dos supervisores nesses serviços, sempre garantiu a prática da supervisão, hoje estendida para a rede territorial que é articulada pelo CAPS presente no território.

Este é um aspecto a ser destacado, não apenas porque constitui uma particularidade de nossa cidade, mas porque garante que o trabalho de construção de rede se faça de forma infinitamente mais eficaz, na articulação das dimensões clínica e política, interna e externa ao serviço, de tratamento em sentido estrito e de criação/extensão de laços sociais comunitários dos usuários, aspecto que não se dissocia do tratamento tal como proposto por uma clínica concebida como ampliada e anti-manicomial.

Caracterizamos este quadro para dar lastro a uma posição que tomamos, como supervisores clínico-institucionais de CAPS, em primeiro lugar, mas como trabalhadores de saúde mental, de forma mais ampla, diante de uma situação político-administrativo-trabalhista que se colocou para nós: por vicissitudes que vieram a inviabilizar ou exigir a reconfiguração de alguns Termos de Cooperação Mútua mantidos pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro com organizações da sociedade civil que, submetidas aos critérios públicos quanto às condições de trabalho e pagamento, vinham viabilizando a contratação dos profissionais supervisores, vimo-nos diante da contingência de ficar, no mínimo, 3 meses sem recebermos remuneração por nossos serviços.

Três opções, no mínimo, se colocariam:

1) parar de trabalhar por este período, até que as condições de contratação e remuneração se estabelecessem;

2) continuar trabalhando sem nenhuma reação ou discussão, como se nada tivesse havido, em função da indiscutível relevância de nosso trabalho, reconhecido e demandado pelas equipes de trabalhadores; Recusando veemeentemente essas duas opções, decidimos por tomar uma terceira posição:

3) seguir trabalhando sim, em condições a serem estabelecidas pelo conjunto dos supervisores mas respeitando as particularidades de cada equipe e de cada serviço, mas sobretudo produzindo uma discussão capaz de politizar essa situação, em uma clara demonstração à gestão municipal, à comunidade de trabalhadores com os quais trabalhamos, à comunidade mais ampla de trabalhadores de saúde mental e de saúde, à população com que trabalhamos e à sociedade em geral que entendemos:

a) que nosso trabalho é fundamental e que por isso não o interromperemos;

b) que entendemos o empenho histórico da atual gestão em garantir a supervisão clínico-institucional em todos os serviços territoriais da cidade, o que confere credibilidade à dita gestão quanto ao entendimento de que o que se passa no momento não é fruto de eventuais mudanças nos ventos das intenções e diretrizes desta gestão, nem mesmo de sua negligência, e que portanto pretendemos fortalecer todas as iniciativas e esforços que devem ser imediatamente implementados para o restabelecimento da normalidade na sustentação de nosso trabalho de supervisão clínico-institucional;

c) que manteremos um Fórum Permanente de Supervisores de CAPS para sustentar esta discussão e para produzir atos capazes de modificar a situação anômala e inaceitável que se produziu, no entendimento conclusivo de que sustentar o eventualmente insustentável é a única forma de atravessá-lo e assim ultrapassá-lo.

ASSINAM ESTA CARTA OS SEGUINTES SUPERVISORES:
(em ordem alfabética):

ANA CRISTINA FIGUEIREDO
CRISTINA DUBA SILVEIRA
CRISTINA VENTURA
DEBORAH UHR
EROTILDES LEAL MAIA
LUCIANO ELIA
MARA FAGET
MARIA DA GLÓRIA MARON
MARIA INÊS LAMY
MARISA DE LEÃO RAMOA
MAURO RECHTAND
NURIA MALAJOVICH
PAULA BORSOI
PAULA CERQUEIRA
SIMONE DELGADO
VANESSA KLEIN

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