Foto: Rogelio Casado - Manaus-AM, 2009
Nota do blog: Minha "santa piriquita do bigode louro", o mundo girando e o PICICA por três dias fora do ar! Tem nada, não. Deus me defenda da OI, que do inimigo me defendo eu. Enquanto isso, recebi uma mensagem que nos enche de orgulho. Leia com esses olhinhos que a terra há de comer e se encante com essa lição de cidadania, de compromisso entre o cientista e as causas socioambientais. Se o exemplo fosse seguido, Manaus estaria livre do vexame de ver a maior parte dos seus cientistas indiferentes ao futuro do ambiente onde vivem. Desse susto meu leitor não morrerá, porque por aqui, nesses tempos de omissão dolosa, "é mais fácil burro criar asas e voar" do que romper com a insensatez do silêncio. Aos cidadãos que não se omitiram, as homenagens do blog. Félix Valois, Hermengarda Junqueira, Tenório Teles, Márcio Souza, Elisa Wandelli, Ademir Ramos, Mena Barreto, Socorro Papoula, Max Teixeira, Orlando Barbosa, Marisa Lima, Cesar Wanderley, Joaquina Castelo Branco (in memoriam), Pedro Hamilton Prado, Rochinha, entre outros.
Prezados colegas do SOS Encontro das Águas,
Saúdo a todos com intensa alegria e admiração pelo esforço tenaz e conjunto em defesa do Encontro das Águas e contra a insensatez do projeto Porto das Lajes. De maneira discreta, mas muito atenta, venho acompanhando as ações aguerridas que vem sendo realizadas por esse Movimento e gostaria de me revelar como um simpatizante das causas defendidas. Entendo que para qualquer cidadão minimamente informado e sensível, a instalação de um empreendimento dessa natureza num lugar extraordinariamente belo como o Encontro das Águas é no mínimo um ato de usura, insensatez e arrogância. Em certo momento e atuando profissionalmente, como analista do EIA-RIMA desse projeto, me posicionei contra ele, por entender que esse documento continha falhas e lacunas fragorosas, a começar pela metodologia de coleta de dados ambientais e sócio-econômicos e pelo fato de nele não constar uma frase sequer a respeito da beleza e importância estratégica do Encontro das Ãguas para a sociedade amazonense, como um todo, nem uma proposição alternativa para sua localização ao longo de um rio tão extenso como o Amazonas. O foco das questões parece ter ficado restrito ao bairro do Aleixo, o que me parece também uma grande falha dos estudos de impacto ambiental sobre a obra. Para atuar ao lado de vocês, de maneira mais objetiva, resolvi dar meu testemunho sobre esse empreendimento através de um texto que acabo de escrever (PROJETO PORTO DAS LAJES - CRIME LESA-AMAZÔNIA) e que gostaria fosse do conhecimento de todos (...) Embora de maneira modesta, espero estar contribuindo de alguma forma com o heróico esforço desse simpático Movimento. (...), pois confio que ela poderá despertar consciências e tocar corações. Fico no aguardo do pronunciamento de vocês e desde já agradeço pelas providências e solidariedade à causa. Abraço grande a boa sorte a todos. Cordialmente,
Geraldo Mendes dos Santos
Biólogo-Filósofo, pesquisador do INPA
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Projeto Porto das Lajes: crime lesa-Amazônia
Geraldo Mendes dos Santos, Dr. (Biólogo-Filósofo do INPA-CPBA)
Uma das mais coerentes e poéticas expressões sobre a Amazônia é que ela é a terra das águas. Coerente, porque é nesta região que ocorre a maior bacia hidrográfica do planeta. Poética, porque combina de maneira harmoniosa dois elementos historicamente considerados distintos, isto é, a terra e a água. A terra sempre foi tida como exemplo de solidez, lugar seguro e morada dos homens; talvez por isso, seja o nome do nosso planeta. A água sempre foi considerada como exemplo de liquidez, lugar instável, substrato de seivas e humores. Apesar da aparente fragilidade, ela ocupa cerca de ¾ da superfície da terra e representa 75% a 90% da biomassa dos corpos das plantas e animais. Pela sua grandeza e importância, bem que nosso planeta deveria ter o nome de Água.
Os corpos d´água da Amazônia são extraordinariamente diversos em forma, tamanho, volume, profundidade, cores e características geoquímicas. Suas variadas fisionomias são agrupadas, de modo bastante simplificado com o nome de igarapés, lagos, lagoas, paranás, furos, rios e rias. Esses elementos formam uma extensa rede hidrográfica e quando vistos em mapas, numa escala relativamente grande, mais parecem veias, um verdadeiro sistema circulatório, mantenedor da fauna, flora, ecossistemas e clima. Pela sua onipresença, os igarapés sempre se constituíram em vias naturais de locomoção e transporte, daí que o significado desse nome, em língua indígena é caminho da canoa. Além disso, o sistema aquático é fonte de alimento, trabalho, emprego, lazer e renda para milhares de pessoas de todas as idades, lugares, níveis sociais e estilos de vida. Pode-se dizer que a água é a estrutura determinante da paisagem amazônica.
A grandeza dos corpos d´água da Amazônia é de tal magnitude que dificilmente alguém escapa ao êxtase ou no mínimo a uma difusa sensação de insignificância diante da vastidão de rios como o Amazonas, Solimões, Tapajós e tantos outros ou diante das imponentes cachoeiras que urram docemente no meio da floresta. No entanto, dentre tantos cenários espetaculares da paisagem amazônica, um se destaca, a ponto de ser considerado ícone da região: o encontro das águas dos rios Solimões e Negro, um extraordinário matiz de cores entra a barrenta e a preta. Este cenário está localizado exatamente em frente e logo abaixo da cidade de Manaus, sendo aí um ponto de parada quase obrigatória para turistas do mundo inteiro. Vir a Manaus, sem ver este cenário, é como ir ao Rio de Janeiro e deixar de ver a estátua do Cristo Redentor ou ir a Roma e deixar de ver a residência do Papa. O Encontro das Águas é um estupendo monumento natural, síntese das maravilhas amazônicas e por isso deve ser visto e considerado em pé de igualdade com os demais monumentos do mundo.
Paradoxalmente, enquanto para outros povos os monumentos são motivo de orgulho, zelo e guarda permanente, esse lugar paradisíaco da Amazônia parece menosprezado pela população e abandonado pelo poder público. Exemplo disso é a enorme quantidade de lixo que se encontra boiando na superfície das águas, os galpões e estaleiros decadentes ou abandonados na margem dos rios e agora, um famigerado projeto de instalação neste local de um grandioso terminal hidroviário, denominado Porto das Lajes e destinado basicamente a abastecer navios e a armazenar containeres. O projeto está sendo defendido a unhas e dentes pelos proponentes e parece ter o apoio dos governantes, tomando-se por base o silêncio ou manifestação lacônica desses a respeito do assunto. Há fortes indicações que o projeto conta com esparsos defensores, os quais costumam portar panfletos ou camisetas com o logotipo da empresa responsável ou mesmo bradar (talvez a mando ou mediante promessas) de que o empreendimento será a redenção econômica do modesto bairro do Aleixo. A mais nefasta manifestação, no entanto, parece partir da empresa que elaborou o EIA-RIMA e não deixou registrada uma frase sequer sobre o valor da paisagem, a importância estratégica do encontro das águas para a economia dos amazonenses (e não apenas para os moradores do Aleixo) e a indicação de um local alternativo para instalação desse projeto.
Evidente que Manaus e toda a Amazônia carece de um terminal portuário à altura das demandas e do potencial da região, mas induzir sua construção pela força do dinheiro e de interesses subalternos é no mínimo uma desconsideração à sociedade amazonense como um todo, uma demonstração de insensatez, arrogância e usura. Mais que isso: uma violação da beleza do Encontro das Águas, um atentado à vocação turística do local, uma incoerência ao discurso da sustentabilidade e um crime de lesa-Amazônia.
Manaus, AM. 19/03/10
GMS
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