Francinete, Nivaldo e Rogelio em Bauru-SP, 2007
Acervo Rogelio Casado
Nota do blog: A fotografia acima registra a presença dos únicos militantes do estado do Amazonas presentes no encontro dos 20 anos da luta por uma sociedade sem manicômios no Brasil, na cidade de Bauru, em dezembro de 2007. Nesses vinte anos o mundo girou e o número de serviços substitutivos do manicômio cresceu em números expressivos (mas ainda não suficientes). Só no maior estado da federação, que ainda se orgulha de ter a maior parte do seu território coberto por exuberantes florestas (por pouco tempo, caso o Ministério do Meio Ambiente perca a batalha contra o Ministério dos Transportes em relação à famigerada BR-319, que abrirá caminho para a retaliação do sul do Amazonas) é que a reforma psiquiátrica anda a passos de cágado. Entenda um pouco do ambiente cultural onde os sujeitos se esmeram em ofensas morais para esconder sua enorme ignorância sobre os ambientes onde vivem. Certamente, por isso o manicômio ainda está entre nós. O artigo abaixo deveria ter sido publicado no domingo que passou no caderno Saúde & Bem Estar, do jornal Amazonas em Tempo. É constrangedor esclarecer aos leitores que me interpelam na rua sobre a irregularidade com que eles têm sido publicados. Não há mal que sempre dure... Impasse no manicômio
O consultor de Saúde Mental da OMS Ernesto Venturini costuma dizer que o verdadeiro problema não é fechar o hospital psiquiátrico, mas abrir possibilidades de vida na comunidade. Significa dizer, para ele, que faz-se necessário construir a prática dos direitos e consolidar uma rede integrada de saúde. Eis a essência da reforma psiquiátrica em sua versão mais avançada, a de uma sociedade sem manicômios.
Se é fato que a realização de uma reforma psiquiátrica pra valer exige modificação da lei, foi a supressão de práticas anteriores a ela que se constituem no xis da questão.
Datam daí os impasses do manicômio local. Atualmente há um descompasso entre os diversos atores e suas respectivas práticas. Lembrando que uma reforma é feita com profissionais de saúde, usuários dos serviços e familiares, entre outros.
A lei obtida pelo esforço de uns, e desprezada pela omissão de outros, por si só não é capaz de renovar a atitude do profissional comprometido com a cultura manicomial.
Com quais forças pode-se contar para recuperação da dignidade profissional e de práticas comprometidas com a construção de uma sociedade sem manicômios? Como espantar a inércia institucional e as resistências que comprometem as mudanças alcançadas noutros estados e municípios brasileiros nos últimos trinta anos? Como resgatar o elo perdido com nossa própria história? Afinal fomos o primeiro estado da federação a construir novas práticas rumo à reforma psiquiátrica desejada.
Passados pouco mais de vinte anos, tais práticas são desconhecidas pelas novas gerações. Para desqualificar as conquistas passadas, um dirigente do velho hospício, ao ser indagado sobre a existência de uma horta numa área invadida por população sem teto na sua administração, afirmou que desconhecia o fato, e acrescentou que se houve alguma plantação devia ser de outra “coisa”.
A mesma alusão vem sendo feita para atingir o Ministro do Meio Ambiente, contrário à construção da BR 319. À falta de argumento crítico, ouvi um parlamentar e um radialista partir para a ofensa moral, numa referência ao suposto consumo de maconha por parte do referido ministro.
Temos uma lei de saúde mental, mas o modelo manicomial resiste às mudanças, seja porque os recursos humanos não se converteram ao modelo psicossocial, seja porque há falta de vontade política expressa na ausência de prazos, recursos e incentivos para a implantação do novo modelo de atenção diária à saúde mental.
Atualmente, até os alunos secundaristas sabem que o modelo substitutivo ao manicômio se dá através da definição de novos territórios, respeitadas as características sociais e epidemiológica da população, com a implantação de uma outra rede de serviços que venha permear o espaço social com projetos comunitários.
Ora, a substituição do modelo tarda não por imperfeição ou falta de credibilidade da lei, mas porque não foram eliminados todos os vínculos entre a razão moderna e o controle da loucura, o que retarda a emergência de sujeitos que não temam criar novos cenários no cotidiano.
Manaus, Março de 2010.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com
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