Marco Aurélio Garcia
Foto: Eduardo Sá/Fazendo Media.
"Se o Brasil quer ingressar no Conselho de Segurança como membro permanente, e quer, ele tem que assumir
todas as responsabilidades", afirmou Marco Aurélio Garcia.
Nota do blog: Colunista do Amazonas em Tempo, invocando humildade, abusa do preconceito para avaliar a política externa do Brasil, num momento de grande expectativa do país assumir assento no Conselho de Segurança da ONU, que certamente ele deve achar que é muita areia para o nosso caminhãozinho. Entre as pérolas, destaco: "O presidente Lula deliberou viajar ao Oriente Médio e, humildemente, devo confessar que ainda não consegui entender as razões que o levaram a quase atravessar o mundo para entabular conversa com israelenses e árabes, ainda mais na sua conhecida condição de monoglota, sujeito às imprecisões dos tradutores, escravo exclusivo do português, por sinal de duvidosa qualidade"... E por aí vai! Leia, abaixo, a entrevista de Marco Aurélio Garcia, Assessor Especial do Presidente da República para Assuntos Internacionais, há mais informações por centímetro quadrado do que o texto infeliz do colunista do ET.
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“Grande parte da mídia está de costas para a realidade”
Por Eduardo Sá, 25.03.2010
Ao final do lançamento do livro “Brasil, entre o passado e o futuro”, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o Assessor Especial do Presidente da República para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, concedeu entrevista exclusiva ao Fazendo Media para falar sobre a política externa brasileira. Na conversa, Marco Aurélio fala sobre a integração latinoamericana, a polêmica intervenção brasileira no Haiti e a possibilidade de o Brasil se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
Qual a sua avaliação sobre a viagem do presidente Lula ao Oriente Médio, na perspectiva da política externa brasileira?
Nós fazemos uma avaliação muito positiva, realisticamente falando. O presidente já tinha iniciado uma ofensiva nessa direção no final do ano passado, quando ele recebeu no espaço de dez dias o presidente de Israel, o presidente da autoridade palestina e o presidente do Irã. Aí se sentaram as bases para ele continuar nessa ofensiva pela paz.
É importante dizer que todos esses três governantes tiveram palavras de encorajamento para essa iniciativa, ainda que eles tenham profundas divergências entre eles, como é sabido. Isso foi o que fortaleceu a nossa ideia de realizar essa viagem, ver de perto os problemas. Nós chegamos num momento difícil porque foi quando justamente deu-se aquele choque entre o governo de Israel e o governo dos Estados Unidos, pelo anúncio de Israel em continuar a construção das ocupações lá. Mas nós vamos continuar com esse trabalho, o ministro Amorim esteve na Síria para fazer consultas e em maio nós vamos fazer uma viagem que consideramos importante ao Irã.
Acho que dentro de alguns meses teremos condições de avaliar efetivamente qual foi o resultado mais concreto, esperamos ter êxito. Se não tivermos êxito, de qualquer maneira ninguém dirá que as coisas não caminharam porque nós nos omitimos: não, nós cumprimos aquela parte que nos parecia interessante e relevante.
Em relação à América Latina, houve muitos avanços no que diz respeito ao comércio e a economia. Mas como você vê uma integração mais consistente adiante, sobretudo do hemisfério sul?
Não é só na parte comercial. Nós estamos desenvolvendo programas de integração econômica também com diversos países, ajudando o processo de industrialização em países como a Venezuela, Bolívia e Uruguai. Achamos que agora um passo muito importante será o fortalecimento de instituições da Unasul, que nos permita efetivamente dar mais continuidade e efetividade. A Unasul não pode ficar exclusivamente subordinada à ação dos presidentes ou dos ministros das relações exteriores ou energia, estes se reúnem a cada seis meses, a cada ano, e não têm condições de dar continuidade prática. Então nós precisamos fortalecer a institucionalidade da Unasul para que ela possa efetivamente dar concretude às políticas que forem sendo defendidas.
No campo cultural não tem nada previsto para se concretizar uma efetiva aproximação dos povos?
No campo cultural eu acho que vão predominar, num determinado momento, as iniciativas nacionais que impactem em outros países. Hoje (22/03) eu estava conversando justamente com diplomatas latinoamericanos e chamando a atenção para a importância que vai ter para o processo de integração, que tem que ter uma dimensão cultural muito grande, o fato de nós criarmos uma universidade latinoamericana.
Será na região da tríplice fronteira, que vai ter metade de alunos brasileiros, metade de alunos de outros países, metade de professores brasileiros e o restante de outros países. Vai ser um campo de fertilização de idéias e produções muito forte, acho que nós temos que tocar diante. Por outro lado, incorporar cada vez mais as políticas culturais na dimensão das nossas atividades diplomáticas, que eu acho que ainda está insuficientemente colocado.
Uma coisa que implica nessa questão do intercâmbio cultural é a mídia, sem essa intermediação não dá para ter essa troca. Qual a sua observação sobre os meios de comunicação brasileiros?
Eu acho que uma grande parte da mídia está de costas para a realidade, mais do que de costas, ela está se opondo à evolução. Eu não proponho nenhuma medida restritiva, sou contra qualquer medida restritiva à mídia. Acho que nós temos que criar alternativas à mídia, e inclusive mais do que criar alternativas é você pensar sobre quais serão as mídias alternativas que vão contar no futuro. Quer dizer, tudo o que é a blogosfera, redes de TV alternativas, etc.
Os governos progressistas estão ainda muito atrasados nisso, há algumas iniciativas que são meritórias como a Telesur, que tem coisas interessantes, outras eu não acho tanto, e nós deveríamos nos inspirar em experiências desse tipo para levar adiante projetos. A Tv Brasil vai se internacionalizar em muito breve, isso pode ser uma oportunidade grande também de diversificarmos a nossa presença nos processos de integração.
Algumas missões no campo dos direitos humanos, e os setores progressistas em geral, têm denúncias contra a presença das tropas brasileiras no Haiti. Como você vê a participação brasileira nesse país?
Eu acho que essas denúncias são equivocadas, a maioria delas de pessoas que não põem os pés lá e vivem fora. Muitos haitianos que eu sei que estão comodamente instalados nos Estados Unidos ou no Canadá fazem essa denúncia. A Minustah, na qual os países sulamericanos têm uma presença muito grande, fez um trabalho de estabilização muito forte lá. Não há nenhuma denúncia consistente de repressão, diria que se fosse a polícia haitiana que estivesse ocupando para a estabilização, sem dúvida nenhuma o custo seria dez vezes maior. Me refiro à velha polícia haitiana e outras tropas de países de outras regiões que têm uma experiência invasiva. Pelo contrário, eu estive recentemente no Haiti, por onde já passei várias vezes, e pude constatar que os soldados brasileiros e os outros soldados da Minustah são muito bem recebidos. Evidentemente que eles sairão de lá no momento em que o governo do Haiti disser, ou no momento em que as Nações Unidas revogar o mandato que nós recebemos.
Nessa semana ocorreu um evento na PUC sobre o porquê da demora na reformulação da ONU. Diplomatas franceses e britânicos sustentaram a participação do Brasil no Conselho, mas ponderaram que isso exige medidas impopulares em determinadas circunstâncias e investimento de muito dinheiro e tropas militares. O Brasil tem condições para isso, atualmente?
Se o Brasil quer ingressar no Conselho de Segurança como membro permanente, e quer, ele tem que assumir todas as responsabilidades. Mas nós queremos mais do que ingressar no Conselho, queremos renovar as Nações Unidas e o Conselho de Segurança. Portanto, isso tudo e essas medidas chamadas impopulares serão objetos de discussão.
Quais seriam as posições brasileiras em relação a essas renovações a que você se refere?
Primeira coisa é que nós queremos que o Conselho de Segurança seja mais representativo, coisa que ele não é hoje. O Brasil não está pedindo para entrar sozinho, é porque o Conselho de Segurança que reflete a ordem mundial de 44/45 hoje em dia perdeu a sua representatividade. Então ele tem que ser refeito, e nós precisamos ter uma política [eu não gosto muito da palavra, mas vou usá-la] mais pró-ativa .
O Conselho de Segurança não pode ficar delegando para um país ou outro a resolução de conflitos que ele deveria resolver. Quem deveria estar hoje no Oriente Médio não é o negociador especial, mesmo o quarteto que já é um pouco mais representativo, quem deveria estar negociando lá era uma delegação do Conselho de Segurança.
Fonte: Fazendo Média - a média que a mídia faz
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