Foto: Marquinhos - Manaus-AM, 2003
Nota do blog: Sem falsa modéstia sou um dos militantes históricos da luta antimanicomial no estado do Amazonas, atualmente exercendo o cargo de Pro-Reitor de Extensão da Universidade do Estado do Amazonas. Mesmo os desafetos políticos reconhecem esse dado da minha biografia. Mas, existem aqueles que são capazes de um golpe tão baixo como o que vai narrado abaixo. São reformistas de araque, que jamais participaram da luta por uma sociedade sem manicômios. E quando o fizeram, é porque estavam de carona nos discursos de uma prática que não ajudaram a construir. Basta consultar os arquivos da mídia local. Não há uma referência, uma fala sequer dessas criaturas a favor da luta que encarnamos no campo da saúde mental do Sistema Único de Saúde. Não contentes em fraudar a história, dão-se ao desfrute de tentar eliminar seus protagonistas. Comigo não, violão!
Discriminação, não!
Bastava uma leitura atenta das recomendações da coordenação nacional sobre os procedimentos para organização da IV Conferência Nacional de Saúde Mental e a coordenação estadual teria evitado o constrangimento de não convidar a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) como parceira do evento em sua etapa regional. Ainda é tempo de corrigir o erro.
Instituição parceira é aquela que contribui com inovações no campo das políticas públicas de saúde mental.
Neste ano, a UEA, em parceria com a Secretaria de Estado de Ações Sociais, inova ao apoiar projeto de inclusão social de pessoas com transtorno mental através de um Cyber. Trata-se de um projeto pioneiro de inclusão social nascido fora da instituição psiquiátrica, com o objetivo de estimular formas criativas de cooperativismo, gerando assim novas formas de sensibilidade social para com sujeitos historicamente estigmatizados.
Teria o texto enviado pela coordenação nacional induzido a erro de interpretação? Vejamos:
“Os coordenadores devem buscar ativamente o diálogo com a intersetorialidade, seja para constituir a Comissão Organizadora Estadual, seja para assegurar a participação dos demais setores. Ação Social, Direitos Humanos, Justiça, Educação, Cultura, Trabalho são parceiros essenciais. Sugiro que agendem reuniões com as respectivas secretarias estaduais destas políticas”.
Ora, não há referências explícitas às universidades. Tanto que uma delas foi convidada e não compareceu. Ou seja, o conceito de intersetorialidade foi compreendido, corretamente, para além do que diz o texto. Deduz-se daí que houve exclusão da UEA. Deliberada, acintosa e antidemocrática.
É hora de por fim a esse canibalismo institucional, oriundo das tensões de uma sociedade competitiva. É inaceitável o desrespeito à alteridade. Essa visão discriminatória impede que a discussão das idéias de uma vertente do movimento de resistência à sociedade de controle se expresse através dessa parceria.
Outro trecho da mensagem foi desprezado: “todos os coordenadores estaduais deveriam entrar em contato com o MS (Ministério da Saúde), para todas as dúvidas”. Não houve dúvida. Havia, sim, uma certeza, ou uma estratégia: fingir-se de morto. Não deu certo. Reivindico publicamente o direito de participação.
De 2003 até a presente data, o traçado geográfico da saúde mental foi modificado a despeito de todos os boicotes. Na zona norte da cidade começamos a desmanchar o mundo antimanicomial. Não faltou sensibilidade ao governo estadual, quando já não era sua a competência da oferta de serviços. Criamos a primeira paisagem psicossocial de Manaus, e espantamos a inércia do setor.
Para ficar nesse exemplo que funda uma nova percepção sobre o sofrimento psíquico, querer nos tirar do mapa é impedir que os cartógrafos dêem voz aos afetos que pedem passagem, ao registro das marcas dos nossos (des)encontros.
O silêncio ainda não fez morada no coração desse militante das causas públicas.
Manaus, Março de 2010.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com
Nota do blog: Artigo publicado no jornal Amazonas em Tempo, caderno Saúde & Bem Estar, que sai aos domingos.
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