APERTANDO A TECLA DEL, DE DELETE
Por Virgílio de Mattos[1]
A pergunta clássica de todo criminalista é – ou pelo menos deveria ser – a seguinte: “a quem interessa?”
Neste caso específico, o da morte do cabo PM Fábio Oliveira, encontrado morto em uma cela do 1º Batalhão da Polícia Militar, no bairro Santa Efigênia, onde estava preso preventivamente, supostamente enforcado com “o cordão da calça”, ou do short, dá igual, nos choca como cidadão pagador de impostos e que sonha com um mundo melhor onde possamos viver – bem – todos.
E ainda deixa certo ar de incredulidade até mesmo no mais pacóvio dos néscios. Policial comete suicídio em cela individual de presídio militar, usando a torneira do chuveiro como apoio e só é encontrado depois, quando se servia o café para os presos?
Proh pudor!
O policial morto era apontado como autor, ou, no mínimo, partícipe do bárbaro homicídio contra “Jefim” (Jefferson Coelho da Silva), um estudante de 17 anos e o técnico de enfermagem Renilson Veriano da Silva, de 40. Ambos moradores na zona pobre da Serra, no alto do morro. Trabalhadores, sem contato anterior com o sistema penal. A estória montada pelos policiais no boletim de ocorrência não convenceu sequer a própria PM.
Mais essa morte causa espécie a quem vê de fora (e profunda dor no casal de filhos órfãos) que a polícia militar não consiga, sequer, custodiar àqueles de seu grupo que se encontram presos. É comezinho antigo do sistema penitenciário que nenhum instrumento com o qual o preso possa atentar contra a própria vida pode ser deixado à disposição na cela.
Suicídios em prisão lamentavelmente nos fazem lembrar as farsas montadas, quando da morte sob torturas, de Vladmir Herzog e Manoel Fiel Filho.
Teria havido então mais um homicídio?
Particularmente penso que há algo de muito estranho a colidir com a – cômoda, se me permitem – hipótese de suicídio de quem não apresentou nenhum sinal do gesto extremo. Havia o morto recebido anteriormente visita da família e de seu advogado, ambas hipóteses tranquilizadoras para quem se encontra privado de sua liberdade. Estava em cela individual, a afastar uma confortável hipótese de “briga entre detentos” e, supõe-se, presos militares em quartéis militares são submetidos à vigilância militar, rígida, implacável, eficiente.
Já se sabe que as vítimas fuziladas na Serra, cada uma com dois tiros de grosso calibre e à queima-roupa no peito, e não nas costas como se tentou veicular, foram rendidas antes pela guarnição ROTAM comandada pelo cabo. Teria sido ele o autor dos disparos? Isso é extremamente simples de ser detectado pela perícia técnica, resta-nos aguardar e confiar no trabalho da perícia.
O que é difícil de acreditar, a menos que se trate de “queima de arquivo”, é que a culpa recaia sobre o morto e os outros soldados, e a Corporação, saiam incólumes disso tudo.
Afinal, quando um civil, ou melhor, quando um “não policial” é preso, as maiores atrocidades são justificadas em nome da “defesa social” e “garantia da ordem pública”, tanto na prisão quanto no encarceramento.
E quando o morto, ele mesmo, é policial e estava sob custódia em guarnição militar? Aperta-se a tecla DEL, de DELETE?
[1] – Do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade. Do Fórum Mineiro de Saúde Mental. Autor de Crime e Psiquiatria – Preliminares para a Desconstrução das Medidas de Segurança, A visibilidade do Invisível e De uniforme diferente – o livro das agentes, dentre outros. Advogado criminalista. virgilio@portugalemattos.com.br
Fonte: Sociologia do Absurdo
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