PICICA: "(...)partindo de uma rápida síntese da trajetória de Doroti, queríamos convidar a todos os amigos que conviveram com ela e se sintam a vontade e felizes em registrar algo, que nos enviem seus textos."
Vida e Histórias de Doroti Schwade: Texto 1
Doroti Alice Müller Schwade é um exemplo de vida que inspira e fortalece aqueles que acreditam e lutam para a construção de um mundo mais justo e fraterno. Nascida numa família humilde da cidade de Blumenau/SC, traçou seu caminho de sul a norte do Brasil, sempre procurando defender o direito das populações excluídas deste país e, em especial, dos povos indígenas, tendo terminando seus dias de caminhada sobre a Terra como multiplicadora, construtora e incentivadora de formas de agricultura que respeitam a natureza e as pessoas.
As histórias desta caminhada bonita e heróica devem, por isso, ser lembradas. E é por este motivo que iniciaremos hoje a publicar semanalmente neste blog textos, documentos e depoimentos que ajudam a lembrar e divulgar esta história.Antes de iniciarmos, partindo de uma rápida síntese da trajetória de Doroti, queríamos convidar a todos os amigos que conviveram com ela e se sintam a vontade e felizes em registrar algo, que nos enviem seus textos. Pretendemos juntar e sistematizar posteriormente todo o material que conseguirmos sobre ela, mas não como uma história morta e sim como uma história viva, que contenha as emoções, sensações e sentimentos de todos. Os textos mais apropriados para o blog também vão ser publicados neste espaço que inauguramos hoje. Vosso material pode ser enviado para egydio.schwade@gmail.com ou mauadu@gmail.com.
Doro nasceu no dia 8 de maio de 1948. Aos 13 anos começou a trabalhar no comércio da cidade para ajudar nas finanças da família. Aos 15 assinou a sua primeira carteira de trabalho. Fez o seu primário e científico em escola pública, ingressando em seguida na faculdade de Pedagogia.
Desde pequena se propôs a dedicar a vida aos mais necessitados, pensando inicialmente em ir como missionária leiga para a África. Participou do movimento jovem da Igreja Católica onde foi escolhida, em 1973, para integrar um grupo de jovens que representou a juventude catarinense em um encontro latino-americano no Paraguai.
Na viagem de volta conheceu o Pe.Renato Barth que a convidou para integrar a Operação Anchieta – OPAN, hoje Operação Amazônia Nativa, sediada em Cuiabá. A OPAN treina jovens missionários leigos para trabalharem com os índios do Brasil e, em especial, da Amazônia. Vendo seu sonho diante dos olhos, não pensou duas vezes. Comunicou-se com a coordenação da instituição e no ano seguinte já participava do curso de preparação em Caxias do Sul. Dali seguiu para a periferia de Porto Alegre onde fez estágio de treinamento para convivência com populações pobres.
No inicio de 1975 o Pe. Gunter Kroemer da Prelazia de Diamantino/MT a apresentou à comunidade de Novo Horizonte, hoje município de Novo Horizonte do Norte/Mato Grosso, onde lecionou um ano na escola pública local.
No ano seguinte a OPAN a destinou ao Acre, para uma ação conjunta com o recém-criado regional do CIMI - Conselho Indigenista Missionário / Amazônia Ocidental que incluía o Acre, o Médio Purus e o Médio Rio Madeira. Doroti foi eleita primeira coordenadora deste regional. Na época nenhuma das Prelazias incluídas neste Regional do CIMI, ou seja, Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Lábrea e Humaitá, possuía pastoral indígena organizada. Por isso, Doroti internou-se pelos rios da região, único acesso às comunidades indígenas e rurais, na busca de localizar os povos indígenas refugiados nas cabeceiras de rios e igarapés. Percorreu primeiro o rio Iaco, o Alto Purus, o Envira, depois desceu pelo Purus e seus afluentes, no rumo de Lábrea/Amazonas. E, finalmente, pelo médio rio Madeira e seus afluentes. Quando alguma Prelazia ou paróquia, não lhe dava apoio logístico, Doroti ia sozinha em embarcações de pescadores ou de pequenos comerciantes, os “marreteiros". Assim foi localizando comunidades até então desconhecidas pela Igreja e pela FUNAI, e que enfrentavam grandes dificuldades por causa da exploração exercida por patrões de seringal, pelos conflitos com seringueiros e por doenças trazidas pelos invasores e ocupantes de seus territórios. Trouxe as primeiras notícias de povos isolados, como o dos Suruaha, localizado em um afluente do Rio Tapauá, cujos primeiros contatos foram depois feitos por membros do CIMI e da OPAN.
Casou-se em 1978 com Egydio Schwade, que era então o Secretário Executivo do CIMI Nacional. A primeira intenção do casal foi a de continuar o trabalho de Doroti na Prelazia de Lábrea que considerávam uma das situações mais urgentes a ser enfrentada. Mas o Bispo daquela Prelazia negou-se a recebê-los.
Finalmente Dom Jorge, bispo da Prelazia de Itacoatiara/AM, convidou-os para assumir o trabalho junto aos Waimiri-Atroari. A tarefa era duplamente desafiadora. Primeiro por causa do bloqueio mantido pela Ditadura Militar sobre esse povo. Segundo, porque Egydio estava, desde maio de 1974, proibido pela mesma ditadura de penetrar nas áreas indígenas do país. Embora jamais tenha obedecido a tal proibição, o trabalho indigenista se tornou mais dificultoso para ele.
Localizaram-se primeiro na sede da Prelazia em Itacoatiara. E, após alguns contatos clandestinos com as aldeias, estabeleceram-se em Presidente Figueiredo, na margem da Rodovia BR-174.
Com o fim da Ditadura Militar foram convidados pelos índios e autorizados pela FUNAI a participar da vida em suas aldeias, iniciando a primeira alfabetização em sua língua materna. Pela primeira vez o povo Kiña ou Waimiri-Atroari, pode revelar o que lhe aconteceu durante a Ditadura Militar.
Mas, em conseqüência dessas revelações foram expulsos da área em dezembro de 1986 pelo então presidente da FUNAI, hoje senador, Romero Jucá. Estabeleceram-se, então, em Presidente Figueiredo, onde assessoraram o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e criamos o Partido dos Trabalhadores. Continuaram também a luta contra os principais inimigos dos Waimiri-Atroari, os grandes projetos de mineração e hidrelétricos, mas que, afinal, apesar da luta de muitos, foram instalados pelos governos da Nova República numa continuidade de ações da ditadura militar.
Diante disso, em 1992 mudaram a estratégia de luta. Ao invés de combater grandes projetos irreversíveis para todo o Estado, resolveram contrapor com o seu próprio pequeno projeto: uma agricultura na sua biodiversidade amazônica. E neste novo contexto Doroti, embora de origem urbana, tornou-se a principal responsável pelo investimento na terra.
Nesta caminhada os acompanharam, nas alegrias e no sofrimento, os filhos Marcos Ajuri, Maurício Adu, Tiago Maiká e Luiz Augusto e a querida filha Mayá Regina.
Casa da Cultura do Urubuí, 11 de Fevereiro de 2011.
Fonte: Casa da Cultura do Urubuí
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