fevereiro 19, 2011

Crítica de cinema: "Bravura Indômita, Ethan e Joel Coen, 2010", por Bruno Cava

PICICA:  "(...)John Ford escreveu sua saga da América, mitificando o herói branco e a violência masculina, fundamentos de sua moral conservadora. Mas veio então o declínio do mito americano e o cinema releu o faroeste."
trailersbygetro | 7 de outubro de 2010 | 
A trama acompanha a jornada de vingança da jovem Mattie Ross (Hailee Steinfeld): contra o assassino do seu pai. Decidida a pegar o bandido, a garota contrata os serviços do ex-xerife Reuben Cogburn (Jeff Bridges) e do Texas Ranger La Boeuf (Matt Damon).

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Bravura Indômita, Ethan e Joel Coen, 2010.


Crítica: Bravura Indômita (True Grit), Ethan e Joel Coen, EUA, 2010, cor, 110 min.

Ensaio de amor bárbaro.
O amor em Bravura Indômita se soletra em palavras duras. Nasce da crueza partilhada pelo casal protagonista. Brota em terreno selvagem, na fronteira onde os homens se afirmam por sua coragem e brutalidade. A inospitez da paisagem, o rigor da jornada, a rispidez das conversas, --- tudo isso provoca esse amor surpreendente, porém implacável, entre Cogburn/Jeff Bridges e Mattie/Hailee Steinfeld. O primeiro, um policial inculto, beberrão, caolho e maltrapilho, que não faz prisioneiros. A segunda, uma órfã de 14 anos determinada com todas as energias à vingança contra o assassino de seu pai. 

O filme de faroeste ajudou a construir a identidade americana. A barbárie não está fora da civilização: define-lhe os limites. Desperta-a do sono civilizatório e vivifica-a de seu âmago. A sociedade precisa revitalizar-se no manancial de instinto e potência, de libertinagem e virilidade, própria de tais territórios inóspitos. Assim se faz o espírito guerreiro dos EUA. A terra dos bravos não pulsa sem a contribuição da escumulha e dos matadores, sem John Wayne, sem Billy the Kid, sem Cogburn, que literalmente nasce nas latrinas da cidadezinha fronteiriça.

Nesse sentido, John Ford escreveu sua saga da América, mitificando o herói branco e a violência masculina, fundamentos de sua moral conservadora. Mas veio então o declínio do mito americano e o cinema releu o faroeste. Daí o revisionismo narrativo de Nicholas Ray (Johnny Guitar), o desencanto materialista de Sam Peckinpah (Meu ódio será sua herança, Pat Garrett e Billy the Kid), a pop art epidérmica de Sérgio Leone (trilogia do Pistoleiro sem Nome).

Este bangue-bangue dos Irmãos Coen recombina os elementos de um modo único. Excêntrico. Descabem todas as acusações de repeteco. Numa geração descafeinada e sentimental, em meio a tanto melodrama e chororô no cinema, Bravura Indômita reecontra o sal da terra. Como bom faroeste, injeta sangue e bile numa civilização dormente e sem vibração.

O filme exprime a força de um amor tão anti-heróico que o primeiro beijo vem com picada de cascavel. Aí surge a seqüência mais atrozmente romântica. Uma cavalgada trágica sob o firmamento de diamantes, filmada no lirismo das pradarias. Amor bárbaro que só poderia mesmo durar aqueles tempos loucos de obstinação e rudeza, como explica o epílogo.
 

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