fevereiro 15, 2011

"O adeus de Ronaldo", por Rita de Cássia de A Almeida

PICICA: "Quem escutou toda a entrevista de Ronaldo teve a oportunidade de assistir o belo testemunho de uma autêntica travessia. Em certo momento ele afirma que o que está fazendo é o anuncio de sua primeira morte, para logo em seguida dizer: “ainda quero muito”. Isso sim é atravessar um limite. É ter vontade e força para prosseguir mesmo depois de aceitá-lo." Em tempo: Ronaldo Luiz Nazário de Lima - conhecido no mundo do esporte primeiro Ronaldinho, em seguida Ronaldo Fenômeno, - sem medo de errar, depois de Pelé, foi o maior jogador de futebol de todos os tempos. Aos 34 anos deixa o futebol para entrar na história. Mesmo após três lesões graves foi três vezes 'o melhor do Mundo', participou de quatro copas, fez quinze gols numa delas, foi a três finais e obteve dois títulos. Para os brasileiros, foi um exemplo de superação das dificuldades impostas pelo futebol moderno. Um exemplo para todas as gerações de força e vontade. Grande Ronaldo!
marginalmovies | 29 de janeiro de 2007 |

O adeus de Ronaldo.

por: Rita de Cássia de A Almeida

psicanalista e fã de Ronaldo


Esta semana Ronaldo – o fenômeno – discursou emocionado em entrevista que marcou o encerramento de sua brilhante carreira como jogador de futebol. Ao tentar explicar o inexplicável e o inevitável fato de ter que “pendurar as chuteiras” aos 34 anos, Ronaldo afirmou: “Meu corpo me venceu”. Dentre as muitas coisas interessantes e bonitas ditas por Ronaldo na ocasião desta entrevista, esta frase é particularmente arrebatadora. Afinal, é certo que corpo sempre nos vence; a todos nós. O corpo é o nosso limite.

 

Apesar disso, insistimos em viver a ilusão do corpo sem limites. Desejamos um corpo saudável, perfeito e, sobretudo, eterno. Por isso rejeitamos a dor, o sofrimento, as marcas da idade e quaisquer imperfeições ou fracassos que nos levem a constatar a mais pura das verdades: somos todos limitados. O corpo venceu Ronaldo e, em última análise sempre vence a todos nós. Não somos tão saudáveis quanto poderíamos e nem tão belos quanto desejaríamos. Padecemos de dores e imperfeições. 

Invariavelmente fracassamos. Envelhecemos, morremos. Ou seja, por mais que busquemos alargar o limite da nossa invencibilidade, ainda sim o corpo sempre nos vence.
 

Certamente, esta é uma constatação angustiante para a grande maioria nós ou mesmo insuportável para alguns. O discurso emocionado de Ronaldo é testemunha disso. Do quanto pode ser sofrido admitir e assumir fracassos, tanto aqueles impostos por nosso corpo, quanto quaisquer outros. Mas, por outro lado, somente aqueles que conseguem chegar ao ponto de assumir seus próprios limites e fracassos serão capazes de atravessá-los para alcançar a outra margem.
 

A Mitologia Grega descreve seus grandes heróis como aqueles que conseguiram atravessar os sofrimentos, provações e limitações impostas pela condição humana, para se transformarem. Mas, lembramos que atravessar limites não é o mesmo que evitá-los ou desconsiderá-los. Atravessar não é driblar ou mascarar. Atravessar também não é se tornar vítima de seus limites. Atravessar é constatar que o limite existe, encará-lo e prosseguir; com ele e apesar dele.
 

Quem escutou toda a entrevista de Ronaldo teve a oportunidade de assistir o belo testemunho de uma autêntica travessia. Em certo momento ele afirma que o que está fazendo é o anuncio de sua primeira morte, para logo em seguida dizer: “ainda quero muito”. Isso sim é atravessar um limite. É ter vontade e força para prosseguir mesmo depois de aceitá-lo.
 

Infelizmente, temos optado por uma vida anestesiada, medicalizada, vitimizada, “botoxizada”, turbinada, homogeneizada, sem sobressaltos ou riscos e, de preferência, livre de imperfeições e fracassos. A pílula azul que promete dar adeus ao fantasma do fracasso sexual, talvez seja o retrato da maneira como estamos lidando com nossos mal-estares. E assim seguimos, escolhendo negar nossos limites e com eles jogando fora a oportunidade de fazer a travessia própria da condição humana; limitada e imperfeita, mas ainda sim, bela e vitoriosa.
 

Obrigada, Ronaldo. Pelos dribles, pelos gols, pelas vitórias e especialmente, por nos revelar o que uma vida precisa pra valer a pena: “Tive muitas derrotas, infinitas vitórias e fiz muitos amigos”. Quem precisa mais que isso? 

Fonte: Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar...

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