PICICA: "Mesmo após o enfrentamento com a indústria da loucura, que chegou a ter um parque de leitos de mais de cem mil leitos nos anos 1970, estando na atualidade reduzidos para trinta mil, a implantação da rede de serviços que substituem o manicômio, sob a ética da reforma psiquiátrica, ainda encontra problemas de financiamento em nível nacional. No caso do Amazonas, entretanto, que é um dos estados com o menor índice destes novos serviços, há outras variáveis em causa".
Saúde Mental no Amazonas: avançamos? (III)
Transcrevo, com breve comentário, o texto escrito, em 2003, como Introdução à Política Estadual de Saúde Mental do Amazonas, aprovado pelo Conselho de Saúde, quando gestor do Programa de Saúde Mental (2001-2007).
“Segundo o Relatório sobre a saúde no mundo – 2001, da OPAS/OMS, hoje, cerca de 450 milhões de pessoas sofrem transtornos mentais. Uma pequena minoria recebe tratamento básico. Nos países em desenvolvimento, o provimento de cuidados aos transtornos provocados pela depressão, demência, esquizofrenia e dependência de álcool e outras drogas é tarefa das famílias, sendo seus principais cuidadores mulheres obrigadas a abrir mão de seus projetos de vida devida a uma injusta naturalização da divisão de cuidados entre o Estado e as famílias.
Os transtornos mentais, que já representam quatro das dez principais causas de incapacitação em todo o mundo, tendem a aumentar com o envelhecimento da população, o agravamento dos problemas sociais e as inquietações civis dela decorrente. Os prejuízos econômicos advindos da incapacidade que se abate sobre as pessoas com transtornos mentais podem ser estimados, já o custo do sofrimento humano é incalculável.
Para a OPAS/OMS, os transtornos mentais e neurológicos até 2000 responderam por 12% do total de anos de vida ajustados por incapacitação, mas a dotação orçamentária para a saúde mental na maioria dos países representam menos de 1% dos seus gastos totais em saúde. Essa desproporção é visível em 40% de países que carecem de políticas de saúde mental. Outros 30% sequer têm programas nessa esfera. Crianças e adolescentes estão fora das políticas de saúde mental em 90% dos países.
Ainda segundo a OPAS/OMS, os transtornos mentais e comportamentais afetam 20-25% de todas as pessoas em dado momento durante a sua vida. Com base nesse cálculo, projeta-se que, até 2020, a carga dessas doenças terá crescido para 15%. Atualmente, uma pequena minoria delas recebe tratamento adequado.
A evidência científica moderna indica que transtornos mentais e comportamentais resultam da interação entre fatores biológicos, psicológicos e sociais. Se, para além da falta de dinheiro, entendermos a pobreza como a falta de recursos sociais ou educacionais, teremos uma complexa e multidimensional relação entre esse tipo de privação e a saúde mental. Como a pobreza está inevitavelmente associada ao desemprego, baixo nível de instrução e desabrigo, são entre os pobres e os desfavorecidos de um modo geral que encontramos a maior prevalência de transtornos mentais e comportamentais, inclusive transtorno do uso de substâncias.
Já não há mais dúvidas de que a progressão dos transtornos mentais e comportamentais é determinada pelo status socioeconômico. Aliado a isso, alguns grupos socioeconômicos não têm acesso aos poucos serviços de atenção à saúde mental.” (Passados dez anos, o texto da OPAS/OMS continua atual. Mesmo após o enfrentamento com a indústria da loucura, que chegou a ter um parque de leitos de mais de cem mil leitos nos anos 1970, estando na atualidade reduzidos para trinta mil, a implantação da rede de serviços que substituem o manicômio, sob a ética da reforma psiquiátrica, ainda encontra problemas de financiamento em nível nacional. No caso do Amazonas, entretanto, que é um dos estados com o menor índice destes novos serviços, há outras variáveis em causa).
Manaus, Fevereiro de 2010.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
PICICA: Artigo publicado no caderno Sáude & Bem Estar, do jornal Amazonas em Tempo.
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