julho 07, 2012

"América Latina: Sai o Paraguai, entra a Venezuela, México muda.", por Hugo Albuquerque

PICICA: "A curiosa permuta entre Paraguai suspenso e a Venezuela, patrocinada sobretudo pelo Brasil, é mostra de insatisfação do Brasil contra os congressistas do vizinho, que depois de anos bloqueando movimentos de expansão do Mercosul - que é amarrado de forma bastante rígida, exigindo unanimidade entre os Estados-membro para muitas espécies de decisão -, agora resolveram partir para a ofensiva contra o processo de integração, destituindo Lugo de forma inconstitucional sobretudo pela sua atuação pró-Mercosul. Para Hugo Chávez, que é novamente candidato à Presidência da Venezuela depois de ter se recuperado de um câncer, trata-se de uma vitória importante, porque facilita mais ainda o acesso do país à produção alimentícia de Brasil e Argentina - tendo em vista, ainda, que a economia venezuelana é plenamente complementar a do Mercosul, além de ser uma das principais do continente."

América Latina: Sai o Paraguai, entra a Venezuela, México muda.

O cenário latino-americano agita-se como há tempos não acontecia. O golpe branco no Paraguai, que derrubou Fernando Lugo da Presidência, produziu efeitos pesados - diretos e colaterais - sobre a ordem sul-americana, tanto pela suspensão do país da Unasul e do Mercosul - no caso último, por meio do mesmo protocolo cuja assinatura serviu de pretexto para os golpistas - quanto por isso ter aberto a possibilidade da Venezuela ter ingressado no bloco - o que se confirmou nesta semana, mas não tinha acontecido até hoje pela ação do parlamento paraguaio, cuja agenda, ocidentalista e pró-americana, bloqueava a entrada da República Bolivariana. Mais ao norte, o México viu a contagem e a recontagem dos votos de sua eleição presidencial, com a vitória do conservador Peña Neto do PRI, depois de doze anos de governo do liberal PAN.

A curiosa permuta entre Paraguai suspenso e a Venezuela, patrocinada sobretudo pelo Brasil, é mostra de insatisfação do Brasil contra os congressistas do vizinho, que depois de anos bloqueando movimentos de expansão do Mercosul - que é amarrado de forma bastante rígida, exigindo unanimidade entre os Estados-membro para muitas espécies de decisão -, agora resolveram partir para a ofensiva contra o processo de integração, destituindo Lugo de forma inconstitucional sobretudo pela sua atuação pró-Mercosul. Para Hugo Chávez, que é novamente candidato à Presidência da Venezuela depois de ter se recuperado de um câncer, trata-se de uma vitória importante, porque facilita mais ainda o acesso do país à produção alimentícia de Brasil e Argentina - tendo em vista, ainda, que a economia venezuelana é plenamente complementar a do Mercosul, além de ser uma das principais do continente.

A suspensão do Paraguai do Mercosul, inclusive, abre espaço para mais transformações no bloco, com a possibilidade de uma aproximação maior do bloco da China, coisa que também não aconteceu porque o país vizinho não reconhece a China Popular, mas sim apenas Taiwan, o que impedia negociações do bloco com Pequim. O ponto é que com uma suspensão de algo em torno de um ano do Paraguai, as movimentações em torno de uma aproximação com a China podem ter um ritmo frenético, o que pode aumentar certas diferenças que Brasil e Argentina possuem sobre como lidar com o gigante vermelho do ponto de vista do comércio internacional. 

No mais, os líderes golpistas paraguaios parecem estar dispostos a aumentar a tensão contra a Unasul e o Mercosul, o que pode tornar a suspensão do país em ambas as organizações - por unanimidade, diga-se - em um processo sem volta. O isolamento internacional do governo de facto é, por enquanto, enorme, e nem mesmo Washington o reconheceu - estranhamente ou não, os únicos países a legitimarem o golpe foram a Espanha, a Alemanha e o Vaticano; trata-se de um eixo pouco usual de ratificação a golpes, embora a Espanha, sempre que governada pela direita, tenda a apoiar golpes na América hispânica, mas quanto a Merkel, trata-se de uma decisão surpreendente e estranha (um desagravo ao Brasil?).

Fernando Lugo, por sua vez, resolveu ir para a ofensiva contra e agora entrou com recurso na suprema corte paraguaia contra o golpe, manobra que não deve surtir efeito em si, mas é necessária como meio para levar a questão à Corte Interamericana de Direitos Humanos - onde ele tem grandes chances de piorar mais ainda a situação dos golpistas.

O México, por sua vez, assistiu há quase uma semana o seu processo eleitoral. O país permanece distanciado do resto da América Latina e superdependente dos Estados Unidos e a eleição de Enrique Peña Neto (PRI) não há de mudar substancialmente isso, embora marque um corte importante, uma vez que rompe o ciclo de doze anos de reformismo liberal do PAN e um retorno à tradição da política mexicana. Foi a saída que os mexicanos produziram depois da falência do país por meio da aplicação da agenda do PAN, que não é incomum ao que, por exemplo, a direita brasileira propõe: resolução da questão das drogas ao estilo guerra às drogas, ultra-liberalização da economia e  aproximação visceral com os Estados Unidos.

Embora longe da Presidência há doze anos, o PRI dá as cartas no Congresso local há um bom tempo, possuiu larga maioria na Câmara dos Deputados e foi um importante bloco no Senado durante o governo Calderón (PAN), com uma atuação que passa pela sistemática manutenção do status quo mexicano - isto é, sempre resistente a reformas mais profundas no sistema mexicano, sejam mais à direita ou à esquerda, o que nada mais é a tônica com a qual o partido governou o México por sete décadas, exceto talvez pela guinada ultra-liberal que ele deu no final dos anos 80 no governo Salinas de Gortari, mas que depois reverteu, voltando apenas ao fisiologismo centrista habitual.

A campanha de Peña Neto, bancada por velhos oligarcas desalojados do poder, é um fenômeno de propaganda semelhante ao que elegeu Piñera no Chile, não só na forma como no possível desfecho: o novo presidente mexicano é uma figura fraca e torpe, cujo carisma pessoal dificilmente será suficiente para mudar o fato que é pouco preparado para as demandas que se impõem. Naturalmente, os problemas mexicanos atuais são muito mais graves do que de qualquer outro país importante da América Latina, o que torna tudo pior. 


 
Novamente, a exemplo de 2006 - quando uma enorme sombra de fraude pairou sobre o processo eleitoral e lhe prejudicou -, a esquerda mexicana obteve uma votação maciça, com López Obrador do PRD obtendo 31% dos votos contra 38% de Peña Neto (no México, não há segundo turno nas eleições majoritárias), mas mesmo a grande capacidade de mobilização e a potência do discurso de transformação não conseguiram furar a barreira eleitoral e suas armadilhas - isso mesmo levando em consideração, inclusive, o tamanho do movimento #YoSoy132, uma verdadeira primavera mexicana, que embora apartidário, confrontou abertamente a velha política mexicana e, talvez por isso, também a figura pessoal de Peña Neto.                                                                                   


Peña Neto começa esgotado sem ter largado, enquanto os movimentos de reivindicação ganham força, mas é preciso acirrar a estratégia e furar o fortíssimo bloqueio imposto por uma das mais resilientes oligarquias do continente.


Elas por elas, a crise mexicana não tem data para terminar, enquanto a aliança de governos de esquerda que fizeram a América do Sul optar pela outra via da bifurcação saiu fortalecida do episódio paraguaio, mas ainda há muita água para rolar e inúmeros problemas para resolver e outros tanto aumentando. A ver.

 

Fonte: O Descurvo

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