PICICA: "[...] as movimentações políticas americanas contra Assange só provam
mais ainda a natureza do material divulgado e constituem, como pontua Mark Weisbrot,
em uma violação clara a tudo que o país de Tio Sam reivindica ser desde
o pós-Guerra: o criador de Wikileaks não cometeu crime algum, ele
apenas divulgou dados vazados, a exemplo de inúmeros jornais pelo mundo
que repercutiram, inclusive mediante acordos direitos com o próprio
site. Se alguém cometeu crime, foi quem divulgou dados sigilosos,
embora, evidentemente, não se trata de uma questão penal estrita; se o
ordenamento jurídico americano entende a revelação desses dados como
"crime", o faz como qualquer poder soberano: ele tipifica
penalmente a conduta que lhe interessa e, assim, ele torna passível de
punição a revelação do seu modo de operar, invasivo e conspiratório,
pelo mundo."
Assange no Equador: O Norte da Democracia Global é o Sul
Há poucos dias, Julian Assange, o criador de Wikileaks, voltou ao foco da mídia global em
um episódio chocante, no qual a polícia britânica o tentou capturar com
o fim de extraditá-lo para a Suécia, onde responde a um processo duvidoso e viciado por questões políticas.
Chegou-se ao extremo de uma tentativa de invasão da embaixada
equatoriana em Londres, onde ele se refugiou por sua proximidade
política com o governo Correa - agravado pelo fato de que a
missão diplomática equatoriana chegou a ser pressionada para entregá-lo.
Em um gesto corajoso, ele não só não foi entregue à polícia, como
também recebeu asilo no pequeno Equador, apesar de ter potências como
EUA e Reino Unido em seu encalço. O conselho de chanceleres da União
Sul-Americana (Unasul), inclusive, ratificou seu apoio à decisão equatoriana.
Assange
tornou-se o ícone da nossa época, quase um Che Guevara da
pós-modernidade ao revelar ao Mundo em 2010, por meio do seu Wikileaks, o
vazamento de telegramas diplomáticos dos EUA em todo o mundo, que
comprovaram velhas teses, desmascaram certas figuras e, sobretudo,
colocaram Washington em xeque. Depois
disso, o fato de Assange passar a ser perseguido mundialmente pelos EUA
eram favas contadas - e não tardou a surgir um misterioso processo por
estupro contra ele na Suécia, cuja procuradoria passou a exigir
paranoicamente sua extradição da Inglaterra para lá, embora ele não
tivesse sido condenado e pudesse depor tranquilamente de Londres.
O grande problema de tudo isso,
é que o Estado sueco não deu garantias, em momento algum, de que
Assange não sofreria uma segunda extradição, desta vez para os EUA, onde
o establishment local já preparava algum julgamento farsesco, à moda do
que eles realizam a todo tempo em Guantánamo. O
ponto é que a legislação sueca de crimes sexuais é profundamente vaga
além do fato de pesar contra Assange uma acusação pouquíssimo clara e
com um conjunto de provas confuso. Nada que não pudesse ser esclarecido
sem demandar sua extradição imediata, ainda mais considerando que isso
aconteceu no calor do momento em que as revelações de Wikileaks abalava o
mundo.
Pior
ainda, as movimentações políticas americanas contra Assange só provam
mais ainda a natureza do material divulgado e constituem, como pontua Mark Weisbrot,
em uma violação clara a tudo que o país de Tio Sam reivindica ser desde
o pós-Guerra: o criador de Wikileaks não cometeu crime algum, ele
apenas divulgou dados vazados, a exemplo de inúmeros jornais pelo mundo
que repercutiram, inclusive mediante acordos direitos com o próprio
site. Se alguém cometeu crime, foi quem divulgou dados sigilosos,
embora, evidentemente, não se trata de uma questão penal estrita; se o
ordenamento jurídico americano entende a revelação desses dados como
"crime", o faz como qualquer poder soberano: ele tipifica
penalmente a conduta que lhe interessa e, assim, ele torna passível de
punição a revelação do seu modo de operar, invasivo e conspiratório,
pelo mundo.
As
revelações de Wikileaks não são pouca coisa. Se boa parte dos
principais pensadores contemporâneos gastaram páginas e páginas
dissertando sobre a guinada bélica americana após o atentado de 11 de
Setembro de 2001 - e, depois, sobre uma crise econômica dentro da qual
não surgiu qualquer alternativa prática radical - foi pelo singelo
motivo que nada era capaz de disparar o novo: depois de Assange e sua
ousada ofensiva, deflagrou-se, p.ex., movimentos como aquele que
conduziu à Revolução dos Jamins na Tunísia - tributário direto dos dados
de Wikileaks do funcionamento da ditadura de Ben Ali -, todo o processo
da Primavera Árabe e, depois, dos occupy, todos modos de
insurgência libertários, inseridos dentro da racionalidade das redes -
sendo que até ali, o grande levante contra os EUA e a ordem imperial
veio por parte do resmungo reacionário do al-quaedismo e de Bin Laden.
O
abraço que Assange recebe do governo de Rafael Correa, o jovem
presidente equatoriano eleito na esteira do vento democratizante
produzido na resistência ao privatismo latino-americano, é um símbolo
curioso: é a união do maior ícone rebelde do nosso tempo com o que há de
virtuoso em termos de movimento político e (des)apropriação do Estado
pelo mundo. Um bom encontro alentador neste 2012 que se afigura como um
anti-2011, pela envergadura da reação às explosões multitudinárias
vistas ano passado. A postura reacionária de EUA, do Reino Unido e,
surpreendentemente, da pacata Suécia assusta. Hoje, mais do que nunca, o
Norte da democracia global é o Sul.
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