PICICA: "Entendo o termo
“saúde pública” de modo amplo. Por um lado, como um campo de saber
interdisciplinar fundamentado em bases científicas. Por outro, como um
campo de práticas, fundado em princípios éticos, técnicos, políticos e
ideológicos. Essas duas pernas conceituais é que sustentam os sistemas
nacionais de saúde, a diplomacia da saúde e a bioética."
O mal-estar na saúde pública
Por Reinaldo Guimarães*
Na passagem dos anos 20 para os 30 do século passado, Sigmund Freud era um personagem de fama mundial. Entretanto, o testemunho da 1ª Grande Guerra, o desalento frente aos inúmeros conflitos no movimento psicanalítico, o processo de exclusão civil dos judeusjá então em curso em Viena, o sofrimento pessoal com o câncer que o mataria dez anos depois e, muito provavelmente, a sensação de insegurança expressa no rearmamento alemão e no crack da Bolsa de Nova York, fizeram aprofundar o seu conhecido pessimismo frente à Humanidade. Esse estado de espírito gerou um famoso ensaio, de 1929 e publicado no ano seguinte intitulado “O Mal-Estar na Civilização”.
Nele, a partir de um enquadramento teórico essencialmente psicanalítico, Freud declara a impossibilidade da felicidade permanente em cada humano e entre oshumanos. Pondera, entretanto, a importância da busca de uma felicidade mesmo que transitória e imperfeita e sugere alguns caminhos para essa busca.
Este ensaio toma emprestado de Freud a ideia de um “mal-estar” na saúde pública. No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o termo é definido por “1. sensação desagradável de perturbação do organismo; indisposição que não chega a configurar doença; incômodo; indisposição. 2. estado de inquietação, de aflição mal definida; ansiedade, insatisfação. 3. situação embaraçosa; constrangimento.
É exatamente do que preciso, esse é o termo que melhor define o tema de que lhes vou falar. Vou tratar do mal estar na saúde pública, que imagino como o núcleo de um poliedro com muitas faces. Nesse mal estar, a “sensação desagradável de perturbação no organismo” é sistêmica: sua sintomatologia é difusa, embora florida. Vou comentar três dentre as muitas faces do poliedro, nas quais não é difícil identificar o mal estar.
A primeira é o desmonte, urbi et orbi,dos sistemas nacionais de saúde de corte universalista como ferramentas centrais de política social. A segunda é a profunda crise das estratégias multilaterais de solução de controvérsias entre países, um tema que vai muito além da saúde pública, mas que nela tem apresentado uma incidência particularmente importante. A terceira face são os dilemas morais cada vez mais presentes e mais intensos no campo da saúde pública.
Em seguida, procurarei situar as raízes do mal estar em certas configurações político-ideológicas mais gerais de nosso tempo, bem como desvelar algumas manifestações concretas na saúde pública, decorrentes ou associadas a essas configurações.
Entendo o termo “saúde pública” de modo amplo. Por um lado, como um campo de saber interdisciplinar fundamentado em bases científicas. Por outro, como um campo de práticas, fundado em princípios éticos, técnicos, políticos e ideológicos. Essas duas pernas conceituais é que sustentam os sistemas nacionais de saúde, a diplomacia da saúde e a bioética.
Confira o ensaio base da conferência, na íntegra, clicando aqui.
*Conferência apresentada por Guimarães no ISC/UFBa, em 17 de agosto de 2012.
Fonte: Cebes
Um comentário:
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