agosto 20, 2012

"No quarto com Wim Wenders", por Suzy Freitas

PICICA: "O formato do documentário de Wim Wenders está longe de ser inovador, mas é interessante rever a posição dos convidados ao Quarto 666. Algumas opiniões se tornaram ultrapassadas, ao passo que outras continuam extremamente atuais e se relacionam aos rumos que o cinema tomou ao longo desses trinta anos."

No quarto com Wim Wenders


 

Trinta anos atrás, o ato de ver um filme começava a sofrer grandes transformações. Tanto a Televisão quando o vídeo passaram a ser acessíveis ao público, que assistia em casa filmes produzidos numa nova mídia com a ajuda de um aparelho de TV e/ou um videocassete.

Todo o ritual de se vestir, comprar ingresso e se fechar numa sala escura já não era o único jeito de ver um filme, assim como grandes filmadoras devidamente carregadas com película não era mais o único jeito de fazer um filme.

Tais mudanças trouxeram empolgação, mas também receios e incertezas, e é essa atmosfera que impregna o filme Quarto 666, do alemão Wim Wenders.

Ao longo de 45 minutos, o cineasta convida outros realizadores para falarem o que pensam sobre a condição do cinema na época perante a popularização absoluta da TV e do vídeo. Cada um deles permanece sozinho no quarto que intitula o filme, localizado no Hotel Martinez, em Cannes, França, e segue um roteiro de perguntas estabelecido pelo alemão.

Passam pelo quarto diretores conhecidos por todo bom cinéfilo (e outros nem tanto…), tais como Jean-Luc Godard, Steven Spielberg, Werner Herzog e Michelangelo Antonioni.

Resistência, empolgação e adaptação

O formato do documentário de Wim Wenders está longe de ser inovador, mas é interessante rever a posição dos convidados ao Quarto 666. Algumas opiniões se tornaram ultrapassadas, ao passo que outras continuam extremamente atuais e se relacionam aos rumos que o cinema tomou ao longo desses trinta anos.


Jean-Luc Godard em depoimento ao “Quarto 666″.

O receio dos realizadores que insistiam em negar o papel do vídeo no fazer cinema é muitas vezes explícito. É o caso do breve depoimento da cineasta brasileira Ana Carolina, que afirma não ter interesse nenhum nessa mídia e no que ela teria a oferecer em termos de inovação da linguagem audiovisual. Paul Morrissey, por outro lado, é um dos que tem mais empolgação com a linguagem da TV e do vídeo.

Já Godard não encara a câmera de Wenders e divaga sobre o cinema como o conhece e como acha que será no futuro. Spielberg, que naquela época se abria de vez para Hollywood, preocupa-se com as consequências para a produção cinematográfica no setor financeiro, equilibrando uma discussão que, para o bem ou para o mal, trata não apenas de arte, mas de indústria.


Steven Spielberg também divagou sobre o então futuro do cinema.

O depoimento mais “profético” surge ironicamente do diretor mais velho dentre os entrevistados, Michelangelo Antonioni. Para ele, o cinema sobreviverá por muito tempo se souber como se adaptar às mudanças. Em tempos de narrativas transmidiáticas, paixão por siglas como 3D e HD, salas IMAX, blu-ray e serviços como o Netflix, o italiano percebeu que o evolucionismo também vale para a Sétima Arte.

Reflexões de ontem e de hoje

Ao contrário do que se possa imaginar, assistir a um documentário que se passa todo dentro de um quarto de hotel está longe de ser chato.

Apesar de os diretores permanecerem sentados ou, quando muito, andando em círculos ou tirando os sapatos, suas palavras prendem a atenção do espectador interessado no tema por refletirem o espírito de uma época passada e a brevidade que marca a contemporaneidade; afinal de contas, se antes alguns cineastas temiam a popularização do videocassete, que hoje é apenas mais uma peça de museu, o que será do cinema atual daqui a trinta anos?


Em “De volta ao quarto 666″, é o próprio Wenders quem fala sobre o futuro do cinema.

Interessante também é complementar o documentário de Wenders com uma produção irmanada a ela, De volta ao quarto 666. Este outro documentário, realizado em Porto Alegre por Gustavo Spolidoro, passa a palavra ao diretor alemão, que relembra a atmosfera dos anos 1980, tida por ele como pessimista em relação ao futuro do cinema, e sua visão sobre as aproximações e distorções que marcaram os depoimentos do filme original. De quebra, Spolidoro lança a Wenders o mesmo desafio de tentar prever o que será do cinema.

Voltando ao Quarto 666 original, todos os discursos são permeados pela inquietação que levou os entrevistados a se expressarem através do cinema. Mais que a certeza ou a dúvida de que o cinema está morto, a íntima relação daquelas pessoas com a arte que produzem está estampada em suas reações de ódio ou amor. Sob esse ponto de vista, Quarto 666 é mais que um exercício de premonição, sendo também um estudo sobre o cinema e o retrato da paixão obsessiva de cada realizador que surge na tela. 

Sobre o autor
Formada em Letras e Jornalismo e mestranda em Ciências da Comunicação atualmente pesquisando sobre crítica cinematográfica na web.

Fonte: Revista Babel

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