agosto 25, 2012

‘Politicamente, o julgamento do mensalão é nulo’ (escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, do Correio da Cidadania)

PICICA: "Correio da Cidadania: Neste sentido, lançando o olhar para o Poder Judiciário de modo mais amplo, qual a sua opinião sobre a sua atuação atualmente em nosso país?


Paulo Arantes: Desastrosa. É desastrosa. O Poder Judiciário no Brasil é o que sempre foi. Inepto, corrupto, basta ver as polêmicas com a Eliana Calmon. Todo mundo quer aparecer, e não falta matéria pra aparecer. O que tem de corrupção no Judiciário é uma enormidade. Eu tenho muitos amigos advogados, já fui da Faculdade de Direito, conheço um pouquinho. O Judiciário é algo espantoso, não existe pra fazer justiça nem pra garantir Estado de Direito coisíssima nenhuma. Ele existe para dirimir querelas entre proprietários. O resto vai pra cadeia quando é preso em flagrante – se não for exterminado. E classe média, se for pro Judiciário, fica arruinada, tem que vender o apartamento pra pagar advogado, e só terá justiça depois de 10 anos. E sempre foi assim, não é à toa que há séculos e séculos se faz grande literatura em cima da cegueira, da violência e da grande corrupção que é o Judiciário. Esse show do mensalão, um show muito mequetrefe, pra usar uma palavra que eles gostam, é a prova da total ineficiência do Judiciário brasileiro. Quando é chamado a serviço, aí ele resolve, como, por exemplo, na interpretação da Lei da Anistia. Pra isso eles servem. São conservadores, têm a cegueira jurisconsult, só vêem o que está nos autos. Um poder essencialmente conservador, a fim de conservar a ordem. É esse o quadro que estamos vendo. Não funcionam como colegiado. São 11 egos astronômicos a se digladiar, ganham fortunas, passeiam... Pode ser preconceito de professor, mas é uma cavalgadura maior do que a outra."


‘Politicamente, o julgamento do mensalão é nulo’ Imprimir E-mail
Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação   
Qui, 23 de Agosto de 2012

Provavelmente um dos espetáculos mais inflados de nossa história midiática, o escândalo de corrupção que marcou o governo Lula, popularizado como mensalão, finalmente chega ao juízo final dos 38 réus. Supondo que todos os citados montantes que escoaram pelos dutos da corrupção sejam verdadeiros, uma avaliação mais autêntica impõe, no entanto, enxergá-los à luz de significativas e ‘autorizadas’ sangrias já sofridas pelos cofres e riquezas nacionais. Afinal, as privatizações iniciadas nos anos 90, agora rebatizadas de “concessões”, e financiadas por dinheiro público, fizeram e continuam fazendo história no país.

A entrevista concedida pelo filósofo Paulo Arantes ao Correio da Cidadania situa os acontecimentos, e respectivo debate, avaliando-os a partir de ótica que vai em rota de colisão àquela com a qual a mídia comercial procura seduzir seus leitores. Arantes questiona aquilo que chama o “teatro do mensalão”, algo que, em sua visão, simplesmente “não tem consequências nem para um lado, nem para outro”. Em sua opinião, além de se tratar de uma encenação, com todos os votos já definidos de antemão, a peça acusatória produzida pela Procuradoria Geral da República e Ministério Público é, “talvez deliberadamente”, inepta, prenunciando que o final não será tão “histórico” ou “redentor” quanto anseiam os grandes veículos de comunicação.

“É claro que, se forem condenados, a direita vai comemorar. Mas vai comemorar sobre o vazio, porque não tira meio ponto de ibope da Dilma e nem influencia nas eleições municipais. Ponto. Se forem absolvidos, o que a esquerda vai comemorar? Nada. O estrago ético, político e moral no PT já foi feito. E mais, já foi resolvido. Tanto que o Lula se reelegeu e elegeu a Dilma”, resumiu.

Prejuízo político já absorvido e superado, fato é que, a despeito da perseverança do ódio que a mídia conservadora dispensa a suas figuras centrais, o PT segue tranquilo seu curso. “Portanto, o mensalão é apenas pra advogado ganhar dinheiro, a mídia vender jornal e ganhar audiência. Acabou. Talvez apareça uma bala perdida, um escândalo a mais, mas ainda assim o Brasil é invulnerável a escândalos. Aqui nada abala”, ironiza, completando que, a despeito de toda a gritaria indignada, mais adiante veremos todos afirmando “a consolidação e aprofundamento das instituições – embora não funcionem. Então, tá bom”.

A entrevista completa com o filósofo Paulo Arantes pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Depois de tantos anos, o STF está julgando o chamado mensalão. O que significa para você esta palavra, ou o episódio da República ao qual ela se refere? Em outras palavras, o que este episódio diz de nossa República?

Paulo Arantes: Eu tenho um ponto de vista estritamente pessoal sobre o que significa o mensalão. O terremoto que tal episódio provocou em seu tempo, de julho de 2005 até a cassação do ministro da Casa Civil, já teve seus efeitos produzidos – e naquele momento. Sete anos depois, pra mim, nada significa do ponto de vista político. O impacto restringe-se ao jogo político convencional, sobre quem perde ou quem ganha com o processo a essa hora, na repercussão na mídia, com pequena interferência em eleições municipais e cargos políticos, coisas triviais. Sete anos depois, a emoção é zero.

Comecei acompanhando o julgamento pelos jornais nos primeiros dias e assisti às duas primeiras sessões, pra ver, digamos, o circo jurídico-político. Um teatro de baixíssima categoria. E me desinteressei. Serve apenas pra se divertir, ver as asneiras que dizem, a linguagem e o juridiquês, a prosa parnasiana, a estupidez de advogados e juízes, egos inflados... Os advogados dos 38 réus devem estar levando milhões por isso. São os escritórios de advocacia mais caros do país.

É um circo. Politicamente, o julgamento é nulo. O estrago no imaginário político brasileiro já foi causado, há sete anos, é irreversível, e o PT que saiu daquele estrago é outro. De modo que todo mundo está cortando nuvens com tesoura, ou seja, não existe mais nada.

Do ponto de vista que poderia interessar à sociologia política do Brasil, seria bom investigar a engrenagem desse sistema de financiamento de estruturas de poder político. Só que ninguém sabe disso, nem nunca vai saber. É o segundo ponto do teatro do mensalão.

Acompanhando pelos jornalões – a mídia alternativa esperneia contra ou a favor, e não adianta nada –, depoimentos daqui, declarações acolá, percebe-se que há um sutil jogo de esconde, no qual ninguém quer falar. Se sabe não fala ou, de fato, não sabem nada do que estão falando a respeito do que foi o mensalão.

Não acho que vamos saber, ninguém vai contar o que era exatamente o esquema, nem daqui a 50 anos. Não se saberá como funcionava a engrenagem, qual era o objetivo. A mim não convence, nunca convenceu, que era pra comprar votos em decisões parlamentares. Não se compra voto com dinheiro no Brasil. Deputados sempre foram comprados com cargos, que significam poder, influência, dinheiro, negócios...  Além do mais, não se compra deputado por causa de votações mensais ou quinzenais, isso é absolutamente ridículo. Votar a favor entra no pacote depois, é óbvio.

O máximo de aproximação que vi no processo é que se tratava de um esquema de poder, de compra de influência, de modo que o PT permanecesse 30 anos no poder público e, portanto, fosse uma peça política fundamental no jogo oligárquico do próximo meio século de política brasileira. Imagino que seja este o projeto do PT. Análogo ao de Collor.

O Collor foi longe demais, por isso foi apeado do poder, e não por causa de protesto na rua. Enganamos-nos redondamente em acreditar nesta versão. Foi a direita que o derrotou. Tanto que, posteriormente, foi absolvido. Cumpriu a missão dele que era barrar a vitória do Lula em 89. Depois, começou a ter ambições demais, como, por exemplo, montar uma emissora de TV pra concorrer com a Globo, reciclar dinheiro em paraísos fiscais, enfim, montar seu próprio centro de poder econômico e autônomo. Embora de família oligárquica tradicional nordestina, era um aventureiro, um playboy. Como todo playboy, um irresponsável. O que, no clube, é inadmissível. Por isso que o Lula foi admitido no clube privê de quem manda aqui. Embora de origem modesta, mostrou-se um rapaz responsável. É o que conta. Como também FHC foi admitido no clube, apesar de seu passado esquerdista. Responsável, hoje, é aquele que se tornou uma pessoa de direita. Por convicção, não por oportunismo.

De modo que o mensalão e nada, pra mim, são a mesma coisa. Claro que, daqui a 20, 30 dias, com o resultado do julgamento, teremos um rebuliço, duas ou três edições especiais do Jornal Nacional, talvez uma mínima influência nos sismógrafos das eleições municipais... E ponto! Porque as pessoas que serão julgadas já estão mortas politicamente. Nenhuma absolvição vai ressuscitar o Dirceu politicamente no Brasil. Mas ele não desapareceu, continua fazendo política nos bastidores. E negócios, não à toa é consultor do senhor Carlos Slim, bilionário mexicano.

Mas a aspiração presidencial de Dirceu acabou. E a Dilma mudou. Aqui há um fato novo. Eu imaginei que a Dilma fosse apenas sombra. Não está sendo. E periga de, daqui a quatro anos, sendo reeleita por esforço próprio, dispensar o tutor. Ele vai pro céu, já é santo, será beatificado, mas sem interferência política.

Correio da Cidadania: Se a enorme pirotecnia midiática em nada alterará os ânimos políticos do país, não serve para ocultar debates relevantes?

Paulo Arantes: Politicamente, hoje, as greves dos servidores federais são um assunto muito mais importante que o mensalão. O mensalão não está preocupando ninguém. Nem quem vai perder nem quem vai ganhar. É claro que, se forem condenados, a direita vai comemorar. Mas vai comemorar sobre o vazio, porque não tira meio ponto de ibope da Dilma e nem influencia nas eleições municipais. Ponto. Se forem absolvidos, o que a esquerda vai comemorar? Nada. O estrago ético, político e moral no PT já foi feito. E mais, já foi resolvido. Tanto que o Lula se reelegeu e elegeu a Dilma. Pronto. Portanto, o mensalão é apenas pra advogado ganhar dinheiro, a mídia vender jornal e ganhar audiência. Acabou. Talvez apareça uma bala perdida, um escândalo a mais, mas ainda assim o Brasil é invulnerável a escândalos. Aqui nada abala.

Estávamos nas Olimpíadas, agora vêm as eleições... O país estava contando medalhas, não estava afim de discursos ininteligíveis de advogados. Claro que o Datafolha fez uma pesquisa e constatou que o senhor Rui Falcão estava errado (o deputado afirmou que as pessoas sequer sabiam do mensalão), e que 70% dos brasileiros sabem do que se trata, embora metade não acredite em condenações... E daí? Não refresca nada, não tem mais significado político.

E é a mídia de esquerda, alternativa, quem está se encarregando de inflar o balão. Se não falasse do assunto, ele já estaria morto. Pra direita tanto faz como tanto fez. Não vai influenciar em nada em 2014, absolutamente nada. O Lula, do ponto de vista processual, está fora. E se estivesse dentro, seria um suicídio político do procurador, dos ministros do STF, assim por diante. Ele é intocável. Mesmo flagrado no motel com uma garota de programa, vão falar que era Nossa Senhora, o anjo Gabriel anunciando qualquer coisa...

Correio da Cidadania: Ainda que considere um circo jurídico o cenário atual, destacaria alguma peculiaridade na atuação do Supremo, da Procuradoria Geral da República e da defesa dos réus neste atual Julgamento?

Paulo Arantes: Como disse, acompanhei os dois primeiros dias, entre outras coisas, pra ver a retórica empregada. A impressão que dá (para um leigo, pois não tenho nenhuma inside information, não sei de nada específico) é a de que estamos diante de uma enorme encenação. O senhor Joaquim Barbosa vai começar a falar e fazer uma acusação de mil páginas... Qual o significado disso? Sabendo que, conforme saiu esses dias nos jornais, o delegado da PF encarregado do inquérito já disse que não apuraram nem a metade do que deveriam, a denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República e Ministério Público é inepta, tendo desconhecido diversos aspectos...

Não se trata de corrupção no sentido convencional, mas de lavagem de dinheiro. Portanto, a peça acusatória está capenga. Podemos imaginar uma peça deliberadamente tão furada como uma peneira. A defesa deita e rola. Retoricamente, porque os votos dos juízes já estão dados há muito tempo. Só vão fazer palavrório na televisão, pra aquele 0,0001 % que assiste TV Justiça.

Dessa forma, temos uma mistura de mise-en-scéne, inépcia, má fé, coisa mal feita e advogados que querem aparecer, ser comentados no jornal, pra valorizarem seus respectivos escritórios...

Correio da Cidadania: Neste sentido, lançando o olhar para o Poder Judiciário de modo mais amplo, qual a sua opinião sobre a sua atuação atualmente em nosso país?

Paulo Arantes: Desastrosa. É desastrosa. O Poder Judiciário no Brasil é o que sempre foi. Inepto, corrupto, basta ver as polêmicas com a Eliana Calmon. Todo mundo quer aparecer, e não falta matéria pra aparecer. O que tem de corrupção no Judiciário é uma enormidade. Eu tenho muitos amigos advogados, já fui da Faculdade de Direito, conheço um pouquinho.

O Judiciário é algo espantoso, não existe pra fazer justiça nem pra garantir Estado de Direito coisíssima nenhuma. Ele existe para dirimir querelas entre proprietários. O resto vai pra cadeia quando é preso em flagrante – se não for exterminado. E classe média, se for pro Judiciário, fica arruinada, tem que vender o apartamento pra pagar advogado, e só terá justiça depois de 10 anos. E sempre foi assim, não é à toa que há séculos e séculos se faz grande literatura em cima da cegueira, da violência e da grande corrupção que é o Judiciário.

Esse show do mensalão, um show muito mequetrefe, pra usar uma palavra que eles gostam, é a prova da total ineficiência do Judiciário brasileiro. Quando é chamado a serviço, aí ele resolve, como, por exemplo, na interpretação da Lei da Anistia. Pra isso eles servem. São conservadores, têm a cegueira jurisconsult, só vêem o que está nos autos. Um poder essencialmente conservador, a fim de conservar a ordem.

É esse o quadro que estamos vendo. Não funcionam como colegiado. São 11 egos astronômicos a se digladiar, ganham fortunas, passeiam... Pode ser preconceito de professor, mas é uma cavalgadura maior do que a outra.

Correio da Cidadania: Em algumas entrevistas que já nos concedeu, o filósofo Roberto Romano fez reiteradas alusões a um certo ‘disfuncionamento’ de nossa República, onde funções institucionais são não somente atropeladas, mas indevidamente trocadas e entrelaçadas.  Neste sentido, o que teria a dizer sobre os três poderes da República, Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como ao inter-relacionamento que vem se estabelecendo entre eles nos últimos anos?

Paulo Arantes: Não é inter-relacionamento. É subordinação. O Judiciário é uma máquina própria. E uma máquina que tem um spirit du corp, ou seja, é muito corporativo, indevassável. Eles se cooptam, se reproduzem, e o Supremo é nomeado pelo Poder Executivo. A bênção do Senado é pró-forma, portanto, desde o fim da ditadura, o Judiciário é um braço político do Executivo. São os presidentes da República que nomeiam os ministros. E eles fazem política. Depois de nomeados, começam a ter voo próprio, às vezes se voltando contra o Executivo.

A ideia cor de rosa de que o processo jurídico, em si mesmo, como parte da engrenagem do Estado Democrático de Direito no Brasil, engrandece a democracia do país e consolida as instituições, por favor, é uma história na qual não acredito. O que significa aprofundar e consolidar as instituições no Brasil? Nada.

Correio da Cidadania: Em que medida um tal cenário concorre para episódios como o do mensalão?

Paulo Arantes: Não é só esse mensalão que existe, certo? Tem o mensalão mineiro, do PSDB. Entre outros. Também a conexão Cachoeira, outra teia de relações em prol do poder político, no caso, no ramo de jogos. Não gosto de usar a palavra máfia porque ela tem uma definição muito precisa na Itália e nos EUA. A máfia vende proteção nesses países. Não é o caso do Cachoeira, que não vendia, mas comprava proteção política e jurídica, é diferente. Mas isso existe desde a fundação dos EUA, com os barões da droga do país comprando deputados e senadores, não se trata de novidade.

Assim, chegamos onde sempre estivemos, como qualquer pessoa de esquerda sabe. Onde está o poder no Brasil? Onde estão os pilares mais aparentes, que operam e sustentam a dominação? Primeiramente, na economia, mais especificamente, no poder rural, hoje agronegócio, que sustenta as contas nacionais. Poder que tem, por sua vez, conexões simbióticas com o oligopólio da comunicação de massa, o segundo pilar. Ninguém abre, todo mundo quer ter o seu monopólio. A CUT quer ter seu canal, e deixa o da Globo em paz. Nisso, ninguém mexe. E o terceiro pilar é o monopólio da representação política. Monopólio este que inclui essas restituições no parlamento, no Executivo e, de certa maneira, no Judiciário, que está se politizando.

O monopólio da representação política é compartilhado pelas grandes famílias políticas, chamadas também partidos políticos. Um outsider, ao aderir ao clube, deve operar como o resto. Esse monopólio é inexpugnável, a menos que ocorra uma revolução social. Houve a ditadura, e eu seria a favor de uma ditadura popular, poder popular. O monopólio jurídico também é inexpugnável, e vemos como está funcionando. É tão poderoso que é capaz de oferecer esse show, esse espetáculo que é o julgamento do mensalão. Trinta e oito pés rapados sendo defendidos por advogados milionários. Quem está pagando? O senhor Luizinho tem dinheiro pra pagar o advogado dele? Não tem. Quem vai pagar? A diretora do Banco Rural tem condições de pagar o seu Marcio Thomaz Bastos? Não tem. Assim como o Cachoeira. Aliás, Cachoeira só não foi defendido por Bastos porque sua esposa estava comprando juiz. E “assim não dá, porque são meus colegas, não pode fazer isso”.

Aí vem aquela lengalenga: financiamento público de campanha, reforma política, reforma partidária... Meus netos vão ouvir isso daqui a 30 anos. Não tem jeito, não saímos dessa.

Correio da Cidadania: De toda forma, instala-se o clima policialesco e a abordagem maniqueísta frente a episódios como o atual julgamento do mensalão. De um lado, setores governistas ou progressistas, que narram o episódio como uma farsa destinada a derrubar o governo Lula, que já teria sido condenado de antemão; de outro lado, a direita conservadora, que se aproveita para exercer seu triunfo diante do possível abalo na imagem do governo e do ex-líder popular. Qual a consequência de um tal contexto na percepção popular?

Paulo Arantes: Vamos pensar nos 38 réus, que serão condenados ou absolvidos, tanto faz. Aí se faz um bolão, um quadro de medalhas, e começa a aposta em quem vai ser absolvido ou condenado. Como vai votar o ministro tal, defender o advogado tal, e assim se alimenta o colunista de jornal, que precisa disso. Sem esses episódios, o que faz um colunista do Estadão, do Globo, da Folha, do Correio Braziliense? Nada, fica coçando em casa. Vai do Cachoeira pro mensalão; termina o mensalão, vai começar a guerra de dossiês pras prefeituras. Por aí vai, e ponto. Como nada tem conseqüências dramáticas, catastróficas, todos concluem que as instituições democráticas estão se aprofundando e consolidando – embora não funcionem. Então, tá bom.

Correio da Cidadania: Dessa forma, permanecerão intactos, não só as atuais estruturas de poder, como é praxe, mas o imaginário político nacional.

Paulo Arantes: É justamente esse o ponto. A história toda só circula no pequeno universo (que pode ser perfeitamente quantificado) que assiste TV Justiça, lê jornal de papel e colunas e blogs de jornalistas. Isso deve dar 0,1% da população brasileira, que acha que essa casta, que esse estamento político funciona assim mesmo. De vez em quando pegam um, fingem que condenam e ponto. Ou demitem um ou outro.

Pra população em geral, o que importa é emprego. É a classe assalariada que vota. E o Lula segurou a onda. A maré internacional favorável e a inteligência política do Lula, aliadas à sua origem popular, asseguraram e deram credibilidade a suas políticas.

Portanto, no mensalão, “ele foi traído. Caixa 2? Até eu faço aqui na minha quitanda”. É uma sociedade visceralmente conservadora, inclusive do ponto de vista popular. Assim, o processo do mensalão serve pra aliviar a consciência moral de alguns. Fingir que alguns vão ser punidos, pegar meia dúzia e acabou. Não há nenhum abalo sísmico. Estão colocando farofa no ventilador, não existe assunto. A Dilma está dentro do aparelho de Estado e do que está se queixando? Só do grave conflito salarial, porque a situação apertou.

Correio da Cidadania: E nesse fogo cruzado, como fica a esquerda mais combativa, como a tem percebido diante da conjuntura atual? Como se posicionar em meio, de um lado, a setores progressistas e governistas, que a acusam de reforçar o discurso da direita, com as críticas lançadas aos governos Lula/Dilma; e, de outro lado, a uma mídia que, de fato, entoa um uníssono claramente mais favorável à oposição?

Paulo Arantes: A esquerda combativa fica onde sempre esteve. No chão, tentando retomar o trabalho de base do jeito que deus manda, isto é, nas chapas de oposição dos sindicatos, nos movimentos sociais que ainda não foram inteiramente enquadrados por esse governo, enfim, fazer o trabalho de base. Não há outra alternativa.

Desde que existe luta de classes em Roma (nesse caso, por razões fundiárias), não se encontrou nenhuma outro meio, nenhum outro canal pra transformação social profunda que não seja o chão da fábrica, da sociedade.

Portanto, cada um sabe onde seu calo aperta, qual é o seu dever, os movimentos a que naturalmente pertence e como pode fazer seu trabalho.

Essa história de chamar a oposição pela esquerda de “jogo da direita” começou no stalinismo e é uma desgraça. Quando alguém fala “você está fazendo o jogo da direita” eu nem ouço. Assim se cala a oposição em qualquer lugar. Do mesmo modo que, na direita, qualquer coisa já podia ser definida como “você tá fazendo o jogo dos comunas”. Essa frase significa “eu estou no governo, não atrapalhe a minha carreira”.

Correio da Cidadania: Finalmente, teria algo a acrescentar sobre o futuro político do país?

Paulo Arantes: Imaginemos o caso do mensalão. Os advogados de defesa, mobilizados por milhões de reais, não conseguiram mudar a convicção dos magníficos ministros do Supremo Tribunal Federal. Uma votação expressiva, tipo 9 a 2, e todos condenados. José Dirceu, já cassado, é condenado. Depois vamos saber se a prisão será domiciliar, em forma de trabalho social, se vai pôr pijama xadrez, aparecer fotografado algemado, tanto faz, não vai acontecer nada. O que vai acontecer no Brasil e no mundo? Zero vezes zero. No máximo, o senhor Slim chegará e dirá: “Don José, não posso levar o senhor a tiracolo como condenado da justiça pra me prestar consultoria pela América Latina e Caribe”. No máximo, ele perderá uma fonte de renda. Muita gente no Planalto vai soltar foguete, no PT idem. E ponto, como já fizeram há sete anos.

Portanto, esse é o máximo de condenação possível. Absolvição de gente expressiva, ou em massa, vai render, por sua vez, umas duas semanas de capa da Veja. E acabou. Não significa que eles vão voltar, que o João Paulo Cunha vai poder ser novamente candidato à presidência da assembléia, que o Dirceu se candidatará à sucessão da Dilma. Só louco ou quem não tem o que fazer pensa e escreve isso. Não haverá consequências nem para um lado, nem para outro.

Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

Fonte: Correio da Cidadania

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