PICICA: "Desde maio do ano passado, a internação compulsória
de crianças e adolescentes que vivem nas ruas, fazem uso de drogas ou
não, está autorizada pela prefeitura da capital fluminense. Além do Rio
de Janeiro, capitais como São Paulo e Belo Horizonte também adotam a
mesma política.
Para Alice De Marchi, psicóloga do Conselho Regional de Psicologia
do Rio de Janeiro e que participou das fiscalizações e da elaboração do
relatório, a concentração desses diferentes aspectos em um único local
representa um retrocesso nas políticas de assistência social e de saúde
mental."
Modelo adotado em comunidades terapêuticas pode significar volta aos manicômios, alertam especialistas
27/08/2012 - 12h32
Carolina Gonçalves*
Repórter da Agência Brasil
A pesquisadora da organização não governamental Justiça Global, Isabel Lima, alerta que o modelo adotado pelo governo vai contra as diretrizes consolidadas para o tratamento da saúde mental. “O financiamento público para comunidades é o financiamento da lógica manicomial, porque as comunidades funcionam com o isolamento. Isto é contrário às diretrizes do SUS [Sistema Único de Saúde], da Reforma Psiquiátrica e da Política de Atenção Integral ao Usuário de Drogas. Estas unidades especializadas são criadas para prestar cuidados aos dependentes de drogas, com internação, eliminando o contato da pessoa com o meio onde vivia antes de ser abrigada.”
Para repassar dinheiro público para um amplo leque de comunidades terapêuticas, o governo decidiu, no ano passado, revogar a Resolução 101/2001 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que estabelecia regras mínimas a serem seguidas pelas unidades de tratamento. Na época, a secretária nacional de Políticas sobre Drogas, Paulina Duarte, disse que a decisão de cassar a resolução, anunciada em reunião pela presidenta Dilma Rousseff, visava “atender à nova perspectiva de acolhimento das comunidades” e incluir no rol de entidades financiadas com recursos do governo aquelas que tinham “dificuldades” de infraestrutura e de equipe técnica.
Dias depois, a Anvisa publicou uma nova norma na qual impõe a presença
de um profissional de nível superior como responsável técnico, sem que
ele seja necessariamente da área de saúde. O órgão explicou, na época,
que a medida tinha por objetivo ajudar na organização das comunidades
terapêuticas, grande parte delas mantida por voluntários.
Recentemente, resultado de fiscalização em abrigos reacendeu o debate sobre o tratamento de usuários de drogas. O relatório Visitas aos Abrigos Especializados para Crianças e Adolescentes denunciou que crianças e adolescentes estariam sendo dopados em abrigos inadequados situados no Rio de Janeiro.
O relatório foi elaborado pelos conselhos regionais de Psicologia e
Serviço Social, o Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio (Pontifícia
Universidade Católica), o Grupo Tortura Nunca Mais e a ONG Projeto
Legal, além da Comissão de Direitos Humanos e de organismos de prevenção
e combate à tortura da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
(Alerj).
Com as visitas, os integrantes do grupo identificaram inúmeros
problemas, como isolamento e encarceramento dos internos, medicalização
descontrolada, falta de informação sobre os efeitos do tratamento e alto
número de reincidências no tratamento, relatado pelos atendentes dessas
instituições. O relatório também alerta para o retorno aos manicômios.
Desde maio do ano passado, a internação compulsória
de crianças e adolescentes que vivem nas ruas, fazem uso de drogas ou
não, está autorizada pela prefeitura da capital fluminense. Além do Rio
de Janeiro, capitais como São Paulo e Belo Horizonte também adotam a
mesma política.
“Essa é a própria lógica da instituição total, encontrada em manicômios, na antiga Febem [Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor], em presídios”, afirmou a psicóloga, em nota divulgada pelo Conselho Federal de Psicologia por ocasião da divulgação do relatório.
A psicóloga destacou o caráter de privação de liberdade encontrado nos
estabelecimentos fiscalizados. “A política de recolhimento compulsório
flerta perigosamente com o modelo manicomial de institucionalização e
exclusão do convívio social”, disse.
* Colaborou Luciana Lima
Edição: Carolina Pimentel
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Fonte: Agência Brasil
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