agosto 08, 2012

"Todo mundo é autista", por Cristina Drumond

PICICA: "No encerramento de uma conversação sobre o autismo que coordenou no final de junho, Miller formulou uma nova versão da frase de Lacan, “todo mundo é louco”, dizendo que “todo mundo é autista”. Essa formulação coloca a ênfase no Um e indica que quando tratamos do encontro da linguagem e do corpo, nos defrontamos, para todo ser humano, com um gozo sempre em desacordo e que implica que cada um tenha que inventar sua fórmula própria para fazer laço social." 

E Freud criou Lacan - imagem surrupiada da internet
 "Todo mundo é autista"

                                                                            Cristina Drumond

Na contracapa do Seminário 19 ...ou pior, cuja tradução saiu recentemente, Miller comenta que a elaboração de Lacan com a formulação Há- Um vem completar seu outro aforisma Não há, que se refere à relação sexual. Esse Um, Miller esclarece que é o Um sozinho. Sozinho em relação ao gozo, auto erótico, e sozinho em sua significância, fora da semântica. Essa maneira de enfatizar o significante sozinho, introduzida no último ensino de Lacan, é uma nova maneira de tomar o simbólico e de enfatizar o que o significante veicula do real.
Lacan, nesse tempo posterior de seu ensino, recusa o dois da relação sexual que é aquele da articulação significante. Apesar de ele ter começado ordenando a experiência analítica e a dialética do sujeito a partir do campo do Outro, agora ele demonstra que esse Outro não existe e lhe dá um estatuto de ficção. Há uma desvalorização do desejo e uma promoção o gozo. Lacan recusa o Ser, mostrando seu estatuto de semblante. A henologia, doutrina do Um, tem lugar central nessa discussão e ela é distinta da ontologia, teoria do Ser. A prática analítica é muito distinta se tomamos como ponto de partida o ser ou se partimos do Um. Com esse seminário, Lacan reduz a ordem simbólica a não ser mais do que a reiteração do Um no real. O que existe é o Um sozinho e uma psicanálise começa justamente quando o sujeito se confessa exilado, sozinho e desconforme ao discurso do Outro. O Um está no centro do discurso psicanalítico e esse ponto de partida é uma consequência da relação que os seres humanos tem com o mundo na contemporaneidade.
Pensar que o discurso poderia tomar como ponto de partida o real é, diz Miller, o pensamento radical do Um-dividualismo moderno. Assim, a oportuna leitura desse seminário de 70-71 nos traz luzes sobre essa ideia de Lacan a respeito da ordem simbólica que tem como manifestação sintomática central as adições, índices desse autismo do gozo do Um reiterado infinitamente. É importante distinguir repetição e iteração: enquanto que a iteração é um “é isso”, onde há uma supressão do Outro, a repetição é a diferença em si mesma, ela é da ordem de um “não é isso”.
No encerramento de uma conversação sobre o autismo que coordenou no final de junho, Miller formulou uma nova versão da frase de Lacan, “todo mundo é louco”, dizendo que “todo mundo é autista”. Essa formulação coloca a ênfase no Um e indica que quando tratamos do encontro da linguagem e do corpo, nos defrontamos, para todo ser humano, com um gozo sempre em desacordo e que implica que cada um tenha que inventar sua fórmula própria para fazer laço social.
A manutenção do discurso analítico que o discurso da ciência insiste em tentar fazer desaparecer depende dessa aposta na contingencia e na invenção, em oposição às soluções estandardizadas e aos protocolos universalizantes que apagam o sujeito. A política da psicanálise implica, portanto, enfrentar o autismo de cada Um.

Fonte: Jornada da Escola Brasileira de Psicanálise

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