PICICA: "Não acredito na democracia representativa. Mas ela sempre esteve em
crise. Não é novo repetir o fato. De onde estou, não enxergo grande
margem de manobra, e sim muitos aparelhamentos burocráticos,
engessamentos, carreiras, muitas dinâmicas improdutivas, aparatos de
poder que simulam o aparato estatal, enquanto máquina de conservação de
desigualdades. Simplesmente não tenho mais tesão em participar de
partido. E vejo como boa parte da geração deseja politizar-se por outras
vias. Mas isto não significa, eu acho, cair em maniqueísmos. Quem
quiser aderir ao movimento real de abolição do estado das coisas, não
pode se pautar por esquemas rígidos ou purismos ideológicos: tem de
estar preparado para sujar as mãos na política real, de caminhar
descalço sobre a terra em que os pobres lutam, com as ferramentas que
encontram à mão. O voto ainda é uma dessas ferramentas. O voto ainda é
um instrumento de luta para os pobres. E uma campanha ainda pode ser um
lugar pertinente de coordenação, animação e articulação. As eleições de
Lula, Evo e Kirchner estão aí para comprovar. Os pobres não votaram
neles porque seriam “alienados”, ou porque teriam sido “comprados” pelas
promessas. A classe média quando pede melhores salários ou ganha uma
bolsa de estudos no exterior não se imagina estar sendo comprada nem
favorecida injustamente. Por que os pobres teriam uma dignidade
inferior? E eles não vão trocar essa realidade concreta, as políticas
sociais realmente incidentes, isso que eles mesmo conquistaram também
pelo voto, por promessas de salvação esquerdista e utopias de amanhã.
Para eles, o hoje não tarda, e eles não podem esperar a revolução para
ter uma vida melhor. Como não reconhecer a importância de os pobres
votarem no Lula e não no Alckmin, elegerem o Evo, o Chávez? O governo
Lula também foi produto de lutas, e as forças populares que o
conformaram continuaram agindo durante os mandatos. Do contrário, não
teria sobrevivido ao golpismo generalizado. Os pobres não precisam de
compromisso ideológico para lutar; sua condição, seu corpo e sua pele,
já são suficientes para fazer da indignação uma prática cotidiana e de
seu sofrimento uma reafirmação de propósito."
Por que voto Freixo
Voto Freixo porque exprime uma força de resistência ao projeto de cidade da atual prefeitura. Porque sua agenda e grupos que o apóiam confrontam o projeto do Rio mais limpo, embranquecido, novo-rico e “pra inglês ver”. Essas forças juntas dele passam por movimentos contra as remoções, pela moradia, cultura de resistência funkeira, trabalho informal, por professores em greve, estudantes de todas as faixas de renda, defensores públicos militantes, rádios comunitárias, coletivos de produção cultural na periferia, entre outros. Voto nele porque essa composição toda contesta o projeto atual de Rio de Janeiro que aprofunda a desigualdade, o racismo e a violência contra os pobres. Essa composição com Freixo, na minha avaliação, consegue se colocar além da questão partidária, do esquerdismo do PSOL e do ativismo clean de classe média branca que o acompanha. Penso que, é possível, essa campanha consiga capilaridade junto dos pobres, exatamente mitigando a tendência partidária e esquerdista. Isso depende da capacidade de organizar os elementos de autonomia popular, as insatisfações e desejos de fazer diferente ao longo dos territórios da cidade, agenciar-se com as forças vivas que já produzem cultura e resistem politicamente, — tudo dentro de uma combinação heterogênea de sensibilidades, linguagens e poéticas políticas.
O governo atual está atravessado por um conglomerado de interesses empresariais, imobiliários e financeiros que, para concentrar ainda mais a riqueza, precisa varrer a pobreza para longe. Governo da porrada contra morador de rua, camelô, ocupante, artista, ativista, contra pobre e preto. Nesse contexto, voto Freixo porque a sua campanha levanta problemas quase invisíveis diante do gigantesco aparato que sustenta essa realidade. Falo da grande síntese do novo Rio, cidade emergente no capitalismo globalizado, que arrasta consigo pelo caminho do desenvolvimento inúmeras tensões e focos de antagonismo, sempre e sempre ao custo dos pobres. Falo desse consenso quase impermeável que polícia, obras, publicidade e grande imprensa aplicam dia após dia. A campanha do Freixo ajuda a problematizá-los, a circular o discurso.
Costumo me perguntar: como esses antagonismos à síntese do novo Rio podem se compor e formar resistências eficazes? É uma questão que exige análise de conjuntura, e a imersão prospectiva nas forças vivas da cidade, a escuta e a interação. Uma análise mutante, variável, onde não se pode ter medo de errar e errar de novo, erros consequentes, pensados e ponderados. Essa análise materialista muda necessariamente. Ela muda junto com a sucessão de acontecimentos e o estado das lutas e sínteses, a partir da capacidade de pesquisá-las e compreendê-las coletivamente, numa prática de constante conversação entre grupos, coletivos, movimentos e agentes políticos. É preciso investigar espaços e tempos onde as lutas podem se agenciar, onde as redes militantes podem se fortalecer, onde a composição do que resiste permite gerar algo novo, forte, efetivo. De meu ponto de vista, na atual conjuntura, a campanha ao redor do Freixo ajuda a tramar esses espaços e tempos, onde se pode apostar pela articulação desses pontos de resistência e reexistência, essa conjugação de movimentos. Pode ser que há seis meses fosse mais pertinente investir os esforços noutro lugar. Pode ser que no dia seguinte à eleição, não seja mais válida a leitura. O fato é que hoje é. Esse espaço e esse tempo mudam incessantemente, então é preciso continuar se movendo, acompanhando-lhe o movimento. Estou suficientemente convencido disso para apoiar essa campanha.
Não acredito na democracia representativa. Mas ela sempre esteve em crise. Não é novo repetir o fato. De onde estou, não enxergo grande margem de manobra, e sim muitos aparelhamentos burocráticos, engessamentos, carreiras, muitas dinâmicas improdutivas, aparatos de poder que simulam o aparato estatal, enquanto máquina de conservação de desigualdades. Simplesmente não tenho mais tesão em participar de partido. E vejo como boa parte da geração deseja politizar-se por outras vias. Mas isto não significa, eu acho, cair em maniqueísmos. Quem quiser aderir ao movimento real de abolição do estado das coisas, não pode se pautar por esquemas rígidos ou purismos ideológicos: tem de estar preparado para sujar as mãos na política real, de caminhar descalço sobre a terra em que os pobres lutam, com as ferramentas que encontram à mão. O voto ainda é uma dessas ferramentas. O voto ainda é um instrumento de luta para os pobres. E uma campanha ainda pode ser um lugar pertinente de coordenação, animação e articulação. As eleições de Lula, Evo e Kirchner estão aí para comprovar. Os pobres não votaram neles porque seriam “alienados”, ou porque teriam sido “comprados” pelas promessas. A classe média quando pede melhores salários ou ganha uma bolsa de estudos no exterior não se imagina estar sendo comprada nem favorecida injustamente. Por que os pobres teriam uma dignidade inferior? E eles não vão trocar essa realidade concreta, as políticas sociais realmente incidentes, isso que eles mesmo conquistaram também pelo voto, por promessas de salvação esquerdista e utopias de amanhã. Para eles, o hoje não tarda, e eles não podem esperar a revolução para ter uma vida melhor. Como não reconhecer a importância de os pobres votarem no Lula e não no Alckmin, elegerem o Evo, o Chávez? O governo Lula também foi produto de lutas, e as forças populares que o conformaram continuaram agindo durante os mandatos. Do contrário, não teria sobrevivido ao golpismo generalizado. Os pobres não precisam de compromisso ideológico para lutar; sua condição, seu corpo e sua pele, já são suficientes para fazer da indignação uma prática cotidiana e de seu sofrimento uma reafirmação de propósito.
Por isso, na conjuntura sul-americana e brasileira, a prática da campanha do não-voto, sob qualquer argumento, resulta em última instância purista, deslocada e ineficiente. É a minha conclusão provisória. Os candidatos e as forças por trás dos candidatos não são a mesma coisa. A negatividade do fuck the system se assenta sobre a positividade do do it yourself, eis aí o punk, pars destruens pars construens; ou do contrário se resume à rebeldia destrutiva e masculinizada e não estaremos tão longe do faço-o-que-quero e da gratuidade violenta dos skinheads. Fascismos disfarçados de horizontalidade e amparados por consensos silenciosos que mascaram a realidade. Não há uma alternativa à altura em construção para que se promova o não-voto, um espaço e um tempo de convergência tão abrangentes, hoje, para as lutas da cidade. É desperdiçar uma conjuntura única. Sim, toda a crítica do universo contra partidos e eleições, à democracia representativa confinada com o regime capitalista, mas renunciar ao campo é um erro político. Posso não ter estômago, e a distância ideológica entre as campanhas pode ser pequena a ponto de não ensejar um engajamento numa delas, mas não o é, certamente, para o esforço de apertar um botão no dia do pleito. Hoje, achatar tudo como deplorável que não mereça sequer um gesto nosso, não faz mais do que destacar a questão do plano material das possibilidades históricas, da conjuntura e do mundo das forças que a atravessa, para sustentar puritanamente suas ideologias e seus compromissos a-históricos. Idealismo.
É sempre mais fácil eximir-se de situações conflitivas e evitar desgastes. A coragem está nos casos e decisões difíceis. Viver é tomar partido. Quem quer viver de verdade os desafios de seu tempo histórico, precisa estar preparado para entrar na mata e assumir os riscos, e ousar, e errar. O materialista não pode sair do mundo. Abraça-o. E, com todas as suas contradições e paradoxos, só um mundo pode ser vivivo e abraçado. Este.
Fonte: Quadrado dos Loucos
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