dezembro 03, 2012

"tic-tac, tic-tac…" (Psicotramas)

PICICA: "Porque somos humanos, e não deuses, nós temos perdas irrecuperáveis! Poizé, nossa humanidade num permite a deriva ideal que torna a dor algo transitório. Tem uma dor que é uma “revelação”, uma outra forma de epifania. Acho que a Elegia 10 do Rilke trata disso. Rilke descreve a dor de ver o mundo como uma sombra por causa duma ausência básica. Quem sabe esta ausência básica é, como aquela descrita por Lacan, a nossa própria ausência na inteireza daquele mundo: se olhamos pra ele é porque estamos excluídos dele…" 

tic-tac, tic-tac…


tictac


Trêsli os escritos “Sobre a Transitoriedade” (1916) y “Luto e Melancolia” (1917).
Foi uma surpresa encontrar a facilidade com que Freud se referia à transitoriedade dos objetos que amamos. Tema basilar em Lacan quando descreve o objeto pequeno a, ou seja, de como num há o objeto adequado, complementar, insubstituível (porque aquele a quem amamos, ou aquilo que amamos é só a sombra d’algo otro que num será jamais recuperado), podemos perdê-lo, em seguida lamentá-lo por meses ou anos, e entonces, elaborado o luto normal, passar pra otro. Como na história de Jó que perdeu esposas, casa, família, e después ganhou tudiiiinho novinho otra vez.
De repente (não + que de repente!), aos 44 minutos do 1º tempo, resisti. Resisti a essa idéia fundante associada a enfrentar o rochedo da castração, etc&tal, sem ser porque dominado pela fantasia de ainda, milagrosa-mente, encontrar uma alma gêmea (o que deve ser uma chatice sem igual… com o perdão da capenguice dessa imagem). É que na leitura/re-leitura de Freud percebi una cosita estranha. Ele num fala de “dor”, fala de “dor mental” pero como sinônimo de “angústia” y de “dor física”, o que num é a mes-ma coisa que esta dor de que falo agora, hã!? Dor de perder algo real-mente insubstituível. Dor que nos leva ao confronto com uma ausência-presente em cada objeto que se recorta, assim também como algo extra-real e/ou hiper-real.
Falo da dor de ter perdido uma fé, um amor, um axioma de vida (cada 1 investe pra fora do “eu”, o que não requer que este investimento se dirija a uma outra pessoa como a rosa do Pequeno Príncipe)…
Freud começou a duvidar da psicanálise ainda nos anos da 1ª Guerra, vendo a eclosão da brutalidade sanguinolenta com a mes-ma força que achava ter sido adoçada pela civilização. Perdeu a ilusão, constatou que suas premissas eram falsas y cientifica-mente procurou novos paradigmas. Muito saudável. Só que, se a mente pode ser flexivel y agigantar-se, renovar-se, eternizar-se… ainda assim continuamos limitada-mente humanos…
Porque somos humanos, e não deuses, nós temos perdas irrecuperáveis! Poizé, nossa humanidade num permite a deriva ideal que torna a dor algo transitório. Tem uma dor que é uma “revelação”, uma outra forma de epifania. Acho que a Elegia 10 do Rilke trata disso. Rilke descreve a dor de ver o mundo como uma sombra por causa duma ausência básica. Quem sabe esta ausência básica é, como aquela descrita por Lacan, a nossa própria ausência na inteireza daquele mundo: se olhamos pra ele é porque estamos excluídos dele…
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Bien, Freud defende o valor da transitoriedadeda da vida como corolário do valor da escassez do tempo: no verão de 1913, num passeio pelo campo, 1 poeta (diz a lenda que era o Rainer Maria) revelou seu desalento frente à certeza de que o inverno destruiria o esplendor da natureza naquele momento. Algum tempinho después, em plena 1ª Guerra, Sigmund escreveu “Sobre a Transitoriedade”, denunciando a dificuldade de se aproveitar a vida quando há revolta contra o luto pelas perdas inevitáveis das quais temos consciência antecipada.

Fonte: Psicotramas

Um comentário:

Diego disse...

O ser-para-morte, que se move apenas pela consciência do finito. O Imortal de Borges trata disso:

"Sabia que em um prazo infinito ocorrem a todo homem todas as coisas".

ou

"A morte (ou sua alusão) torna preciosos e patéticos os homens. Estes comovem por sua condição de fantasmas; cada ato que executam pode ser o último; não há rosto que não esteja por dissolver-se como o rosto de um sonho. Tudo, entre os mortais, tem o valor do irrecuperável e do inditoso. Entre os Imortais, ao contrário, cada ato (e cada pensamento) é o eco de outros que no passado o antecederam, sem princípio visível, ou o fiel presságio de outros que no futuro o repetirão até a vertigem. Não há coisa que não esteja como que perdida entre infatigáveis espelhos. Nada pode ocorrer uma só vez, nada é preciosamente precário".

Longe de mim gozar com o pau do Borges, mas não tenho competência para expressar tão bem a idéia. O cão da memória late e ameaça abocanhar os passos enquanto levamos sobre os ombros nossas expectativas (dizem que esta era guardada na caixa de Pandora como um peso irremediável). Qual o preço do presente, afinal?