PICICA 1: "O
tema Amazônia, hoje tão corrente na sociedade, na mídia e nos debates
acadêmicos, não é novo. Pelo contrário, é um dos assuntos mais antigos,
desde a chegada do europeu no chamado Novo Mundo. O sociólogo Renan
Freitas Pinto diz em seu livro “Viagem das Idéias” (Editor Valer), que
“a Amazônia se tornou um tema universal desde muito cedo e povoa o
imaginário do mundo inteiro graças, sobretudo, à revelação que dela
fizeram seus exploradores, seus viajantes, cronistas e cientistas de
diferentes épocas”."
PICICA 2: Leia, também, "A Amazônia de Euclides da Cunha", por Ernesto Renan Freitas Pinto. Clique aqui.
As ideias ocidentais sobre a Amazônia
Aventureiros se arriscaram em terras inóspitas, em
penosas viagens a cabeceiras de rios e a contatos com povos
desconhecidos para refletir sobre a região
Gravura que retrata embarcação usada por viajantes da expedição
"Viagem Filosófica", comandada por Alexandre Rodrigues Ferreira
A
Amazônia, antes mesmo de ser conhecida por este nome, sempre foi
pródiga em atrair viajantes estrangeiros - seja na condição de cronistas
de expedições, estudiosos, cientistas ou meros curiosos - na tentativa
de conhecer sua natureza ambiental e humana.
Essa espécie de “aventura do conhecimento” sobre a região ajudou a
sustentar uma concepção, que até hoje se pereniza. Concepção essa que,
apesar de ser considerada defasada em muitos aspectos, é continuamente
atualizada para servir de base para novas categorias classificatórias da
“ideia de Amazônia”.
O
tema Amazônia, hoje tão corrente na sociedade, na mídia e nos debates
acadêmicos, não é novo. Pelo contrário, é um dos assuntos mais antigos,
desde a chegada do europeu no chamado Novo Mundo. O sociólogo Renan
Freitas Pinto diz em seu livro “Viagem das Idéias” (Editor Valer), que
“a Amazônia se tornou um tema universal desde muito cedo e povoa o
imaginário do mundo inteiro graças, sobretudo, à revelação que dela
fizeram seus exploradores, seus viajantes, cronistas e cientistas de
diferentes épocas”.
Conforme
Renan Freitas Pinto, são “idéias que têm estado presente na maior parte
dos intentos para explicar e decifrar a condição cultural do Novo Mundo
e da Amazônia. E que podem ser reproduzidas em novas designações
classificatórias. Encaixando segmentos locais nas em nomenclaturas
novas, como desenvolvimento sustentável, populações ribeirinhas, povos
da floresta, etc”.
No
decorrer de quatro séculos, a concepção dada a Amazônia foi forjada a
toques de exotismo, estereótipos e um olhar preconceituoso baseados na
hierarquia racial do homem branco e europeu. A metodologia desses
estudiosos era baseada no que havia de mais moderno naquele período. A
concepção científica predominante era fundamentada na doutrina
naturalista, tendo como herança o Iluminismo, já então no auge no
pensamento ocidental.
Naturalismo
Uma
das teorias de maior expressividade foi a filosofia naturalista de
Lineu e Buffon, este considerado o grande inspirador das metodologias
posteriores de investigação científica sobre a Amazônia. Entre os mais
notórios seguidores de sua ferramenta metodológica está Alexandre
Rodrigues Ferreira, autor de “Viagem Filosófica”, resultado da expedição
que marcou história realizada no século 18.
Foi
nos confins de um Brasil colonial, que aventureiros se arriscaram em
terras inóspitas, em penosas viagens a cabeceiras de rios e a contatos
com povos desconhecidos para refletir sobre a região. Muitos deles,
antes de chegar por aqui, se armaram com leituras de relatos de
naturalistas e de estudos científicos de viajantes.
Alguns
não precisaram colocar os pés no Novo Mundo. Bastaram os relatos para
que estes servissem de base para os estudos e constatações de que aqui
havia sim um mundo novo, mas totalmente desprovido de valores de
civilização, de desenvolvimento e de evolução natural de seus
potenciais.
Alguns
desses viajantes queriam apenas fazer inventários para estudar o Novo
Mundo; outros, com a boa vontade da época, apostavam na inexorável
chegada do desenvolvimento e da civilização como contribuição para a
evolução da região. Para todos, porém, estas terras tropicais eram uma
terra inculta, sem valores morais e religiosos, empobrecida pelo clima
avesso que lhe tornava atrasada em relação ao ocidente.
A
ênfase dada era para a inferioridade racial em relação europeu, para
meio físico e ao clima desfavorável. Um dos mais notórios representantes
deste pensamento (mesmo sem nunca ter estado por aqui) foi Buffon.
Buffon
foi um pensador que teve suas ideias largamente aceitas sobre o Novo
Mundo e desempenhou um papel destacado na construção da identidade
européia e de concepções cientificas que foram centrais na formação do
pensamento cientifico moderno.
Filosofia
As
lacunas sobre tudo que se pensou e estudou a respeito do Novo Mundo e
em especial sobre a Amazônia são intermináveis. Sabemos que a leitura
não apenas era incoerente, mas negativa e perigosa. A exceção era rara
para o pensamento da época. E em muitos casos, estas tentativas de
navegar contra foram soterradas pela concepção que acabou predominando.
Um
dos exemplos mais famosos foi o de Montaigne. Seu olhar para um mundo
espoliado e considerado atrasado beirou à generosidade, numa época em
que o que se sobressaia o parâmetro eurocêntrico do pensamento.
Em
seu “Sobre os Canibais” de seu “Ensaios”, Montaigne criticou o que
ninguém mais fez: a construção fantasiosa dos povos indígenas, sobretudo
a que ficou marcada na mentalidade européia, a de que todos eram
canibais. O filósofo pretendeu mostrar que o europeu, além de
desconhecer as condições em que vivem os povos, não conseguiu enxergar
além de seus preconceitos. Ele destacou os valores culturais dos povos,
especialmente os rituais bélicos e fez um curioso comentário sobre a
barbárie praticada na Europa.
Mas
o que os textos da maioria dos viajantes e/ou cronistas perdem em
coerência, ganham em riqueza de detalhes. Em informações que, sem estes
cronistas, não chegariam até nós para servir de base para um dado
aspecto da historiografia – já que a outra versão acabou-se diluindo no
tempo e no espaço, com o fim de muitas civilizações nativas.
Ecologia
Em
meio a tantos olhares sobre a Amazônia, alguns antecipam a discussão
ecológica da região, como o fez Arthur Reis em “A Cobiça da Amazônia” e
outros propõem projetos de urbanismos incomuns para a sua época, como o
que realizou João Daniel em seus escritos na prisão. João Daniel via a
Amazônia como uma das regiões mais ricas do mundo do ponto de vista de
seus recursos naturais, comparando-o com as singularidades de outras
partes do mundo.
Alguns
optaram por estudá-la minuciosamente, como aconteceu com a viagem
filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira, o seguidor mais famoso de
Buffon, e outros a propor mudanças administrativas como aconteceu com as
sugestões de Euclides da Cunha.
Foi,
conforme Renan, a partir de Euclides da Cunha que se “inaugura um novo
modo de perceber a história social do povo brasileiro”. Na Amazônia,
Euclides tentou compreender a Amazônia a partir de sua “face rústica,
primitiva e atrasada”, para identificar as causas das desigualdades
regionais.
Retirada
a concepção eurocêntrica que predomina na época do Iluminismo e, do
ponto de vista da atualidade, preconceituoso, havia um interesse
antropológico que até pouquíssimo tempo atrás não era encontrado nos
debates científicos. A partir desta concepção, forjou-se uma nova
interpretação, não obstante seu olhar eminentemente estereotipado, que
foi, felizmente, sendo reconstruído ao longo dos tempos. Até em ciência
foi transformado.
Fonte: Elaíze Farias
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