dezembro 04, 2012

"A vida do imigrante começa no guichê", por Alex Spire

PICICA: "O poder dos agentes de guichê não se limita àsua maneira de administrar os fluxos. Eles têm também a capacidade de adaptar os textos. Se a diferença entre as instruções contidas nas circulares e as práticas que delas provêm sempre foi muito predominante na política francesa de imigração, ela tende a se tornar cada vez mais importante. Durante os “Trinta Gloriosos” [anos que se seguiram ao pós-guerra], a imigração não era um “problema político”, e a grande maioria das circulares permanecia interna à administração: não era levada ao conhecimento do público e tinha como única função harmonizar as práticas dos funcionários dentro do conjunto do território."

Esfera social
A vida do imigrante começa no guichê


Empregado durante muitos meses como funcionário administrativo nos serviços franceses de imigração, o sociólogo Alexis Spire revela os bastidores dessa “máquina de triagem”. Se oficialmente os agentes do Estado simplesmente aplicam a lei, ao mesmo tempo dispõem de certa margem de interpretação dos regulamentos
 
por Alexis Spire

O guichê não é um lugar de poder como os outros. Pertencendo à paisagem cotidiana das administrações contemporâneas, é a encarnação das relações de dominação que se estabelecem entre um utilizador e uma instituição. No serviço de subvenção familiar, no Polo de Emprego ou ainda na Previdência Social, ele é a arena na qual os mais desfavorecidos lutam contra o Direito para fazer valer os seus direitos. Mas, no caso das administrações encarregadas da imigração, essa relação de dominação burocrática se multiplica em diversas circunstâncias agravantes: o solicitante estrangeiro se encontra atado por procedimentos e regras dos quais ele não domina nem a lógica nem, às vezes, o idioma que as enuncia; quando contesta a decisão, é frequentemente lembrado do seustatusde não cidadão. Diante dele, o funcionário detém um poder ligado ao seu conhecimento do regulamento e à interpretação que está em condições de fazer sobre ele.

Quer trabalhem no guichê, na instrução dos processos ou na direção de um departamento, os funcionários encarregados do controle de imigração têm o sentimento de ser dotados de certo poder, reforçado pelo fato de que o exercem sobre indivíduos que raramente conhecem seus direitos. A nebulosidade das regras que devem ser aplicadas pode até aumentar seu poder de apreciação. A primeira manifestação desse fenômeno aparece nas intermináveis filas de espera que se formam na porta dos escritórios de imigração e dos consulados. Em outros serviços públicos, as autoridades se esforçam para reduzir a espera, adaptando a organização do trabalho ao fluxo de solicitantes. Mas, quando se trata de imigração, são os estrangeiros que precisam se adaptar às regras da burocracia. Tudo acontece como se a insuficiência de meios materiais e humanos incitasse os agentes a colocar sobre os estrangeiros o peso do mau funcionamento da administração. O tempo de espera constitui a base de uma forma de dominação que os estrangeiros aceitam mais ou menos facilmente, de acordo com seu status ou recursos. Os solicitantes de asilo que devem esperar diversas horas, às vezes no frio, antes de poder ter acesso ao guichê só reclamam muito excepcionalmente, mesmo quando são mandados embora por causa de um questionário mal preenchido. Por comparação, os postos que acolhem os migrantes da Comunidade Europeiatêm filas muito menos longas, maseles elevam mais a voz: alguns, por exemplo, vão ao guichê perguntar onde está seu processo e reclamam por ter de perder um dia de trabalho por causa desses procedimentos administrativos.

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