PICICA: "[...] Ozon não quis fazer um filme sobre algo, mas sobre
qualquer coisa. A história de um professor mediano e de um aluno
promissor não envolve a dramaticidade que suas intenções demandam,
ficando entre o humor desleixado e o drama romântico cordial com o
espectador, aquele que rouba a crueldade dos grandes autores para delas
se embebedar torpemente. Se uma tragédia se anuncia, uma história das
mais surradas ganha corpo."
Dentro de Casa
Germain (Fabrice Luchini) é professor de literatura que, após anos no lycée, já não tem o mesmo prazer em ensinar seus alunos. Dar aulas e corrigir provas na companhia da mulher, a galerista Jeanne (Kristin Scott Thomas), nada mais é que um trabalho cansativo e desalentador. Mas quando conhece a letra de Claude (Ernst Umhauer), jovem que, no dever de narrar como havia sido seu fim de semana, acaba por surpreender o professor ao contar sua relação com um amigo Raphael Artole (Bastien Ughetto), que é por acaso seu colega, de maneira bastante fora do comum (o comum é aquilo que Germain está habituado a ler de outros estudantes na maioria dos casos). Germain resolve então aprimorar a escrita de Claude, pois vê nele o talento que lhe falta: quer que o jovem escreva aquilo que não conseguiu escrever. Logo fica claro que Claude é o filho e a obra que Germain nunca conseguiu colocar no mundo. Claude demonstra empolgação com a ideia e passa não só a contar sua vida com Raphael, mas também sua intimidade. Frequenta a casa do colega para lhe ajudar nas lições de matemática e ganha confiança dos pais dele. O drama (do filme e da própria história que Claude cria para Germain a partir de sua experiência real) se instaura entre as possibilidades do real e da ficção.
O tutor e o aluno desenvolvem uma relação que flutua entre a necessidade (humana, afinal) de se locupletar, de compor um mundo que pode existir para além de sua própria corporificação, isto é, de seu próprio processo criativo. Pois Dentro de Casa é bem isso, aquele registro infantil e ao mesmo tempo adulto da vida. Um filme que trabalha em cima da ideia de que nossas escolhas também podem ser bastante imbecis. Germain pretende ensinar a Claude as técnicas narrativas que o bom escritor deve dominar. Então o filme passa a girar em torno da apreensão e da conquista do próprio jogo que eles criam e o espectador torna-se objeto de captura nos meandros das cenas. Em meio a lições que vão de Tchekhov a Flaubert, passando por Dostoievsky, o diretor François Ozon costura uma aventura moderna atolada em seus esquemas: um diálogo com o processo de criação incipiente que busca na própria qualidade das referências que apresenta construir um discurso conciliador entre a realidade e ficção.
Ao escrever para Germain, Claude busca um final estarrecedor, algo que possa sacramentar sua fúria juvenil e seu amor incontrolável pela mãe do melhor amigo. Germain perde o controle sobre sua escrita quando lhe ensina que a literatura lhe permite criar o insondável, governar o impossível e desmistificar as forças estabelecidas socialmente. Mas Ozon não quis fazer um filme sobre algo, mas sobre qualquer coisa. A história de um professor mediano e de um aluno promissor não envolve a dramaticidade que suas intenções demandam, ficando entre o humor desleixado e o drama romântico cordial com o espectador, aquele que rouba a crueldade dos grandes autores para delas se embebedar torpemente. Se uma tragédia se anuncia, uma história das mais surradas ganha corpo.
Com toda a ingenuidade que lhe cabe, Dentro de Casa revela que a arte pode alterar o futuro, torná-lo seu, a seu modo. Se uma das lições de Germain é que o escritor deve deixar o espectador decidir alguns acontecimentos sem fornecer muitas explicações, Ozon coloca isso como questão fazendo exatamente o inverso. A única chance do espectador aproveitar o filme é no final, quando Claude finaliza seu romance acenando com a possibilidade de que ele transou com a mulher do professor, mas a essa altura não há quem sem importe com a dubiedade de traições. O que fica é a impressão de que Germain não é mais que sua inocência e Claude nada além de sua infantilidade amorosa.
Falta muito ao novo filme de Ozon. Ele carece de uma diferença, pois é igual a quase todos os outros. A câmera só filma quem fala, não há extracampo (embora não seja um cinema de fluxo), o off é meramente reiterador de algo que já toma conta da tela. Falta algo que possa lhe dar fôlego, recuperando a alegria de filmar que vimos em Gotas d’água em Pedras Escaldantes (2000) ou mesmo em Angel (2007) que, dos seus trabalhos recentes, parece o único que ainda resiste a certos artificialismos – talvez justamente por ser aquele esteticamente menos óbvio. Aqui, não há nada sobre o fracasso da vida que não seja uma simplificação da própria obra dostoievskyana.
(Dans la Maison, França, 2012) De François Ozon. Com Fabrice Luchini, Ernst Umhauer, Kristin Scott Thomas, Emmanuelle Seigner, Denis Ménochet, Bastien Ughetto, Jean-François Balmer.
Fonte: Tudo [é] Crítica
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