PICICA: "O infeliz debate com Feliciano levanta questões muito
importantes, na verdade, questões fundamentais e sobre as quais devemos
pensar. Algumas delas: Queremos um Estado laico ou um Estado que fique
subordinado a esta ou aquela crença religiosa? Queremos um Estado que
aposte no respeito às diferenças – sejam elas de cor, credo, gênero ou
identidade sexual – ou queremos um Estado que reforce discursos
machistas, homofóbicos, racistas e/ou preconceituosos? Queremos um
Estado que se paute no debate democrático ou na profusão e imposição de
conceitos e discursos já prontos, em geral, moralistas e hegemônicos?
Queremos um Estado que promova a educação para a liberdade, por defender
o aprendizado de múltiplas verdades, ou uma educação que se baseie em
dogmas e que, por isso, acredite numa única verdade? Queremos participar
mais da vida política do nosso País ou o nosso compromisso com a
democracia deve terminar ao apertamos o botão “confirma” da urna
eletrônica? Queremos que o voto seja uma relação de compromisso entre
eleitor e eleito ou um cheque em branco? Queremos debater ideias,
propostas, projetos ou queremos apenas ser capazes de distinguir entre
dois tipos de políticos ou partidos: os “ficha limpa” e os “ficha suja”?"
Sobre o infeliz debate com Feliciano
psicanalista
Dizem por aí que política não se discute. Na minha modesta opinião tal afirmação é o maior dos contra sensos, afinal, a boa política é exatamente aquela que se constrói a partir de um bom debate de ideias, ou seja, no travar de uma boa discussão. Vale lembrar que quando eu falo de política, me refiro aquela que tem como pressuposto ético a construção do bem estar comum, do bem da coletividade.
Não sei se é uma característica apenas da política brasileira, mas percebo que nosso debate político tem se tornado cada vez mais pobre e rasteiro. Nossa tão comemorada e ainda jovem democracia carece de um bom debate ideológico (de ideias) que ultrapasse as questões meramente econômicas (inflação, juros, crescimento econômico, PIB) ou que transcenda o clamor pelos chamados “políticos ou partidos ficha limpa”.
Eu confesso que também participei deste acalorado debate e me coloquei ao lado dos que exigiam “ficha limpa” para os nossos digníssimos candidatos, mas diria que hoje, essa bandeira não me seduz tanto como antes. Percebo que, depois dela, nossa discussão política tomou um rumo ainda mais tosco e empobrecido, já que a grande questão passou a ser: quem é ficha limpa e quem não é, ou qual o partido político se tornará um exemplo de limpeza, livre da corrupção e do mau-caratismo - como se isso fosse o suficiente para qualificar nossa política.
Mas eu queria mesmo tratar do nosso debate político mais atual que é a eleição do Deputado Marco Feliciano para a Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. E temos visto um debate ferrenho sendo travado por conta desta inusitada eleição, já que o referido Deputado, que também é Pastor Evangélico, é famoso por fazer declarações racistas e homofóbicas, completamente destoantes de uma comissão que pretende defender minorias e vítimas de violência e opressão e ainda mais destoante do cristianismo que ele diz professar.
A verdade é que este fato, apesar de ter levantado temas que parecem óbvios para muitos de nós – que ninguém pode ser desqualificado, discriminado ou desrespeitado pela sua cor, pela sua identidade sexual, pela sua escolha religiosa ou ceticismo – ele eleva muito o debate político. O infeliz debate com Feliciano levanta questões muito importantes, na verdade, questões fundamentais e sobre as quais devemos pensar. Algumas delas: Queremos um Estado laico ou um Estado que fique subordinado a esta ou aquela crença religiosa? Queremos um Estado que aposte no respeito às diferenças – sejam elas de cor, credo, gênero ou identidade sexual – ou queremos um Estado que reforce discursos machistas, homofóbicos, racistas e/ou preconceituosos? Queremos um Estado que se paute no debate democrático ou na profusão e imposição de conceitos e discursos já prontos, em geral, moralistas e hegemônicos? Queremos um Estado que promova a educação para a liberdade, por defender o aprendizado de múltiplas verdades, ou uma educação que se baseie em dogmas e que, por isso, acredite numa única verdade? Queremos participar mais da vida política do nosso País ou o nosso compromisso com a democracia deve terminar ao apertamos o botão “confirma” da urna eletrônica? Queremos que o voto seja uma relação de compromisso entre eleitor e eleito ou um cheque em branco? Queremos debater ideias, propostas, projetos ou queremos apenas ser capazes de distinguir entre dois tipos de políticos ou partidos: os “ficha limpa” e os “ficha suja”? Sim, meus caros leitores e leitoras, eleitores e eleitoras, porque a última que eu “ouvi” sobre o caso é que o PSC, partido de Marco Feliciano, sustenta sua manutenção na Comissão de Direitos Humanos alegando que ele é “ficha limpa”.
E foi nessa hora que senti saudades de um tempo, que eu conheço mais de ouvir falar, em que tínhamos na vanguarda da política nacional extraordinários, valentes e notórios “fichas sujas”. Homens e mulheres considerados foras da lei, condenados, presos, torturados e/ou extraditados por defender os ideais de uma sociedade mais livre, democrática e justa.
O infeliz debate com Feliciano precisa abrir nossos olhos, ouvidos e principalmente nossa boca, e nosso corpo inteiro precisa se ocupar de discutir política ou estamos sujeitos a ter como nossos representantes nas Câmaras, Congressos e Senado tipos como esse, comprometidos apenas com sua própria verdade ou a verdade de seu gueto e de parco ou nenhum compromisso com o bem estar comum.
PS: E aproveitando a oportunidade: Feliciano, definitivamente, NÃO ME REPRESENTA.
Fonte: Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar...
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