março 24, 2013

"Sexo, o mal dos males", por Antonio Ozaí da Silva

PICICA: "Na Idade Média, a Igreja Católica foi a instituição predominante na vida moral e espiritual das pessoas. O poder do pastorado almejava controlar todas as esferas do cotidiano, especificando, inclusive, que atos sexuais eram permitidos, onde, quando e com quem. O desejo sexual foi identificado como o mal maior, “um mal acima de todos os males”, segundo Santo Anselmo (1933-1109). O ilustre arcebispo de Cantuária apenas expressava a atitude típica e comumente aceita pela cristandade medieval.
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A demonização do sexo na Idade Média foi também uma forma de estigmatizar as minorias desviantes, geralmente associadas às práticas sexuais abomináveis e em desacordo com a opinião eclesiástica e das autoridades civis – mas também enraizadas no senso comum. Embora inaceitável, do ponto de vista da modernidade, podemos fazer o esforço de compreender o pensamento teológico-civil medievalista, considerando-se o contexto histórico, cultural, etc. Mas, o que dizer da persistência dos estigmas e da postura condenatória em pleno século XXI? Por que será que atitudes e pensamentos medievais sobre a sexualidade persistem e sentenças de danação ainda são proferidas? Por que o sexo continua a ser concebido como pecado? Não teria sido mais apropriado se o Criador tivesse decidido por criaturas assexuadas?!"

Sexo, o mal dos males

 

 

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Concluí a leitura da obra Sexo, desvio e danação: as minorias na Idade Média, escrita por Jeffrey Richards.* Hereges, bruxos, judeus, prostitutas, homossexuais e leprosos, são grupos minoritários segregados e perseguidos. Embora cada grupo tenha características diferenciadas, o discurso condenatório que constitui o elo da corrente que aprisiona e mortifica corpos e mentes considerados desviantes pode ser sintetizado numa palavra: sexo. Mesmo a lepra termina por ser associada à lascívia, ao desejo sexual, e, portanto, é vista como punição ao pecado carnal.
Por que a moral religiosa e pública condena o sexo? Por que a sexualidade exige o controle absoluto? Na Idade Média, a Igreja Católica foi a instituição predominante na vida moral e espiritual das pessoas. O poder do pastorado almejava controlar todas as esferas do cotidiano, especificando, inclusive, que atos sexuais eram permitidos, onde, quando e com quem. O desejo sexual foi identificado como o mal maior, “um mal acima de todos os males”, segundo Santo Anselmo (1933-1109). O ilustre arcebispo de Cantuária apenas expressava a atitude típica e comumente aceita pela cristandade medieval. As raízes da censura ao sexo estão nos fundamentos originários da religião cristã:

“Pois a cristandade foi, desde seus primórdios, uma religião negativa quanto ao sexo. Isso significa dizer que os pensadores cristãos encaravam o sexo, na melhor das hipóteses, como uma espécie de mal necessário, lamentavelmente indispensável para a reprodução humana, mas que perturbava a verdadeira vocação de uma pessoa – a busca da perfeição espiritual, que é, por definição, não sexual e transcende a carne. É por isso que os ensinamentos cristãos exaltam o celibato e a virgindade como as mais elevadas formas de vida” (p. 34). [1]
Na concepção cristã medieval o sexo não inclui o prazer:

“Os teólogos medievais enfatizaram que era um pecado mortal fazer amor com a esposa unicamente por prazer. “Um homem que está ardentemente apaixonado por sua esposa é um adúltero”, disse São Jerônimo no século IV, uma opinião frequentemente reiterada no decorrer da Idade Média” (Id.).
Dessa forma, toda relação sexual “fora do casamento, tanto heterossexual quanto homossexual, era pecado, e, dentro do casamento, só deveria ser usado para fins de reprodução” (Id.). As autoridades eclesiásticas chegaram ao cúmulo de prescrever como deveria ser o sexo sem pecado, isto é, restrito a objetivos reprodutivos:

“A Igreja prescrevia a forma apropriada da relação. A única forma permitida era a que se conhece hoje em dia como “a posição do missionário”, frente a frente com o homem por cima e a mulher embaixo. Todas as outras variações eram punidas. A relação anal incorria em penitência de sete anos. Havia uma penitência de três anos para o coito dorsal, com a mulher por cima; isto era considerado contrário à natureza, a qual determinava que o homem deveria ocupar a posição dominante. O sexo oral também recebia três anos, assim como a relação com a penetração feita por trás, considerada como algo que rebaixava o homem ao nível das bestas, porque cavalos e cães copulam desse modo. O sexo anal e oral eram provavelmente considerados como contraceptivos, embora não seja especificamente mencionado. Os penitenciais incentivavam os casais a praticarem sexo somente à noite e mesmo assim parcialmente vestidos. Fica claro que o sexo era visto como algo essencialmente vergonhoso” (p. 40).
Por outro lado, a relação sexual, ainda que com objetivo meramente reprodutivo, era interditada sob determinadas circunstâncias:

“A Igreja regulamentava a atividade sexual dentro do casamento, proibindo-a em todos os dias de festas religiosas e jejuns (dos quais havia 273 no século VII, embora já estivessem reduzidos para 140 no século XVI), aos domingos e nos períodos em que se considerava que a esposa estivesse impura (durante as regras menstruais, durante a gravidez, durante o aleitamento e por quarenta dias após o parto)” (p. 39).
A demonização do sexo na Idade Média foi também uma forma de estigmatizar as minorias desviantes, geralmente associadas às práticas sexuais abomináveis e em desacordo com a opinião eclesiástica e das autoridades civis – mas também enraizadas no senso comum. Embora inaceitável, do ponto de vista da modernidade, podemos fazer o esforço de compreender o pensamento teológico-civil medievalista, considerando-se o contexto histórico, cultural, etc. Mas, o que dizer da persistência dos estigmas e da postura condenatória em pleno século XXI? Por que será que atitudes e pensamentos medievais sobre a sexualidade persistem e sentenças de danação ainda são proferidas? Por que o sexo continua a ser concebido como pecado? Não teria sido mais apropriado se o Criador tivesse decidido por criaturas assexuadas?!






* RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na Idade média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.

[1] Todas as citações são da obra acima referida.

Fonte: Blog do Ozaí

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