março 26, 2013

"A Igreja, a Ditadura e o papa", por Gilberto Calil e Marcos Vinícius Ribeiro

PICICA: "[...] encontramos alguns pontos nodais da cumplicidade entre Igreja e Ditadura. Para elucidar a questão, é importante lembrar o sequestro e desaparição de duas monjas francesas durante o terrorismo de Estado. Dagmar Hegelin, monja francesa que atuou nas redes de solidariedade aos familiares de desaparecidos, ainda durante a ditadura, foi sequestrada e levada a ESMA onde foi brutalmente torturada. Apesar das vinculações de Dagmar com a instituição, nada se falou à época.

Além do silêncio e cumplicidade da cúpula eclesiástica, encontra-se o caso de cooperação ativa em seções de tortura, como é o caso do Padre Christian Von Wernich. Von Wernich foi capelão da temida bonaerense durante a ditadura, além de ser acusado de participar de cerca de 45 sequestros, três assassinatos e outras tantas apropriações de bebês. Von Wernich foi julgado e condenado à prisão perpétua pela participação ativa em 7 assassinatos e 34 casos de tortura. No marco de seu julgamento, no ano de 2006, desapareceu a principal testemunha de acusação, Julio Lopez. Lopez, que até hoje permanece desaparecido.

É desta Igreja que provém Jorge Bergoglio. Uma Igreja que não deixou de contar com vozes dissonantes e resistentes – alguns dos quais inclusive desaparecidos pela ditadura -, mas que em sua cúpula hierárquica sempre se manteve firmemente aliada aos setores mais reacionários da sociedade argentina."


A Igreja, a Ditadura e o papa Imprimir E-mail
Escrito por Gilberto Calil e Marcos Vinícius Ribeiro 


alt

A relação entre Igreja e ditadura na Argentina é anterior ao desencadeamento do golpe terrorista de 1976. Nos seis golpes de Estado, que foram seguidos por controle militar do aparato estatal, houve, em grande medida, participação e atuação da Igreja. Em 1930, com apoio da igreja, o movimento militar da chamada “restauração conservadora” derrubou presidente eleito e retroagiu a estrutura econômica e política do país ao sabor das oligarquias reacionárias. Em 1943, o Grupo de Oficiais Unidos (GOU) arquitetou a tomada de poder numa mistura confusa e eficaz que conjugou catolicismo e nacionalismo. Em 1955, após os dois primeiros governos peronistas, a Igreja Católica entra em choque com Perón, chegando a excomungá-lo, para logo apoiar a chamada “revolução libertadora” que pôs fim à experiência peronista, liderada por militares integristas. Se auto-intitularam como portadores de uma missão redentora cujo objetivo fora a “desperonização do Estado”.

O caráter ativado da mobilização popular no contexto dos anos 1960, cujo Cordobazo foi o ápice, introduz um panorama que põe em xeque a hegemonia capitalista e o status quo.

Em 1966, Juan Carlos Ongania assumiu o poder com apoio deliberado da direita conservadora, alinhada com a igreja, e prometera nova reação à ativação dos movimentos de luta popular, os setores da lucha callejera. À época, o projeto do Onganito contou com o apoio da instituição católica. Postura que coadunou um projeto espiritual e econômico esclarecido, enfim, na nomeação de seu ministro da Economia, Jorge Néstor Salinei, que não possuía outra credencial senão o apoio declarado dos setores conservadores da Igreja.

O Cordobazo e o Rozariazo atropelaram o Onganiato. O olho do furacão, a cidade de Córdoba. Barricadas montadas nas ruas, baseadas na aliança entre setores operários e estudantis, demonstraram a ativação da luta popular em fins dos anos de 1960 e a fragilidade da hegemonia militar encouraçada de repressão. A luta de classes atingia níveis muito intensos.

Em 1976, sob as bênçãos da Igreja, representada na ocasião pelo padre Adolfo Tortolo, houve o golpe de 24 de março. Não se tratava de mais uma ditadura como as anteriores. Tratava-se, em suma, da ativação de um projeto terrorista cujo ensaio fora a “operação independência” em Tucumán. Imbuídos da doutrina Francesa da contra-insurgência, um aparato de guerra, bem azeitado, agrediu e dizimou a iniciativa foquista do Ejercito Revolucionario Del Pueblo (ERP) em 1975, ainda sob o governo constitucional de Isabelita Perón.

O Golpe de 24 de março de 1976, por si, apresentou-se como síntese do processo contrarrevolucionário. Sobre bases amplas de setores apoiadores da sociedade civil, meios de comunicação como o jornal Clarín, a Associação Permanente de Entidades Gremiais (APEGE) – representante do patronato empresarial argentino -, Sociedade Rural Argentina (SRA), e os setores conservadores da Igreja católica, apoiaram o auto-intitulado “Processo de Reorganização Nacional” (PRN), que oficializou o Terrorismo de Estado.

Os objetivos do Terrorismo de Estado, a partir de 1976, eram amplos, de longo prazo e retroativos. Tratava-se de uma intervenção “cirúrgica”, além de um projeto de militarização da sociedade. Constavam nas atas do processo os seguintes objetivos: “O Exército agirá seletivamente sobre os estabelecimentos industriais e empresas do Estado, em coordenação com os organismos estatais relacionados ao âmbito, para promover e neutralizar as situações conflitivas de origem trabalhista, provocadas ou que possam ser exploradas pela subversão, a fim de impedir a agitação e a ação insurrecional de massas, e contribuir para o eficiente funcionamento do aparelho produtivo do país.” (CONADEP, s/d: 280).

Conjugavam-se, no escopo e corpo da ditadura, um projeto de contra-revolução que se baseou no Integrismo Católico, na Doutrina de Segurança Nacional (DSN) e nos “valores ocidentais”. A ditadura de Terrorismo de Estado, na Argentina, contou com apoio massivo da cúpula católica. Desde os primeiros momentos da ditadura terrorista, a posição da Igreja era claramente definida, como revela a nota da Junta Episcopal argentina em reunião com a Junta Militar, ocorrida em 15.11.1976:

“O que pretende a Igreja? Primeiro, que não se misture na política. Frente a isto, os Bispos somos conscientes de que um fracasso levará, com muita probabilidade, ao marxismo, e por isto, acompanhamos o atual processo de reorganização do país, empreendido e encabeçado pelas Forças Armadas, o acompanhamos com compreensão e igualmente com ADESÃO E ACEITAÇÃO” (1).

Como insígnia do referido debate, encontramos alguns pontos nodais da cumplicidade entre Igreja e Ditadura. Para elucidar a questão, é importante lembrar o sequestro e desaparição de duas monjas francesas durante o terrorismo de Estado. Dagmar Hegelin, monja francesa que atuou nas redes de solidariedade aos familiares de desaparecidos, ainda durante a ditadura, foi sequestrada e levada a ESMA onde foi brutalmente torturada. Apesar das vinculações de Dagmar com a instituição, nada se falou à época.

Além do silêncio e cumplicidade da cúpula eclesiástica, encontra-se o caso de cooperação ativa em seções de tortura, como é o caso do Padre Christian Von Wernich. Von Wernich foi capelão da temida bonaerense durante a ditadura, além de ser acusado de participar de cerca de 45 sequestros, três assassinatos e outras tantas apropriações de bebês. Von Wernich foi julgado e condenado à prisão perpétua pela participação ativa em 7 assassinatos e 34 casos de tortura. No marco de seu julgamento, no ano de 2006, desapareceu a principal testemunha de acusação, Julio Lopez. Lopez, que até hoje permanece desaparecido.

É desta Igreja que provém Jorge Bergoglio. Uma Igreja que não deixou de contar com vozes dissonantes e resistentes – alguns dos quais inclusive desaparecidos pela ditadura -, mas que em sua cúpula hierárquica sempre se manteve firmemente aliada aos setores mais reacionários da sociedade argentina.

Um grupo de militares acusados de crimes contra a humanidade durante a ditadura argentina (1976-1983) apareceu na quinta-feira (14/03) em audiência realizada em um tribunal na cidade de Córdoba, trajando broches do Vaticano no lado esquerdo do terno, em alusão à eleição ocorrida um dia antes do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio para o novo papa da Igreja Católica.

Leia o texto completo no Correio da Cidadania

Nenhum comentário: