PICICA: "Io e Te, o mais recente filme
do diretor italiano Bernardo Bertolucci, é um filme pequeno, mas não num
sentido negativo. É pequeno pela sua simplicidade e singeleza, aquele
filme que não se enche de grandiloqüência para tratar do seu tema. Não
há excessos, nem exageros. E a pequenez não é apenas uma questão formal,
mas trata-se do próprio tema do filme, uma experiência de
compartilhamento e aprendizagem entre dois jovens irmãos"
Io e Te, o mais recente filme
do diretor italiano Bernardo Bertolucci, é um filme pequeno, mas não num
sentido negativo. É pequeno pela sua simplicidade e singeleza, aquele
filme que não se enche de grandiloqüência para tratar do seu tema. Não
há excessos, nem exageros. E a pequenez não é apenas uma questão formal,
mas trata-se do próprio tema do filme, uma experiência de
compartilhamento e aprendizagem entre dois jovens irmãos. O protagonista
do filme é Lorenzo, um adolescente bastante introvertido e com
dificuldades em se relacionar com as pessoas. Parece que seu mundo gira
apenas em torno de si próprio, por isso resiste a se relacionar com os outros e
quando não tem escolha, por exemplo quando precisa estar junto de sua
mãe, reage com agressividade ou desinteresse. É como se a presença do outro representasse uma forma de ameaça para a integridade de seu mundo, o que não deixa de lembrar a famosa máxima sartriana, o inferno são os outros.
Nesse sentido, para Lorenzo o melhor dos mundos é o do isolamento, o
estar sozinho consigo próprio. É apenas nesse momento de solidão que o
garoto parece encontrar espaço para existir da forma como deseja, numa
condição em que lhe parece ser possível alcançar a plenitude de sua
liberdade. É evidente que tal momento de completa solidão é difícil de
ser alcançado, por isso a oportunidade de ficar sozinho por uma semana
seria a materialização mais precisa de seu ideal de felicidade. E esta
oportunidade surge quando sua escola organiza uma excursão de uma semana
para uma estação de eski. Para sua família, o garoto inventa que
viajará com seus colegas, mas o seu plano é bem diferente: esconder-se
no porão de sua casa e passar todos esses dias vivendo apenas de acordo
com sua própria individualidade. Lorenzo prepara tudo, compra seus
alimentos preferidos, leva seu aparelho de mp3 com todas as músicas que
gosta, separa alguns livros que pretende ler e carrega também seu
computador. Tudo que ele precisa para passar o tempo de acordo com seus
gostos, caprichos e vontades, sem precisar interagir com qualquer outra
subjetividade, com qualquer ameaça à esta felicidade solitária. No
princípio, seus planos funcionam como desejado. Ele consegue enganar sua
família, se esconde no porão e começa a gastar seu tempo como lhe
apraz. Porém, um acontecimento inesperado interrompe esse momento de
solidão. A meia-irmã mais velha do garoto, Olivia, aparece na casa e
entra no porão para recuperar alguns objetos que lá estavam guardados.
Rapidamente descobrimos que a garota tem uma relação bastante conturbada
com sua família, tendo brigado com seu pai por conta da mãe de Lorenzo.
Por isso, ela foi banida de casa e rompido os vínculos com sua família.
O fato de Olivia ter descoberto seu esconderijo se mostra,
inicialmente, uma verdadeira catástrofe para Lorenzo. Tudo o que ele
deseja é que ela suma o mais rapidamente de lá, deixando-o sozinho
novamente. O problema é que Olivia está vivendo solitariamente uma
imensa crise de abstinência e precisa de um lugar para ficar. A solidão,
para ela, não aparece como uma positividade, tal qual para Lorenzo, mas
sim como um fator desestabilizante e angustiante. Ela precisa de alguém
que possa lhe ajudar. E na falta de outra pessoa, Olivia só econtra o
apoio relutante de um irmão mimado e egoísta. É a partir desse conflito
que o filme se transforma numa experiência de aprendizagem para ambos.
Ele se encontra confrontado com a presença do outro naquilo que
ele tem de mais ameaçador, a exigência de abertura à uma diferença
irredutível e intransponível. E o risco desta abertura é que ela pode
implicar num movimento de transformação de si próprio. Diante da dor de
sua irmã, ele não pode mais se manter numa posição de exterioridade, de
autocentramento. Ele é obrigado a apoiá-la da forma como consegue.
Olivia também passa por uma experiência de aprendizagem, na medida em
que precisa se reconciliar com seu passado e com sua família ausente,
reatando os laços com um irmão que não via há muito. Nos dias em que
passam dentro do porão, isolados do mundo, os irmãos criam um vínculo de
de trocas sinceras e de apoio recíproco, num movimento de
compartilhamento de uma forma de estar-no-mundo diferente daquela que ambos estavam acostumados. A existência solitária, ainda que por razões diversas, do ser-um é revertida num encontro à dois.
Esse encontro se converte numa forte experiência amorosa, ainda que não
completamente erotizada, que revelada a impossibilidade mesma de se
afirmar enquanto uma individualidade monística e isolada. A potência da
vida aparece na potência do encontro, que transfigura a subjetividade e o
modo de existir dos dois. Quando a semana acaba, ambos saem do porão
transformados por este encontro. E no caso de Lorenzo, essa
transformação parece estar exatamente na descoberta do outro,
da alteridade do mundo, por isso pode-se perceber que esta aprendizagem é
a da dimensão ética do existir diante desse outro. Esta descoberta traz
em si algo de pequeno, mas é propriamente essa pequeneza que traz as cores da vida (i colori della vita), como diz a canção que expressa em definitivo a potência desses encontros.
Fonte: Ensaios Ababelados
Io e Te (Eu e você) de Bernardo Bertolucci